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Rayssa Leal comemora troféu Super Crown do SLS, em novembro de 2022  Foto: GettyImages/Buda Mendes

Conto de fadas radical: Rayssa Leal encara o desafio da Olimpíada pela 2ª vez e quer diversão com ‘skate no pé’

Especial Elas no Pódio conta a trajetória da skatista de 16 anos, que faz mistérios sobre manobras escolhidas para a disputa em Paris

Imagem: GettyImages/Buda Mendes
  • Vanessa Ortiz Vanessa Ortiz
  • Marcela Coelho Marcela Coelho
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20 jul 2024 - 05h00
(atualizado às 07h16)

Rayssa Leal nasceu para o skate. Ou será que foi o contrário? Embora o esporte tenha surgido nos Estados Unidos na metade do século passado, parece que foi feito para a menina de sorriso fácil e olhar doce, hoje com 16 anos, que viralizou em 2015 quando apareceu vestida de Sininho, do Peter Pan, mandando um Heelflip, manobra que consiste em dar impulso no shape e uma volta completa do skate fora do chão.

O destino da brasileira mudou no dia 8 de setembro daquele ano, quando uma das maiores lendas do esporte, Tony Hawk, compartilhou o vídeo gravado no dia anterior em uma rua da pequena cidade de Imperatriz, no interior do Maranhão. “I don't know anything about this but I love it: a fairytale heelflip in Brazil by #RayssaLeal (em português, Eu não sei nada sobre isso, mas eu amo: um conto de fadas de heelflip no Brasil)”, escreveu nas redes sociais, fascinado com o desempenho da garotinha até então desconhecida. 

Rayssa Leal e a maior lenda do skate, Tony Hawk
Rayssa Leal e a maior lenda do skate, Tony Hawk
Foto: GettyImages/Boris Streubel

De lá para cá, a Fadinha, como foi apelidada, não parou mais. De cabelo solto, boné ou gorro, calças largas e tênis street, Rayssa conquistou seu próprio ‘conto de fadas’ e o levou para o mundo. Foi prata nos Jogos Olímpicos de 2020, tornou-se campeã mundial pela primeira vez em 2022, no Street League Skateboarding (SLS), e repetiu o feito em 2023. E, hoje, a adolescente inspira milhares de meninas e levará todo o seu talento para Paris em busca de mais uma medalha. 

'Amor à primeira vista'

Rayssa Leal viralizou vestida de fadinha
Rayssa Leal viralizou vestida de fadinha
Foto: Reprodução/Instagram

Rayssa começou a andar de skate aos seis, um ano antes de viralizar. "Foi amor à primeira vista, sabe?", define a skatista. Ela conta que viu alguns amigos do pai, Haroldo Leal, andando e falou que queria um. "Meus pais me deram e pronto! Subi e tô aqui! Aí comecei a acompanhar mais, ver os campeonatos pela TV."

Os pais deram para a pequena o primeiro ‘carrinho’ como um presente, sem grandes expectativas. Mas, logo de cara, perceberam que a filha tinha talento. Talento, que também foi reconhecido mundialmente após o empurrãozinho de Hawk. E, o vidraceiro e operadora de caixa, passaram a dedicar-se integralmente à carreira da filha. 

"Não imaginávamos que iria gerar uma repercussão grande. Quando aconteceu foi um susto", afirmou Lilian Mendes, mãe da atleta. 

Skatista conquistou sua medalha de prata no Jogos Olímpicos de Tóquio 2020
Skatista conquistou sua medalha de prata no Jogos Olímpicos de Tóquio 2020
Foto: GettyImages/Patrick Smith

Foi então que a menininha começou a competir. Primeiro, em campeonatos pequenos. Em 2017, aos nove anos, já não competia mais entre as crianças na categoria geral. Passou a levar 'vida adulta', treinando três horas todos os dias, em meio a rotina de estudos. 

"Lembro da Leticia [Bufoni] competindo no X-GAMES, sempre assisti aos vídeos pelo YouTube. Foi quando eu vi o Shane O'Neill e o skate de rua.... Nossa, o Luan [Oliveira] também sempre foi uma inspiração. O Carlos Ribeiro. Tem uma skatista, que me deu muitas dicas de manobra no início, que sempre me deu muito carinho, que é a Karen Feitosa. Gosto dela demais", afirma a adolescente. 

Trajetória de Rayssa Leal
Trajetória de Rayssa Leal

De Imperatriz para o mundo

Em 2018, os pais de Rayssa contataram Tulio Oliveira, skatista profissional, medalhista do X-Games e 3° lugar no Mundial de Skate, que de cara já viu o potencial da menina. "Desde quando eu vi o nível dela naquela época, já tinha percebido. Eu fui coordenando ali, e mostrando para os pais, quais eram os próximos passos a serem seguidos. Nisso, eu negociei alguns patrocinadores", explica à reportagem direto do escritório de sua casa, na Califórnia. 

Rayssa Leal compete na final do skate feminino durante as classificatórias para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris 2024, em Xangai, em maio de 2024
Rayssa Leal compete na final do skate feminino durante as classificatórias para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris 2024, em Xangai, em maio de 2024
Foto: GettyImages/Lintao Zhang

Na época, a garota de sorriso metálico já estava ganhando a mídia nacional, por mérito próprio e uma mãozinha de quem estava nos bastidores, destaca Oliveira. Rayssa tinha vontade de evoluir e "fome de andar de skate". Engana-se quem pensa que a participação da Rayssa nos Jogos Olímpicos de 2020, realizado em 2021 por causa da pandemia da covid-19, foi do nada. 

O foco começou já em 2019, quando passou a buscar as competições que davam pontos para o circuito da Federação Mundial de Skate (World Skate), importante para ranqueamento olímpico. Na época, a menina tímida e franzina se transformava na pista de skate. Porém, era preciso dar o salto do playground para profissionalização. 

"Só andar bem de skate não leva a lugar nenhum, você precisa entender que tem que ter todo um direcionamento, e entender como funciona o mercado do skate". Foi exatamente isso que Oliveira fez com a brasileira. 

Ele foi quem levou Rayssa pela primeira vez para competir fora do Brasil, na França. Para a surpresa de ninguém, ela ganhou. Depois, ela viajou para a Inglaterra, onde conquistou um terceiro lugar. Ela --que na época tinha 11 anos-- era a menina mais nova do Street League a ter feito um pódio, diz o skatista profissional. "Eu sabia que a gente estava no caminho certo. [...] Ela estava preparada e não teve medo. Foi: 'Tá, vou andar de skate como ando no Brasil’. Lidou com naturalidade", lembra. 

'Era ela'

Leveza e maturidade. Talvez, essas sejam as características que melhor definem a maneira como a eterna Fadinha encarou o começo da carreira. A cada voo com o skate no pé, ela começou a arrancar suspiros do público. "Como pode uma criança conseguir fazer isso?” Esse era um questionamento comum, conforme ela foi explodindo na modalidade.  

A pequena sempre teve confiança. Naquela época, sempre era conversado o que ela queria fazer nas provas, e também o que era preciso ser feito para conseguir realizar as manobras. Logo, a tranquilidade estava presente junto da garota, que, apesar da pouca idade, já era super profissional. 

Rayssa Leal quando conquistou o 1º lugar após vencer as finais femininas do SLS de outubro de 2021
Rayssa Leal quando conquistou o 1º lugar após vencer as finais femininas do SLS de outubro de 2021
Foto: GettyImages/Jamie Squire

No final de cada volta bem executada, Rayssa comemora com uma dancinha, algo muito natural entre as meninas da sua idade, afinal é uma geração formada pelas coreografias do TikTok. E nem espere algum veto da parte do treinador. 

"A gente escutava várias músicas, ela dançava, sempre foi do jeito dela. Nunca ela fez coisas para se aparecer, fazer palhaçada ali, sabe? Ela ia lá, se divertia, era ela", reforça Tulio. 

O mundo foi se abrindo naturalmente. Em 2021, a prata em Tóquio fez dela a medalhista mais jovem da delegação brasileira, aos 13 anos. Foi a estreia da modalidade no programa olímpico, e a pequena de 1,47 m chegou atrás de Pâmela Rosa e Letícia Bufoni nos holofotes. 

A conquista no Japão foi o cartão de visitas de Rayssa para o grande público brasileiro. A pré-adolescente de Imperatriz ganhou uma multidão de fãs em todos os cantos do País, ajudou a mudar a imagem marginalizada do skate, e, de quebra, ainda passou a influenciar vários outros jovens, além de virar uma espécie de heroína para os amigos próximos.  

Conquistas de Rayssa Leal
Conquistas de Rayssa Leal

Não pode parar

Você já parou para pensar que Rayssa ainda está na escola? Pois é, o rosto cobiçado por grifes do mundo todo está no Ensino Médio e precisa conciliar a crescente popularidade e os desafios dentro do skate com os estudos. Quando está em Imperatriz, frequenta a escola Cebama, faz reposição das aulas e atividades que perdeu, mas, quando precisa viajar para alguma competição, faz aulas online. O caderno sempre a acompanha. 

"Eu tenho a sorte e o privilégio de poder viver do skate, que foi o que escolhi para minha  vida. Às vezes, preciso abrir mão de algumas coisas, como ficar bastante tempo longe de casa, mas tenho recompensas do outro lado", afirma. 

Haroldo Leal, Lilian Mendes, Arthur e Rayssa
Haroldo Leal, Lilian Mendes, Arthur e Rayssa
Foto: Reprodução/Instagram/@rayssalealsk8

Sua matéria favorita é Geografia, mas também, pudera, ela viaja o mundo todo. Já foi de uma ponta a outra do Globo, passando por países europeus, asiáticos e todas as Américas. Nas inúmeras viagens, conheceu novas culturas e lidou com novos desafios. O maior deles, talvez, tenha sido o frenesi causado pela medalha olímpica. 

Mesmo com o grande feito, não houve mudança no comportamento do círculo próximo, ela continua sendo apenas a Rayssa de sempre: "Os meus amigos mesmo me tratam como uma pessoa normal e até me ajudam a manter isso, sabe? Torcem muito por mim, sempre. Quando eu viajo para competir, eles me incentivam, falam que estão torcendo muito, que é para eu me dedicar."

O apoio não vem só dos amigos. A família é uma peça-chave na vida de Rayssa. Os pais são "tudo" para ela. Inclusive, ela atribui o sucesso nas pistas à mãe, Lilian Mendes, ao pai, Haroldo, ao amigo e irmão mais velho, Felipe Gustavo, que ela conheceu nas pistas e foi acolhido pela família e hoje também é seu treinador, e ao irmão mais novo, Arthur. 

Somos uma família muito unida! Se pudéssemos, estaríamos juntos em todo campeonato. A gente acreditou no sonho dela e não medimos esforços para conseguir realizar, e sempre foi assim”, destaca a mãe

"Eles sempre me apoiaram e ficaram ao meu lado. Sem meus pais eu não teria conseguido chegar até aqui. E todo mundo participa de uma forma. Mamãe é mãe e ajuda o Felipe na parte de treino e estratégia. Papai é pai e faz o acompanhamento da parte financeira", esclarece a adolescente. 

Em relação ao dinheiro, Rayssa revela que faz mais a linha 'mão de vaca'. Embora seus pais estejam à frente deste setor no momento, ela afirma que vai começar a ter aulas de finanças. "Já, já completo 18 anos e preciso aprender, né? Pensar no futuro."

Treinos e preparação

Skatista tem a própria pista de skate em casa
Skatista tem a própria pista de skate em casa

Desde que foi para a Olimpíada pela primeira vez, com 13 anos, Rayssa passou por várias transformações. Na época, ainda não podia votar nas eleições, media 1,47 metros, e pesava 35 kg. Além de ter crescido de lá para cá, como brincou com a reportagem, adquiriu mais experiência de vida. Agora, é uma adolescente de 16 anos e segue sem poder ter carteira de habilitação no Brasil, por exemplo. 

Para lidar com toda essa evolução, ela faz acompanhamento psicológico, o que ajuda muito com a saúde mental, tanto no dia a dia quanto nas competições. A alimentação também é um processo fundamental na vida de uma atleta. Para Rayssa, não há nada de especial, o básico do prato brasileiro funciona: "Minha dieta é arroz, feijão e ovo! (risos) Difícil de conseguir quando viajo, porque só encontro isso no Brasil."

Já os treinos são realizados onde ela estiver. Se for em Imperatriz, ela pratica suas manobras na pista própria, montada no quintal de sua casa, que, conforme conta, "é um sonho realizado". O local foi um presente, demorou alguns meses para ficar pronto e foi entregue em janeiro de 2023. O "playground" tem toda a estrutura que ela precisa: corrimões, rampas de vert e obstáculos. Lá, os amigos também curtem o espaço. 

Além disso, ela conta com toda uma preparação física diária, enquanto está em casa. "Nas viagens, às vezes, não dá tempo, mas meu fisioterapeuta me acompanha. Ajustamos quando dá. Passei pela fase de crescimento, meu corpo mudou, então preciso ficar atenta agora quando ando de skate, porque muda também. Estou olhando para isso com mais atenção", confessa. 

Por falar em treino, o treinador de Rayssa, Felipe Gustavo, define a função como "incrível". "A gente busca sempre planejar o melhor para nós dois. A amizade e o profissionalismo podem estar juntos e é isso que fazemos", ressalta.

Rayssa Leal competindo na final do street skate feminino no primeiro dia dos Jogos Pan-Americanos de Santiago 2023
Rayssa Leal competindo na final do street skate feminino no primeiro dia dos Jogos Pan-Americanos de Santiago 2023
Foto: GettyImages/Buda Mendes

Admirador da humildade e do carisma de Rayssa, ele está ao lado dela desde que a maranhense começou a andar de skate e sabe como ninguém as manobras que ela é capaz de fazer ou não, o que ajuda muito "na parte da conversa e na diversão".

"A gente se conheceu em uma pista aqui na nossa cidade [Imperatriz]. Eu já andava de skate e ela apareceu na pista, pequenininha, com o skate maior que ela. Desde então, andamos juntos até hoje", recorda aos risos.  

Quando eles estão em Imperatriz, Rayssa treina todos os dias e faz preparação física. Na véspera de competições, eles traçam as estratégias para o grande dia, com foco em manobrar para impressionar e se divertir. Felipe garante que não faz o estilo 'treinador linha dura'. "Não a proibimos de nada, só pedimos para ela não dormir tarde, porque ela tem que estar descansada para competir."

Com uma relação "muito boa", ele afirma que os dois nunca tiveram uma briga séria. A amizade, inclusive, ajuda na hora em que é preciso dar um 'puxãozinho de orelha'. "Eu consigo fazer da melhor forma, tentando mostrar para ela sempre o melhor caminho."

'O ouro vem?'

Rayssa Leal foi a grande campeã da SLS Super Crown 2023
Rayssa Leal foi a grande campeã da SLS Super Crown 2023
Foto: Reprodução/Instagram/@rayssalealsk8

A expectativa por ouvir o Hino Nacional com Rayssa no topo do pódio em Paris é enorme. Porém, para Tatiana Braga, que trabalha diretamente com a skatista, o importante é olhar para o indivíduo e fazer com que os atletas entendam que está tudo bem não pegar pódio em uma competição, ainda mais em casos de maior pressão, como acontece com a Olimpíada. 

"A gente está num momento em que as pessoas perguntam muito para ela se o ouro vem, que é uma pergunta supernatural e, de forma alguma, as pessoas estão fazendo uma pressão. A gente fala muito com ela. Está tudo bem as pessoas perguntarem, é uma curiosidade, mas, no dia da competição, é tanta coisa que influencia, independente de qual é a competição. Por isso que eu não acho justo um atleta ser moldado ou ter mais ou menos suporte por uma decisão na vida dele, ou por um momento que ele teve”, explica a agente. 

Rayssa concorda e acha normal que todos torçam por medalhas, mas descarta pressão. A adolescente tenta sempre lidar com tudo de forma leve, assim como quando está em cima do skate, e sempre enxergar o lado positivo das coisas. 

“Busco sempre dar o meu melhor e me divertir também”, confidencia

Esse jeitinho Rayssa de encarar tudo é reforçado pela mãe. “Acho que o que mais admiramos nela é a felicidade, a leveza que ela leva a vida de skatista”, diz Lilian. 

A mãe ainda destacou que é um “orgulho muito grande” ter uma filha medalhista olímpica. Segundo Lilian, a primeira foi leve e eles estavam felizes só por Rayssa ter conquistado uma vaga e a medalha seria uma consequência – o que já é diferente dos Jogos Olímpicos de Paris. “Não tínhamos uma pressão como estamos sentindo agora, mas nossa expectativa é a mesma, que ela chegue lá com o sorriso no rosto e fazendo o que mais ama.”

A real é que o resultado sempre vem, combinado com leveza da atleta, o talento, o desempenho de emocionar quem a vê rodando com o skate e o jeitinho só dela. Para Paris, o treinador Felipe diz que "a expectativa é sempre boa", mas ressalta que não vê as outras competidoras como adversárias. "A gente ama o skate e independentemente do que acontecer,  vamos procurar nos divertir! O skate vai muito além de um campeonato, vamos torcer uns pelos outros e mostrar o quão lindo é o skate."

"Ficarei muito feliz em poder representar o Brasil mais uma vez. E tenho certeza que será ainda mais especial, pois teremos o público assistindo e torcendo ao vivo", se empolga Rayssa, fazendo referência a disputa sem torcida em Tóquio por causa das restrições da pandemia da covid-19. Quanto às manobras para o circuito, ela faz mistério: "Eu já estou treinando algumas manobras, o resto eu não posso contar", brinca.

Já para o pós-Olimpíadas, a atleta tem planos, e incluem responsabilidades e diversão, claro. "[Quero] terminar a escola, começar a filmar a minha vídeo part e viajar por aí andando de skate com meus amigos! Seja na rua ou em campeonatos."

*Coordenação e edição de Aline Küller

Fonte: Redação Terra
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