CBDN nega esportes de inverno como "hobby de elite" e festeja números positivos
Em entrevista ao Terra, Stefano Arnhold, presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve, diz que vê o esporte como atividade física profissional de competição, igual as modalidades de verão
A Olimpíada de Inverno de Sochi começa em 7 de fevereiro. Antes disso, porém, uma pessoa concentra as atenções nos esportes da competição: Stefano Arnhold, presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN) e chefe de missão da delegação nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Mais do que um bom desempenho em fevereiro, está nas mãos dele também o futuro de esquiadores e snowboarders brasileiros. A meta: uma medalha.
A conquista não deverá chegar em 2014, é verdade. Nem em 2018 ou 2022. Neste intervalo, a meta é primeiro consolidar o trabalho que já existe. Diante do clima tropical e das altas temperaturas do Brasil, a criação da cultura de esportes de neve é um "desafio", segundo o próprio Arnhold. No entanto, entre os atletas que já disputam tais provas, o crescimento de desempenho vem sendo satisfatório. Especialmente porque há muito que pode ser feito até mesmo no verão brasileiro, como a preparação física dos competidores.
Em entrevista ao Terra, Arnhold deixou claro que não vê o esporte de inverno como um "hobby de elite", e sim como uma atividade física profissional de competição, como acontece com as modalidades de verão.
"No alto rendimento, o esporte de inverno no Brasil já deixou de ser de elite há muito tempo. Aquele atleta de alto rendimento, que tem dedicação exclusiva, realmente é um profissional no esporte, e não faz mais parte de uma elite na qual o esqui alpino é muito comum para quem vai passar férias no exterior", contou Stefano.
Com um projeto para solidificar as modalidades de inverno e tornar o esporte mais democrático, o presidente da CBDN comemora números positivos que as Olimpíadas de Inverno têm alcançado junto ao público brasileiro desde 2006, quando Isabel Clark conquistou o melhor resultado da história do País nas competições (foi nona no snowboard). Segundo ele, a projeção dos últimos anos permite sonhar em conquistar um espaço dedicado hoje ao futsal na imprensa esportiva.
"Em 2011, segundo uma pesquisa divulgada, nós (esportes de inverno) estávamos em nono lugar (em tempo de transmissão de TV), empatados com o futsal. Em 2012, crescemos 290%. Se o futsal cresceu na mesma proporção, estamos empatados - senão, podemos até ter passado. Temos mais de 150 horas de TV transmitidos e atingimos uma audiência acumulada de mais de 140 milhões de pessoas. Tivemos esse big crescimento para essa temporada 2013/2014, e vamos mais do que dobrar de novo", avaliou.
A meta do Brasil para Sochi não é buscar vitórias ou pódios (embora sejam bem-vindos caso aconteçam), mas não perder fôlego. Com uma história breve em Olimpíadas de Inverno, o País tenta primeiro se consolidar como uma presença constante nas competições na neve. Em 2014, a delegação brasileira estará lá - e nem mesmo os atentados recentes na Rússia ou o acidente de esqui de Michael Schumacher tiram a confiança de Stefano Arnhold na empolgação do público.
Confira a entrevista exclusiva com o presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve:
Terra - O senhor vem de uma família muito ligada aos esportes na neve. Como é essa convivência na família?
Stefano Arnhold - Eu esquiava desde pequeno. Depois, quando as crianças (os filhos Mirella e Caio) eram pequenas e começaram a esquiar, minha mulher também aprendeu a esquiar - com 37 anos. A gente começou a acompanhar eles nos campeonatos, e a Mirella acabou se dedicando à modalidade. Depois, voltou aos estudos. A Luci (mulher) e eu continuamos nos másters. A Luci foi campeã mundial no ano passado e até hoje a gente continua atuando. No dia a dia da confederação, a gente continua na parte ligada às modalidades.
Ano | Cidade-sede | País | Número |
1992 | Albertville | França | 7 |
1994 | Lillehammer | Noruega | 1 |
1998 | Nagano | Japão | 1 |
2002 | Salt Lake City | EUA | 10 |
2006 | Turim | Itália | 9 |
2010 | Vancouver | Canadá | 5 |
2014 | Sochi | Rússia | A definir |
Terra - O Brasil não tem tradição em esportes de inverno. Que frutos a gente colheu desde a primeira participação em Olimpíadas de Inverno, em 1992?
Stefano Arnhold - É uma história muito legal de progressão. A cada edição de Jogos Olímpicos, a gente tem uma edição superior à anterior. A gente competia apenas no esqui alpino - em 1992 (Alberville, França) e 1994 (Lillehammer, Noruega), nem havia índice de classificação. Em 1998, o esqui alpino já teve índice classificatório, e o Marcelo Apovian competiu no Super G, que nem era a modalidade dele. A partir daí, a gente começou com mais modalidades - cross crountry em 2002, snowboard em 2006, quando a modalidade entrou ao programa olímpico. E agora, para 2014, a gente objetiva bater recordes.
Terra - Não é complicado conduzir esportes de neve em um país com temperaturas tão elevadas como o Brasil?
Stefano Arnhold - Eu não diria que é complicado - diria que o desafio é maior, em função de não ter uma coisa muito importante, quase insubstituível, que são as crianças praticando o esporte de forma recreativa. Tem uma parte que a gente pode fazer no Brasil, que é a ciência aplicada ao esporte, à preparação física. Tem algumas modalidades que a gente pode ter um treinamento fora da neve - temos um centro de treinamentos em São Carlos (SP) para modalidades de endurance. Com o roller esqui, você consegue emular muito bem o esqui cross country. As equipes de cross country e biatlo no verão treinam com o roller esqui. O segundo centro que estamos construindo em São Roque (SP) é de free style, para esqui e snowboard. Para a modalidade de aerials, é importante o treino fora da neve. Para as novas manobras, pelo perigo que oferecem na neve, ela (modalidade de aerials) é mesmo desenvolvida fora. Daí o nosso interesse em desenvolver essas atividades fora da neve no Brasil. Temos isso com o COB: um país tropical demonstra competência na gestão esportiva se consegue desenvolver essas modalidades. Isso é importante para um país que quer se tornar uma potencia olímpica.
Terra – Com esses treinos fora da neve, é possível fugir da fama de "esporte de elite"?
Stefano Arnhold - Eu acho que, no alto rendimento, o esporte de inverno no Brasil já deixou de ser de elite há muito tempo. Aquele atleta de alto rendimento, que tem dedicação exclusiva, ele realmente é um profissional no esporte, e não faz mais parte de uma elite na qual o esqui alpino é muito comum para quem vai passar férias no exterior. A gente tem atletas dessa origem e outros de outras origens. No snowboard, tem uma cultura dos esportes de pranchas, inclusive pelo fato de o Brasil ser um país rico em esportes de prancha – o waterboard, o sandboard, o kitesurf. Somos um país muito rico nesses esportes. Temos visto atletas migrarem de outras modalidades. Temos um caso importante, como a Jaqueline (Mourão), que vai à quinta Olimpíada (2004, 2006, 2008, 2010 e 2014), começou por acidente: nevou muito na casa dela no Canadá e ela não podia fazer preparação física. Aí aceitou o convite do marido dela, o Guido (Visser), para uma voltinha.
Terra – Desde a Olimpíada de 2006 (Turim), com o nono lugar da Isabel Clark no snowboard, as modalidades de inverno cresceram em popularidade com o público no Brasil. Como isso tem se refletido nos próprios esportes de neve?
Stefano Arnhold -
A gente faz trabalho em vários níveis, inclusive na comunicação. A imprensa tem dado um apoio incrível para a gente. Os números do Brasil já passam a ser importantes. Em 2011, segundo uma pesquisa divulgada, nós (esportes de inverno) estávamos em nono lugar, empatados com o futsal. Em 2012, crescemos 290%. Se o futsal cresceu na mesma proporção, estamos empatados - senão, podemos até ter passado. Temos mais de 150 horas de TV transmitidos e atingimos uma audiência acumulada de mais de 140 milhões de pessoas. Tivemos esse
bigcrescimento para essa temporada 2013/2014, e vamos mais do que dobrar de novo. Realmente, o Brasil está tendo uma divulgação fantástica de esportes de inverno. Há muitos países invejosos do que o Brasil - em internet, TV paga e TV aberta - tem mostrado dos Jogos Olímpicos. Há países com participação mais robusta que não têm essa intensidade de transmissão de Jogos. O brasileiro é um privilegiado, vê os Jogos praticamente na integra enquanto vários países têm apenas boletins.
Terra – Diante dessa evolução, o que podemos esperar de 2014?
Stefano Arnhold -
É um trabalho crescente. A cada Olimpíada, a gente tem batido marcas dos Jogos passados, batido o número de modalidades. A Isabel (Clark) teve um excelente resultado em 2006 e foi sexta na Copa do Mundo esse mês. O snowboard já alcançou o Top 10 do mundo. A missão está cumprida. A partir de agora, é lutar por resultados cada vez maiores. A gente tem o caçula dos esportes, o aerial, que é treinado no Brasil. Por essa possibilidade de treino fora da neve, a China e a Austrália são as lideres nesse esporte. É uma modalidade em que a gente foca com muito carinho. É uma modalidade que a gente vai brigar por pódios lá na frente com certeza. No paralímpico, o André Cintra (snowboard cross) e o Fernando Aranha (esqui cross country), a gente tem um apoio muito forte do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), praticamente em uma sociedade na cogestão dessas modalidades para (as Paralimpíadas de) 2018, 2022, 2026, para que talvez em 2030 estejamos brigando por medalhas em esportes de endurance de deficientes visuais. A gente tem um apoio muito grande do Ministério do Esporte para brigar por resultados nessas modalidades.
Terra – A Rússia tem sido palco de manifestações, de ataques terroristas e até de explosões de bombas. O Brasil tem alguma preocupação sobre isso? Há alguma proteção especial?
Stefano Arnhold -
Na realidade, todos os Jogos Olímpicos são uma vitrine muito grande e são uma possibilidade desse tipo de atentado. Participamos dos Jogos de 2002 (Salt Lake City, EUA), que foi em fevereiro, muito pouco tempo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Tivemos um esquema de segurança: havia mais tropas em Salt Lake do que no Afeganistão. Foi um excelente aprendizado junto a essas necessidades de segurança. A gente confia plenamente nas autoridades locais e do comitê organizador, que fazem um trabalho para resguardar os atletas, as delegações e as famílias que acompanharão as competições.
Terra – Na virada do ano, tivemos alguns acidentes bastante midiáticos envolvendo o esqui, com Michael Schumacher e Angela Merkel. Esse tipo de acidente afasta o interesse do público?
Stefano Arnhold -
Eu acredito que não. O esqui é um esporte apaixonante - tanto o cross country, da senhora Merkel, quanto o esqui alpino, onde tivemos o acidente do piloto, são apaixonantes. Quem começa, se apaixona e continua. Os dois foram fatalidades. Não foram descuidados, nem foram (acidentes) complexos, nem à alta velocidade. Foi uma fatalidade. Ele (Schumacher) enganchou o esqui em uma rocha coberta por neve e acabou colidindo com uma rocha de forma mais complexa. No cross country, então, que é um esporte de endurance, o esporte deixa de ser seguro para ser ultrasseguro. Acredito que não tenha afastado (o público), não.