Ameaças e violência marcam debate da pandemia no Brasil sob Bolsonaro
José Antônio Arantes, editor de jornal e apresentador de rádio, acordou perto das 4h em uma manhã de março e percebeu que tinham colocado fogo em sua casa. Com baldes de água, ele e a esposa apagaram as chamas antes que elas saíssem de controle.
A polícia de Olímpia, cidade do interior de São Paulo, logo descobriu o incendiário: um bombeiro de 55 anos chamado Claudio Assis.
Descrito pelo investigador encarregado do caso como um apoiador "radical" do presidente Jair Bolsonaro, Assis admitiu ter iniciado o incêndio. De acordo com uma cópia escrita de seu depoimento à polícia, ele disse estar revoltado com a campanha pública de Arantes por restrições rígidas para controlar o surto de coronavírus.
No depoimento, Assis disse à polícia que cogitou matar um político não identificado e disse que o incêndio proposital foi "um ato de revolta" contra a imprensa, que "não estaria ajudando no combate à epidemia de Covid-19".
O incêndio na residência de Arantes é um de muitos dramas de cidade pequena emergindo em todo o Brasil, onde o segundo surto mais mortal de coronavírus do mundo agrava uma polarização política profunda antes da eleição presidencial do ano que vem.
Bolsonaro minimiza a gravidade de um surto que já matou mais de meio milhão de pessoas, defende curas milagrosas inúteis e ataca lockdowns por destruírem empregos.
Ele argumenta que, em um país pobre como o Brasil, lockdowns são mais perigosos do que o vírus. Muitos de seus apoiadores já foram às ruas para protestar contra políticas de confinamento domiciliar, máscaras e outras restrições postuladas por especialistas de saúde pública.
Críticos dizem que a atitude de Bolsonaro tem ajudado a transformar vizinhos amistosos em inimigos ferozes e induz ameaças e violência contra aqueles que apoiam ou praticam medidas de contenção.
Arantes disse que Assis foi radicalizado por Bolsonaro.
"Ele sofreu uma lavagem cerebral", disse Arantes em uma entrevista em seu estúdio de transmissão humilde, localizado a poucos metros de onde o fogo surgiu. "E isso está acontecendo no Brasil inteiro."
Em março, um juiz da cidade de Curitiba ordenou uma proibição de protestos públicos depois do surgimento de mensagens de WhatsApp de manifestantes antilockdown que ameaçavam incendiar a prefeitura. Margarida Salomão, prefeita de esquerda de Juiz de Fora, também foi ameaçada fisicamente depois de impor um lockdown de âmbito municipal.
João Doria, governador de São Paulo e rival de Bolsonaro, mudou-se para palácio do governo depois que apoiadores do presidente protestaram diante de sua residência particular, ameaçando sua família.
TENSÕES CRESCENTES
Mesmo antes da pandemia, o Brasil já sofria com a violência política crescente. Um estudo de novembro de 2020 do Tribunal Superior Eleitoral revelou um aumento acentuado de agressões desde 2018, o ano em que Bolsonaro foi eleito, quando 46 candidatos foram vítimas de ataques. No ano passado, 263 foram agredidos.
Um estudo da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também identificou um recorde de 428 ataques contra repórteres em 2020, mais do que o dobro do ano anterior.
"Em pleno ano da pandemia... o Brasil registrou uma explosão de casos de violência contra os jornalistas", disse a entidade no relatório. "Para a Fenaj, o aumento da violência está associado à ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República e ao crescimento do bolsonarismo."
Nas últimas semanas, quando o aumento de casos de coronavírus provocou temores de uma terceira onda e mais lockdowns, Bolsonaro ameaçou usar forças militares, que ele chama de "meu Exército", para impedir ordens de confinamento domiciliar.
É um mau augúrio para a eleição presidencial de 2022, dizem especialistas. Há tempos Bolsonaro faz alegações infundadas de fraude eleitoral, causando o receio de que pode não aceitar o resultado da votação, na qual é quase certo que enfrentará o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Palácio do Planalto não respondeu a um pedido de comentário.
O prefeito de Olímpia, Fernando Cunha, disser ter descoberto que ele é o político não identificado que Assis cogitou assassinar. Cunha disse que Bolsonaro tem responsabilidade por radicalizar pessoas como Assis.
"É um projeto eleitoral de alto risco", disse Cunha. "Eu acho que a gente tem grande chance de ter um processo politico com episódios ruins, fruto dessa radicalização."
((Tradução Redação São Paulo, 5511 56447702)) REUTERS AC