Treinador que trabalhou com Vítor Pereira e Abel detalha personalidade da dupla
Rui Quinta conhece os dois técnicos há muito tempo e falou sobre como são como pessoas e profissionais
Basta um treinador português abrir a boca de forma mais contundente no Brasil que as discussões sobre a postura desses profissionais em solo tupiniquim se iniciam. Nada como ir atrás de quem tem profundo conhecimento desses técnicos para falar do assunto, como Rui Quinta, experiente comandante de Portugal.
Nas últimas semanas, Abel Ferreira e Vítor Pereira, treinadores de Palmeiras e Corinthians, respectivamente, estiveram no centro do noticiário após falas que geraram reações específicas de um grupo. Do lado palmeirense, o incômodo foi de técnicos rivais, enquanto o corintiano gerou insatisfação principalmente na sua torcida.
E tudo isso aconteceu quando um velho conhecido da dupla Abel e VP estava no Brasil. Rui Quinta é patrício dos treinadores de Verdão e Timão e está em solo brasileiro em uma espécie de intercâmbio nas categorias de base da Portuguesa Santista.
Aos 62 anos, o profissional tem uma vasta carreira como técnico, que iniciou em 1992 nas categorias de formação de atletas em Portugal, quando conheceu o menino Abel no Penafiel e depois, mais tarde, foi auxiliar de Vítor no comando do Porto, no início desta década.
Em conversa com o LANCE!, Rui detalhou um pouco de seu envolvimento com a dupla de treinadores e da personalidade de cada um deles, o que se reflete até hoje nos trabalhos que fazem por aqui.
ABEL FERREIRA - UM AMIGO DA VIDA
Quando Rui Quinta decidiu parar de jogar futebol de campo, ele foi logo trabalhar na base do Penafiel, onde se deparou com um garoto de 14 anos, chamado Abel Ferreira, que jogava de meio-campista, mas pensou em deixar o futebol no momento em que foi desafiado a jogar na lateral direita. Ali já se viu o quando sua convicção pesava
- O Abel era jogador do Penafiel quando eu cheguei lá, era sub-15, tinha 14 anos. Ele jogava meio-campo central, depois as pessoas desafiaram ele a jogar de lateral, num primeiro momento ele não aceitou muito, pensou em deixar o futebol, mas depois se firmou como lateral e foi onde fez sua carreira em alto nível.
- Aos 15 anos, o Abel já tinha um traço de personalidade bem marcante, aquela reação que ele teve naquela altura de se afastar, depois voltar, aquilo era uma indicação das convicções que o marcavam. Ele foi sempre aquela pessoa que vocês veem nas coletivas, altamente competitiva, não há duas formas de ser, quando estamos competindo, não podemos estar de duas maneiras, temos que estar focados nas nossas - contou Rui Quinta.
O treinador português lembrou da trajetória de Abel como jogador, de como ele foi subindo gradativamente na carreira até chegar em um clube top como Sporting. Para Quinta, isso não depende apenas de habilidade, mas também da mentalidade e do caráter, algo que o atual técnico do Verdão já mostrava naquela época e segue assim.
- Ele acabou por se impor no time profissional do Penafiel na segunda divisão portuguesa. Esse foi o primeiro passo, depois foi contratado pelo Vitória de Guimarães, do top 5 de Portugal, depois foi para o Braga e para o Sporting, ou seja, sempre em um processo de crescimento, isso não tem a ver com a qualidade futebolística, tem a ver com a mentalidade, além da habilidade, você tem que ter mentalidade, caráter, é claramente uma imagem de líder que ele transmite hoje, da sua pessoa.
Rui Quinta bateu muito na tecla da personalidade de Abel e de sua postura firme com suas convicções, algo que ele se orgulha de ver seu amigo dando importância. O treinador, inclusive, lembrou de um episódio em Portugal que deu início à trajetória do palmeirense na elite do futebol.
- Ele teve incompatibilidade com o presidente do Sporting, porque o Abel é um homem de princípios, um homem de caráter, e que tem um orgulho muito grande de entender a importância que ele dá a isso. Com isso ele mudou para o Braga, e a equipe do Abel jogava com qualidade, depois da equipe B, ele foi para a equipe A, que continuou jogando com a característica dele.
Ainda sobre Abel Ferreira, Rui Quinta acredita que ele ainda tem muito espaço para crescer e que só está nesse nível do futebol quem tem capacidade para isso, que é o caso do comandante do Verdão, principalmente pelo alinhamento conquistado com o elenco.
- O que eu eu não tenho dúvida, é que o Abel há dez anos era um treinador, hoje é outro, e daqui dez anos será outro muito mais competente e muito melhor preparado. A vida vai nos permitindo isso. O mérito dele e a capacidade que ele tem tido de fazer isso na dimensão top. E somente está lá quem domina esses pressupostos do jogar e do caráter, porque quando você é líder e você vê isso no Palmeiras, porque os jogadores estão alinhados com ele até morrer, e isso é uma vantagem - disse Rui antes de completar:
- Ele está há três anos no clube, tive o privilégio de fazer uma visita e eu senti o alinhamento de todos, todos preocupados em servir o clube. Quando se consegue isso, o grau de excelência é top.
VÍTOR PEREIRA - UM "IRMÃO"
Diferentemente de sua relação com Abel Ferreira, quem conheceu quando o palmeirense ainda era um garoto, Rui Quinta conheceu Vítor Pereira já mais velho, buscando a graduação com treinador. A proximidade foi tão grande que eles se tornaram "irmãos".
- Conheci o Vítor em um curso de treinadores de segundo grau, em Ponte de Lima. O Vítor estava tirando o segundo grau de treinador, em Portugal são quatro. Nós fomos dar aulas, e ele estava lá. Foi aí que o conheci. Destacava-se a quilômetros de todos os outros, pela forma como argumentava, como propunha os exercícios que defendi. Percebemos que era alguém diferente, e ficamos com essa relação de proximidade - declarou Rui antes de completar:
- O Vítor é um irmão meu. Nos juntamos no Porto por dois anos. Nesses dois anos, compartilhamos nossa vida, dia a dia. Tenho com ele uma gratidão eterna pela oportunidade, e tenho com ele uma amizade diferente, porque vivemos juntos dentro do mesmo clube, as mesmas felicidades. Isso nos ligou muito.
Como Rui disse acima, eles dividiram o comando do Porto, quando VP era o treinador principal e o convidou para fazer parte da comissão técnica. Antes disso, porém, eles chegaram a duelar.
- Fomos adversários algumas vezes, temos uma curiosidade, empatamos todos os jogos que nos enfrentamos. No ano em que ele foi auxiliar do Villas-Boas no Porto, nós, por meio de um amigo em comum, fomos almoçar e falamos por horas. No ano seguinte, ele foi convidado para treinar a equipe principal do Porto, e eu ia treinar um clube da segunda divisão, e ele disse: "Não vá, porque se eu for o treinador do Porto, quero que venha me ajudar". Eu disse que iria para ser campeão, e fomos dois anos seguidos.
Ao LANCE!, Rui Quinta detalhou um pouco de sua convivência com Vítor Pereira para explicar como o técnico do Corinthians trabalha e como ele chegou até o ponto que se estabeleceu na carreira, atingindo o topo, trabalhando em vários lugares do mundo.
- Não vivo o dia a dia com o Vítor no futebol há 10 anos. O Vítor já esteve em diferentes países, na Ásia, Europa, e está agora na América. O que eu sei, ele é um treinador extremamente ligado, obcecado com tudo que faz, os detalhes, para que tudo esteja da maneira que ele pretende. Tem uma capacidade de evidenciar aos jogadores aquilo que é o melhor para cada um.
- A forma de jogo dele é apelativa porque gosta de ter a bola, mandar no jogo. É uma equipe que joga para ganhar. Às vezes até exagera como gasta o tempo preocupado com as coisas relacionadas a equipe e jogadores. Disse isso para ele algumas vezes, é importante sairmos um pouco, fazer um refresh, para voltar com energia no topo. É um treinador que não se dá por vencido.
- O Vítor se fez a ele próprio, veio lá de baixo, de um meio social complicado, onde colegas dele descambaram na vida, e ele foi estudar, formou-se, treinou na base, no principal, e está agora no topo. É uma pessoa de um coração extraordinário, se preocupa muito com o bem-estar das pessoas, fazer o bem, ajudar. Pessoalmente, é tímido, reservado, não gosta de muita exposição.
SEMELHANÇAS ENTRE ABEL E VÍTOR
São duas pessoas que se fizeram no futebol, que ninguém deu nada, foi tudo conquistado por eles, pela forma de trabalhar, ideias, maneira como lidaram com as dificuldades da vida. Isso os marcou. Estão trabalhando em alto nível por alguma razão. As características dos treinadores do topo, têm muito a ver um com o outro. São altamente competitivos, defendem com unhas e dentes seus jogadores, e exigem deles os limites. Não há outra forma de ganhar.