'É a nossa potência, ou aplaudem ou engolem', diz Rebeca após pódio com mulheres pretas
Pela primeira vez, o pódio da ginástica em uma Olimpíada foi composto inteiramente por atletas pretas
O ouro conquistado por Rebeca Andrade no solo da ginástica artística na Olimpíada de 2024 marcou um momento histórico não só para o Brasil, mas também para a representatividade no esporte. Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos, o pódio da ginástica artística foi composto inteiramente por mulheres pretas.
A cobertura dos Jogos de Paris no Terra é um oferecimento de Vale.
A brasileira conquistou o ouro, enquanto as norte-americanas Simone Biles e Jordan Chiles foram prata e bronze, respectivamente. O pódio formado por atletas pretas em uma olimpíada acontece pouco tempo depois de o feito ter se realizado em um Campeonato Mundial da modalidade, em outubro do ano passado.
No Mundial de Antuérpia, na Bélgica, a disputa no individual geral teve até duas personagens que fizeram história também em Paris: Biles ficou em primeiro, com Rebeca em segundo e a norte-americana Shilese Jones em terceiro.
Durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira, 5, Rebeca destacou que repetir o feito do Mundial em uma Olimpíada, onde o mundo inteiro está assistindo, demonstra a força e o potencial dos negros. A atleta também enfatizou a importância que isso tem para incentivar outras pessoas.
"A gente tinha feito isso no Mundial, e poder repetir isso agora em uma Olimpíada, onde o mundo inteiro está vendo a gente é mostrar a potência dos negros, mostrar que, independente das dificuldades, a gente pode, sim, fazer acontecer. Porque ou as pessoas aplaudem, ou elas engolem. E a gente está aqui mostrando que é possível. Eu estou muito orgulhosa. Eu me amo, eu amo a cor da minha pele. Mas também não me fecho só nisso. Eu sei que tem vários outros pontos da Rebeca, tem vários outros pontos da Jordan, da Simone, de várias atletas, não só da ginástica, mas atletas negras. E é poder incentivar e continuar mostrando que talvez seja um pouco mais difícil para você, mas é o teu sonho. Ninguém tem o direito de falar 'não' para você. A gente conseguiu provar isso."
Há pouco mais de 20 anos, o Brasil celebrava o primeiro título mundial na ginástica, conquistado também por uma mulher preta, Daiane dos Santos. E, atualmente, as únicas duas medalhas de ouro do Brasil em Paris-2024 foram conquistadas por mulheres pretas. Rebeca Andrade ganhou o ouro, assim como a judoca Bia Souza.
Como foi a disputa no solo
Em busca do ouro, Rebeca foi ao tablado ao som de sua mistura de End Of Time, da Beyoncé, Movimento da Sanfoninha, da Anitta, e Baile de Favela, do Mc João. A ginasta de 25 anos recebeu 14.166, com dificuldades de 5.900 e execução de 8.266. Após a apresentação, ela foi flagrada bastante emocionada.
Principal concorrente da brasileira, Simone Biles cometeu algumas falhas, incluindo duas pisadas fora do tablado. A norte-americana foi avaliada com 14.133, não passou Rebeca e conquistou a prata. Jordan Chilles, dos Estados Unidos, foi a última a se apresentar, cravou 13.766 pontos e levou o bronze.
Ao subir ao pódio para receber o ouro, Rebeca foi reverenciada pelas norte-americanas em forma de reconhecimento. "Ela é uma rainha e o fato de ser um pódio de mulheres pretas foi muito empolgante pra gente. Jordan olhou pra mim e perguntou: 'Vamos reverenciá-la?'. E eu respondi: 'Claro que sim. Vamos fazer agora?'. E foi por isso que fizemos. É muito animador assistir ela, e todo mundo na plateia estava torcendo por ela. Era a coisa certa a fazer", disse Biles.
A norte-americana não poupou elogios à Rebeca. "Eu amo a Rebeca. Ela é uma pessoa incrível e uma ginasta melhor ainda. Ela me mantém com os pés no chão e me faz querer performar melhor. Ela é muito talentosa, então eu a vejo em uma longa carreira nesse esporte. Estou empolgada para ver qual será a próxima conquista dela, mas, agora, acho que ela vai tirar um tempo pra relaxar, assim como nós todas", afirmou ela.
Maior medalhista do Brasil
Rebeca Andrade não tem mais ninguém ao seu lado na lista de maiores medalhistas da história do Brasil nos Jogos Olímpicos. Agora com seis pódios, ela deixou os velejadores Robert Scheidt e Torben Grael, com cinco medalhas cada, para trás e assumiu o topo da lista.
Apenas em Paris, essa é a quarta medalha da ginasta. Ela já ganhou o bronze na disputa por equipes e a prata tanto no individual geral quanto no salto, ficando atrás de Simone Biles nas duas. Antes, ela já havia conquistado o ouro do salto e a prata do individual geral em Tóquio-2020.
Além de Rebeca, o Brasil tem outro atleta que pode alcançar as seis medalhas. Com quatro medalhas conquistadas nos Jogos do Rio de Janeiro e Tóquio, o canoísta Isaquias Queiroz tem duas categorias para disputar em Paris.
Das estrelinhas na escola para o topo do mundo
Por trás de tantas conquistas, existe uma história de muito esforço pessoal, apoio e superação. No dia 8 de maio de 1999, Rebeca Rodrigues de Andrade chegava ao mundo. Mais precisamente em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Ela é a caçula dos cinco filhos do primeiro casamento de dona Rosa Santos, 53 anos. Na época, a mãe de Rebeca trabalhava como empregada doméstica. Ela criou as crianças sozinha e, em seu segundo casamento, teve outros três filhos.
Nos primeiros anos de vida, Rebeca já dava indícios do que viria pela frente. Certo dia, a irmã de Rosa, Cida, levou Rebeca, com apenas 5 anos, ao ginásio Bonifácio Cardoso para fazer um teste em um projeto social de formação de novos ginastas. Local onde a tia -- por coincidência ou sorte do destino -- havia começado a trabalhar como cozinheira.
De cara, a menina encantou, lembra Mônica Barroso dos Anjos, 51 anos, professora de educação física e a primeira treinadora de Rebeca no ginásio e que ainda trabalha no local. "Tinha uma professora ao meu lado e eu falei: 'Acho que caiu aqui nas nossas mãos uma futura Daiane dos Santos'".
Rebeca recebeu o apelido de "Daianinha de Guarulhos". Mas, segundo a treinadora, essa "comparação" ocorreu somente naquele momento, como uma referência. Naquela época, Daiane do Santos era o principal nome da ginástica brasileira e mundial. Ela foi campeã mundial do solo em 2003, além de ter sido a primeira atleta a realizar um duplo twist carpado (Dos Santos I) e um duplo twist esticado (Dos Santos II) – com isso, os movimentos ganharam o nome da atleta.