Como a China se tornou a maior potência paralímpica?
A China lidera disparada o quadro de medalhas da Paralimpíada e caminha com facilidade para se tornar pela quarta vez a campeã da competição.
Até 8h deste sábado, o país tinha 217 medalhas, 91 a mais do que o segundo país mais vitorioso, o Reino Unido (126). As conquistas chinesas somam mais do que o dobro das dos EUA, conhecida superpotência esportiva (103 medalhas no total).
A rápida ascensão da China nos últimos 15 anos coincide com a escolha de Pequim em 2001 para sediar a Olimpíada e a Paralimpíada de 2008, explicou à BBC Brasil Guan Zhixun, professor da Faculdade de Esportes e Saúde da Zhejiang Normal University.
A partir de então, disse ele, o governo chinês ampliou os investimentos nos esportes paralímpicos e também em propaganda para promover valorização da competição na sociedade chinesa. O objetivo era recrutar atletas e garantir o sucesso dos Jogos no país, com um maior envolvimento do público.
Além disso, o governo da China viu a oportunidade de usar a Paralimpíada como uma "ferramenta educacional" para mudar a forma como as pessoas com deficiência eram vistas pela população, acrescenta o especialista.
"Isso foi uma novidade. O país não experimentou esse movimento antes, como países do Ocidente. A cultura tradicional da China via os deficientes como pessoas inúteis. Agora, os chineses começam a vê-los como pessoas que enfrentam desafios", assinala Guan.
O professor já foi treinador de duas modalidades paralímpicas ─ natação e bocha. Depois, fez um doutorado sobre Paralimpíada na China em uma universidade australiana (University of Western Australia). Na sua avaliação, é difícil medir qual o impacto do sucesso da China na competição sobre o dia a dia dos deficientes no país, mas diz que houve avanços.
"Acredito que a atitude dos cidadãos em relação a pessoas com deficiência melhorou rapidamente nos últimos anos, depois que a China ganhou três vezes as Paralimpíadas", observou, em referência às vitórias em Atenas (2004), Pequim (2008) e Londres (2012).
As competições paralímpicas tiveram início em 1948 na Inglaterra, mas a China só passou a enviar atletas em 1984. E foi justamente nos anos 80 que o governo passou a ter políticas públicas focadas nos deficientes.
A Federação Chinesa de Pessoas com Deficiência, instituição semigovernamental, foi fundada em 1998 pelo filho de Deng Xiaoping (ex-líder chinês), Deng Pufang, que ficou paraplégico após ser torturado durante a Revolução Cultural, movimento sociopolítico lançado para preservar a "verdadeira" ideologia comunista.
Segundo Guan Zhixun, a instituição teve papel central na melhora do desempenho da China na Paralimpíada.
A federação tem atuação em todo país, com braços regionais e locais. Por meio dela, o governo investe no atendimento às pessoas com deficiência, inclusive no treinamento de atletas e treinadores paralímpicos.
Dados de 2014 apresentados pela federação, por exemplo, mostram que naquele ano o país realizou 20 competições nacionais de esportes paralímpicos, com a participação de mais de 6 mil deficientes. Já no nível municipal, foram promovidos 5.544 eventos, com participação de 694 mil pessoas.
Chefe de missão na China da ONG Handicap International, Alessandra Aresu também destaca o papel da Federação Chinesa de Pessoas com Deficiência na melhoria do tratamento dos deficientes no país.
Ela nota que a instituição nasceu pequena, mas três décadas depois tem uma grande estrutura, em todo o país. Sua equipe conta com 120 mil funcionários.
"O movimento de pessoas com deficiência na China é muito recente, mas muito foi feito nesse período, ainda mais se você considerar o tamanho do país e a quantidade de pessoas com deficiência (mais de 80 milhões)", notou.
"Comparado com muitos países em desenvolvimento onde a estrutura é fraca, às vezes devido à falta de recursos, a China possui uma estrutura expressiva e investiu muito dinheiro nisso", disse ainda.
Apesar disso, Aresu aponta que ainda é importante melhorar a qualidade das políticas, que são predominantemente focadas em tratamento médico e em ações caridade. Na visão dela, é importante adotar um "modelo social", que valorize as habilidades dessas pessoas.
"O jeito que o deficiente é visto aqui é mais pelo que ele não tem do que por suas habilidades e capacidade. Até recentemente, no entanto, os deficientes eram tratados na China como inúteis. Esse é o jeito tradicional de lidar com pessoas com deficiência que não é mais usado agora. Foi um grande avanço", ponderou.
Maior delegação
Além da atuação do governo, outro fator que ajuda a explicar o bom desempenho da China na Paralimpíada é o grande número de pessoas com deficiência no país. A delegação chinesa paralímpica é a maior no Rio, com 308 atletas.
De acordo com o Instituto Chinês de Deficiência, da Renmin University, em Pequim, havia 83 milhões de pessoas com deficiência no país em 2009, número equivalente à população da Alemanha.
A China é a nação mais populosa do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes.
Polêmica
O alto rendimento dos atletas chineses, no entanto, não ficou imune a críticas.
A delegação brasileira levantou suspeitas, na disputa do 4 por 50 misto, categoria 20 pontos de natação, que o gigante asiático possa estar se beneficiando da classificação incorreta de seus paratletas, com a inscrição de competidores em categorias com grau de dificuldade abaixo do seu potencial de desempenho.
Nessa modalidade, a equipe é formada por dois homens e duas mulheres e suas classificações de deficiência devem somar 20 pontos.
A equipe brasileira, detentora do melhor tempo na categoria, era favorita, mas os chineses venceram, conseguindo diminuir recorde mundial em 11 segundos.
O presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês), Philip Craven, disse que o caso seria analisado.
"Tivemos uma reunião muito rápida e informal no IPC e essa questão foi levantada. (…) Os atletas brasileiros têm dado declarações e vamos levar em conta, porque somos uma entidade centrada nos atletas. Vamos averiguar", afirmou, segundo reportagem do jornal Estado de S.Paulo.
A classificação costuma ser feita por técnicos locais, credenciados pelo Comitê Paralímpico Internacional.