A representatividade de Maria Suelen em sua última Olimpíada
Aos 32 anos, a potencial medalhista no judô é a principal voz de aceitação dentro das artes maciais
A trajetória de um atleta olímpico muitas vezes é desconhecida pelo público que o assiste. Em Tóquio, disputando sua última Olimpíada, a história de Maria Suelen Altheman representa a vida de milhões de brasileiros. A judoca cortava por três horas o interior paulista para ver a família, distante pelo sonho de menina de se tornar atleta profissional de judô. Deu certo. Aos 32 anos, além de potencial medalhista no Japão, sua representatividade vai além dos tatames e despacha padrões impostos sobre o sexo feminino.
Quando deixou a cidade de Amparo, município a cerca de 490km de São Paulo, Maria Suelen ainda não sabia da relevância que exerceria dentro da modalidade. Talvez por isso tenha pensado em desistir quando as dificuldades e a saudade da mãe bateram na porta. Em entrevista ao L!, a judoca abriu o coração sobre a Olimpíada e sua representatividade no esporte.
"Saí de casa quando ainda ia completar 15 anos. Foi um processo bem difícil, eu era só uma adolescente. Por mais que a mulher amadureça mais rápido que o homem, foi uma fase que se eu não tivesse cabeça, acabaria desandando. Nesse período ainda tive que estudar, estava cursando o ensino médio. Foi complicado conciliar estudo e esporte. Já usei muito a desculpa que estava cansada. Eu não tinha tinha mais minha mãe para me acordar, fazer comida, não tinha mais aqueles cinco minutinhos a mais na cama. A parte do conselho dos pais também fez falta. Até hoje eu sinto falta daquele 'colinho de mãe'", disse.
"Quando comecei já pensei em parar. Eu caminhava muito para chegar nos meus treinamentos. Era quase uma hora de caminhada. Não queria mais. Devo isso ao meu sensei também, que ia me buscar todo dia em casa para eu não desistir", completou a atleta.
O prêmio pela resiliência frente aos empecilhos encontrados amadureceram Maria Suelen Altheman. A judoca conta a importância dos pais nesse processo. Não é raro a pressão familiar afundar ambições de estudantes, profissionais ou atletas. No caso de Maria Suelen, saindo do interior paulista, o estigma sobre o sexo feminino em um esporte majoritariamente dominado por homens poderia apresentar barreiras entre ela e familiares. Contudo, o esforço do pai e os conselhos da mãe, a Dona Rita, foram fundamentais para a carreira da brasileira.
"Tenho muito orgulho dos meus pais. Eles sempre me incentivaram. Nunca falaram que não era 'esporte para menina'. Meu pai me levou para fazer testes em São Caetano e minha mãe sempre foi minha confidente. Sempre a vi como amiga e nunca deixou de me apoiou. Sempre deixou as portas abertas para eu voltar", desabafa.
"Liguei pra ela chorando no primeiro mês uma três vezes. Ela me acalmava e fui me acostumando. No começo da minha carreira, quando não tinha competição, eu sempre voltava para casa. Doía meu peito quando saía da casa dos meus pais nos finais de semana para voltar para São Paulo, onde treinava", completa.
Já em Tóquio, a previsão é que Maria Suelen Altheman estreie no próximo dia 30. Devido aos recorrentes casos de Covid-19 na Vila Olímpica, confrontos podem ser adiados.
A brasileira chega em alta e com sede de medalha para sua última Olimpíada. Na categoria peso pesado (acima de 78kg), são dois bronzes em Pan-Americanos (Guadalajara 2011 e Toronto 2015) e duas pratas individuais em Campeonatos Mundiais (Rio 2013 e Cheliabinsk 2017). Em 2016, no Rio de Janeiro, ficou na quinta colocação na modalidade. Em tatames japoneses, a judoca desdenha da responsabilidade de medalhar. A caminhada já é suficientemente vencedora.
"É a única conquista que falta pra mim; Sou muito feliz com tudo que conquistei. Não tenho nenhuma frustração caso não ganhe. Não é só a medalha olímpica. Sempre fiz tudo certo. Sempre fiz todo que pude fazer. E o principal: investi em mim, por isso me tornei o que sou agora. Devo tudo isso a minha família, não só o ouro, mas a medalha olímpica. Só falta isso no meu currículo", afirma a judoca.
"Com o tempo a gente vai amadurecendo. Já vivi muita coisa no esporte. Estou com 32 anos, bate outras vontades. Tenho vontade de ser mãe, e o esporte faz você abrir mão de muita coisa. Ser mãe no judô é muito difícil, admiro quem consegue voltar. Quero viver mais com minha família. Não vou parar, claro. Vou iniciar outro processo na minha vida. Ire continuar competindo e fazer essa transição de encerramento de atleta. Estou amadurecendo a ideia de que está chegando ao fim essa história e uma nova está começando", revela.
Maria Suelen chega para a Olimpíada de Tóquio com a autoconfiança nas alturas. Depois de consecutivas derrotas para a rival cubana Idalys Ortiz em finais de mundiais, a amparense de 32 anos conseguiu quebrar o tabu e, ainda por cima, se classificou para os Jogos Olímpicos justamente com triunfo sobre a sul-americana medalhista de bronze em Pequim.
"Acho que a Idalys é uma grande adversaria. Ela me motivou a treinar e estudar adversárias nesse período em que lutamos juntas. Mas acho que ganhar dela foi uma sensação de alma lavada. Quebrei uma barreira. Era uma barreira que tinha comigo também. Entrava para lutar escutando: 'Vai perder pra cubana de novo?' Querendo ou não isso influencia o atleta. No Rio 2016 foi a mesma coisa. Não fui lá pra vencê-la, existem outras adversárias. Essa vitória foi onde carimbei minha vaga olímpica, ou seja, uma espécie de dois em um", brinca aos risos
"Minha autoconfiança aumentou. Sou capaz de ganhar dela de novo. A expectativa também cresceu, mas excesso de confiança nunca é bom", destaca.
Com traços do pai, a atleta ostenta costas largas desde pequena. 'Sempre fui gordinha', ela garante. Acostumada a derrubar homens em treinamentos, ela conta que nem sempre foi assim. O estigma sobre uma suposta fragilidade feminina virou até pauta de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). 'Fiz meu TCC sobre o índice de preconceito que as mulheres sofrem em algumas áreas das artes maciais', afirma.
"Percebemos que existe uma discriminalidade. Eu já passei por isso. Os homens não queriam treinar forte comigo. As meninas que precisam treinar forte sofrem com isso. Na minha categoria, preciso que homens treinem sério comigo. Se não treinarem comigo que nem homem eles apanham de verdade. A menina que está treinando não está ligando pra isso. E é claro que ainda têm homens que olham pra gente com malícia. Muitos ficam xavecando. Nos veem como sexo frágil", conta.
"São vários processos. Sempre fui gordinha, juro. Minhas amigas magrinhas eram escolhidas primeiro. Pesava o que tinha errado comigo. Graças a Deus sempre me aceitei, nunca quis ser magrinha. Fui amadurecendo. O esporte me ajudou muito por não ter nenhum padrão certo. No judô, as meninas não tem um padrão certo de corpo. O esporte me ajudou a conviver com atletas e ver que cada modalidade tem uma especificidade. O esporte me ajudou a me aceitar mais", declara.
Finalmente, Maria Suelen Altheman destrincha os caminhos encontrados para driblar os efeitos da pandemia. Além de mudanças na rotina de treinamentos, ela conta que o mais difícil foi controlar o psicológico e a alimentação balanceada.
"Olha, não foi muito fácil. Fiquei em santos na pandemia, porque era mais fácil para eu ter acesso a tatames. Me fechei com meninos, que me ajudaram e se comprometeram comigo. Nenhum deles pegou Covid. O pai de um deles é presidente de um clube no Guarujá e abriu as portas para treinarmos lá. Tinha academia no clube, então consegui fazer o judô graças a eles", disse a judoca.
"Busquei marcar os treinos no mesmo horário em que treinava antes, para acordar, jantar, fazer tudo no mesmo horário. Independente de quando fosse voltar a rotina ideal de competições, eu não estranhei por estar mantendo a rotina. O mais importante foi trabalhar a cabeça, fiz um trabalho de coaching essencial nesse momento de pandemia. Pensava: 'não sei quando vou competir, então não vou treinar hoje'. A nutricionista também foi importante para eu segurar meu peso. Nesse período a ansiedade bate forte, mas ela me controlou", concluiu.