Cinco questões que o Rio precisa resolver antes da Olimpíada
A um ano do início dos Jogos Olímpicos de 2016, a atenção internacional está voltada para o Rio de Janeiro, e sobre como a cidade se prepara para enfrentar importantes desafios.
Entre estes testes, talvez um dos mais importantes seja o de garantir a segurança de atletas e turistas de todo o mundo, incluindo mais de 200 delegações olímpicas, 80 chefes de Estado e um público estimado em mais de meio milhão de pessoas durante os 17 dias do evento.
Segundo os organizadores, trata-se do "maior esquema de segurança da história do Brasil", com um total de 85 mil homens (mais do que o dobro do efetivo utilizado nos Jogos de Londres, em 2012), e orçamento estimado em mais de R$ 1 bilhão, incluindo treinamentos e a compra de equipamentos como blindados e helicópteros, além da cooperação com forças policiais de outros países.
Mas embora autoridades e o Comitê Rio 2016 garantam que os preparativos estejam correndo dentro do cronograma, com transparência orçamentária e a contento do Comitê Olímpico Internacional (COI), analistas questionam pontos como a coordenação entre diferentes órgãos, os esforços antiterrorismo, potenciais manifestações e a situação volátil no Complexo da Maré, conjunto de 16 favelas localizado entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e o centro da cidade.
As recentes atualizações do Plano Estratégico do governo, com definições de responsabilidades e detalhes de medidas, chegam em meio a uma sequência de más notícias para a segurança pública do Rio, apesar de estatísticas oficiais apontarem uma queda no índice de homicídios e mortes violentas.
Nos últimos meses, a cidade olímpica registrou um aumento do clima de insegurança, com assaltos e esfaqueamentos com mortes em diversos pontos - incluindo a Lagoa Rodrigo de Freitas, que sediará provas - além de tiroteios com feridos num dos corredores de ônibus BRT, uma morte dentro de uma estação de metrô, assaltos em trens e mortos por balas perdidas, além de diversos incidentes em favelas com UPPs.
Diante deste cenário, a BBC Brasil ouviu membros da cúpula que organiza o esquema e especialistas que acompanham o setor para identificar os cinco pontos mais cruciais que o Rio precisa enfrentar para garantir a segurança dos Jogos.
1. Locais de competições
A segurança das 33 instalações olímpicas distribuídas em quatro grandes regiões (Barra, Deodoro, Copacabana e Maracanã) ficará a cargo do governo federal, com o envio de mais de 9 mil homens da Força Nacional. Inicialmente a cargo do Comitê Rio 2016, que utilizaria agentes privados, todos os locais de competição, Vila Olímpica e Vila dos Árbitros passaram a ser responsabilidade do governo federal.
Um dos objetivos é evitar problemas como os ocorridos na Olimpíada de 2012, em Londres: a uma semana dos Jogos, mais de 4 mil homens das Forças Armadas tiveram que ser acionados diante de falhas no treinamento dos agentes contratados por uma empresa privada.
O diretor da Força Nacional, coronel Nazareno Marcineiro, destaca o diferencial do grupo. "Trata-se de uma tropa altamente qualificada, com integrantes de todas as polícias estaduais, treinados para cumprir missões de preservação da ordem pública com alto grau de profissionalismo", diz.
O contingente deve ter apoio de cerca de 38 mil militares e 18,5 mil homens da PM no entorno dos locais.
"Prezamos pela discrição e baixa ostensividade na segurança das instalações olímpicas, mas isso varia com a radiografia de cada local", indica Andrei Rodrigues, chefe da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça (Sesge).
Paulo Storani, ex-capitão do Bope entre 1994 e 1999 e professor da Universidade Cândido Mendes, relembra o incidente ocorrido na Copa do Mundo, quando torcedores chilenos invadiram o Maracanã, e aponta a necessidade de cumprir o planejamento dentro dos prazos. "É imprescindível que este trabalho ocorra de forma muito bem planejada e coordenada, e que as estruturas sejam finalizadas a tempo. Na Copa alguns estádios operaram sem todas as condições de segurança totalmente prontas", diz.
2. Assaltos, turistas e protestos
Na visão de especialistas, o esquema de forte policiamento em grandes eventos sediados pelo Rio de Janeiro, como a Rio+20 e a Jornada Mundial da Juventude, tende a coibir o número de assaltos e furtos, mas bastaria um caso de vulto para chocar a opinião pública e a comunidade internacional.
"É muito improvável que haja alto índice de assaltos nos locais de competição e de grande circulação de turistas, dado o forte contingente policial empregado", diz Ignacio Cano, sociólogo e professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Mas casos como o do turista alemão Fred Niefind, de 51 anos, que morreu após ser esfaqueado durante um assalto no Carnaval deste ano, no centro do Rio, poderiam ofuscar a grande operação de segurança.
Deodoro, na Zona Norte, apresenta desafios ainda maiores do que as regiões mais turísticas. Na visão de Roberto Alzir, subsecretário de Grandes Eventos da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, será crucial orientar os turistas com cartilhas.
"Nossa atenção estará voltada para os centros de competições e o entorno, aeroportos, hotéis, locais de circulação, e terminais de transporte, além de ônibus, trens e metrô. O que a gente não recomenda é que o turista saia do circuito oficial, porque aí ele vai experimentar locais da cidade que contam apenas com o recurso cotidiano de polícia", diz.
Um material informativo deverá ser distribuído contendo dicas como não ostentar objetos de valor e câmeras fotográficas, o que não levar para as praias, e a preferência por andar em grupos.
Quanto ao potencial de manifestações durante o período dos Jogos, Andrei Rodrigues, da Sesge, diz que há uma preparação. "A segurança tem o papel de prover a garantia de que um protesto possa ocorrer de forma tranquila. Nossa preocupação é com um eventual abuso que possa ocorrer dentro de uma manifestação, e para isso temos uma preparação, incluindo operações de inteligência para evitar ação de vândalos".
3. Complexo da Maré
Uma das maiores - senão a maior - pedras no sapato das autoridades de segurança do Rio é a situação volátil no Complexo da Maré, conjunto de 16 favelas estrategicamente localizado entre o aeroporto internacional e o centro da cidade, e entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, dois corredores por onde passarão milhares de turistas e potencialmente delegações olímpicas e comitivas de chefes de Estado.
Seguidamente adiada pelo governo estadual, a pacificação da Maré chegou a ser prevista para 2013, mas dois meses antes da Copa do Mundo o Rio solicitou à presidente Dilma Rousseff o envio das Forças Armadas para ocupar a área. As tropas saíram após um ano e dois meses, mas até o momento nenhuma das quatro bases de UPPs previstas foi inaugurada - o que, segundo o secretário de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, ocorrerá antes dos Jogos.
Para o general Luiz Felipe Linhares, assessor especial do Ministério da Defesa para Grandes Eventos, uma nova ocupação das Forças Armadas não está prevista. "Um novo mandato na Maré só poderia se dar caso o governador assim solicitar à presidente, ou se a própria presidente, com base em relatórios de inteligência e avaliação de risco, assim julgar necessário, determinando tal ordem às Forças Armadas. A avaliação será feita e obviamente teremos que estar preparados com planos A, B, C e D", diz.
A pacificação da Maré é tradicionalmente vista como um dos grandes desafios do Rio, e encarada como um potencial legado. Para Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC), seria um grande fracasso se o Exército voltasse ao local.
"Seria algo semelhante à limpeza da Baía de Guanabara. Tivemos sete anos para limpar e não conseguimos. Da mesma forma, tivemos sete anos para pacificar a Maré, e se não conseguirmos, seria extremamente frustrante, um fracasso total em termos de legado de segurança pública para a cidade", avalia.
4. Terrorismo
Embora o Brasil não seja alvo tradicional de grupos extremistas internacionais, esta é uma das áreas de preocupação. Especialistas relembram que, em 1972, a Alemanha também não era alvo, mas durante os Jogos de Munique membros da delegação de Israel foram sequestrados por um grupo palestino, e a ação acabou resultando na morte de 11 atletas e técnicos.
"A questão do terrorismo é preocupante por não termos na nossa cultura ferramentas para lidar com isso. Nossa inteligência, forças policiais e autoridades de segurança pública não estão habituadas a esse problema e organizações extremistas poderiam tentar promover ações, ainda mais num país vulnerável como o nosso", diz Paulo Storani, ex-capitão do Bope.
Para ele, "os centros específicos antiterror já deveriam estar montados e sendo testados. O tempo em relação a isso é alarmante".
Diretor do Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência (Disbin), Saulo Moura da Cunha, indica que o país se prepara para ameaças e que haverá um Centro de Inteligência Nacional em Brasília, Centros de Inteligência Regionais em cada cidade que sediará jogos de futebol, além do Centro de Inteligência dos Jogos, baseado no Rio de Janeiro. Destes, no entanto, apenas o Centro Nacional, usado na Copa, já está em funcionamento.
Andrei Rodrigues, da Sesge, diz que ainda não há "data fixa" para a montagem dos outros locais. "Estes centros contarão com a cooperação de agências de inteligência e da Polícia Federal, e deverão estar prontos mais próximo ao evento. Teremos ainda um Centro de Inteligência de Serviços Estrangeiros, no Rio, que articulará informações com mais de cem países", avalia.
5. Integração e orçamento
Essencial a qualquer esquema de segurança deste porte, a integração das diferentes frentes e forças policiais deve ser crucial. Segundo os organizadores, as estruturas montadas para a Copa do Mundo - os Centros Integrados de Comando e Controle - serão herdados pela Olimpíada.
Já há um centro do tipo em Brasília, coordenando as operações em nível nacional, e outro no Rio de Janeiro. São estes locais que processam os dados de imagem e monitoramento e de onde partem comandos de resposta ao cenário das ruas e locais de competição.
Outros fatores importantes são os custos e o legado. Segundo os organizadores, até o momento as estimativas incluem gastos de R$ 350 milhões do Ministério da Justiça e R$ 750 milhões do governo estadual do Rio (já investidos), aos quais devem se somar R$ 300 milhões até 2016. Além disso, o Ministério da Defesa destinou orçamento de R$ 580 milhões para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.
Ainda não há definição total, no entanto, sobre a segurança das cinco cidades que sediarão jogos de futebol e sobre quem deve arcar com as despesas nestes locais. Além disso, a segurança de todos os locais de competição estava inicialmente a cargo do Comitê Rio 2016, mas o governo federal assumiu a conta, argumentando um legado em equipamentos e treinamento.
Ao Comitê, com orçamento de R$ 252 milhões, caberá agora a segurança de 87 locais administrativos, como depósitos logísticos e escritórios, além das instalações olímpicas antes de 5 de julho e depois de 26 de setembro de 2016.