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Ginástica Artística - Final da trave feminina - Bercy Arena, Paris, França - 05 de agosto de 2024. Rebeca Andrade do Brasil em ação.  Foto: Reuters/Hannah Mckay

Olimpíada de Paris quebra barreiras e consolida novo status do debate da saúde mental

Especialistas ressaltam a importância da promoção à saúde mental entre atletas, muitos dos quais ainda resistem à preparação psicológica

Imagem: Reuters/Hannah Mckay
  • Aline Küller, de Paris (França) Aline Küller, de Paris (França)
  • Gabriel Gatto Gabriel Gatto
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11 ago 2024 - 15h29
(atualizado às 15h51)

Na edição de Tóquio, em 2021, a ginasta Simone Biles deixou a competição alegando problemas de saúde mental e começou um movimento que teve grande adesão até chegar ao processo de consolidação nos Jogos Olímpicos de Paris. O bem-estar foi assunto de muitas entrevistas nas duas últimas semanas na capital francesa.

A cobertura dos Jogos de Paris no Terra é um oferecimento de Vale.

O COB (Comitê Olímpico Brasileiro) investiu na preparação mental e levou o maior número de profissionais da história para ajudar os atletas brasileiros a melhorar a performance.

Rebeca Andrade é a maior medalhista do Brasil
Rebeca Andrade é a maior medalhista do Brasil
Foto: REUTERS/Hannah Mckay

A delegação contava com um espaço para atendimentos dentro da Vila Olímpica e os atletas ainda podiam solicitar um atendimento ainda mais exclusivo no Château de Saint-Ouen, base do Time Brasil na cidade de Saint-Ouen, nos arredores de Paris. 

Ao todo, o COB contou com quatro profissionais próprios, Aline Wolff, Carla Di Pierro, Carla Ide e Marisa Markunas, além de outros seis especialistas em psicologia esportiva que foram 'emprestados' por outras confederações e não tiveram a identidade divulgada pelo comitê, completando o time de 10 psicólogos. Em Paris, o Time Brasil também teve, pela primeira vez, o apoio de um psiquiatra

Sebastian Pereira, gerente de alto rendimento do COB, ressaltou a importância do trabalho de promoção à saúde mental entre os atletas, muitos dos quais, segundo ele, ainda resistem à preparação psicológica:

 A gente já trabalha no dia a dia para que eles possam se acostumar com a ideia, muitos eram resistentes com a ideia da preparação mental, com a psicologia, com o próprio coach esportivo, que é uma área nova e está sendo cada vez mais entendida.

"Então a gente vem conhecendo, ao longo do processo, cada atleta para poder entender a eficiência de cada profissional. Nesses jogos, foi o maior número de profissionais que nós conseguimos trazer, baseado no histórico que a gente vinha de acompanhamento com cada atleta, com cada equipe”, ressaltou Sebastian. 

O gerente afirma que o trabalho mental pode fazer diferença nos pequenos detalhes que separam um atleta do pódio ou do quarto e quinto lugar. “Vimos várias escaparem por detalhes, temos que estar preparados para poder coletar, não só as 20 medalhas, mas as 11 que faltaram para trazer mais gente”, declarou fazendo referência as modalidades em que o País bateu na trave.

Em mais de uma entrevista Rebeca Andrade, grande destaque da edição de Paris com quatro pódios, elogiou o trabalho da psicóloga Aline Wolff. Em conversa com Galvão Bueno, a terapeuta observava orgulhosa as respostas da ginasta, dizendo que precisava fazer o que lhe fazia feliz e que não devia nada a ninguém quando justificava não realizar mais o solo e, consequentemente, disputar o individual geral.

"As expectativas dos outros são dos outros, não dá para viver uma vida baseada nas expectativas dos outros. Isso é uma coisa que a gente ainda precisa refletir e crescer no esporte. Para a mídia, expectativa que as instituições colocam na medalha e, se o atleta não estiver muito amadurecido e muito bem trabalhado, ele compra essa expectativa. É um processo meu para comigo, não para os outros". afirmou Aline ao Paris É Delas, na última sexta-feira, 9.   

Maior nome da história da maratona aquática, Ana Marcela Cunha surpreendeu ao revelar que há um ano procurou a psicóloga e afirmou que não queria mais nadar porque não estava feliz.

"Acho que é importante a quebra de tabu, de poder falar sobre isso e mostrar que o atleta é ser humano também, que é uma coisa muito importante, porque nós não somos uma máquina que bota um óleo e funciona. A gente precisa de muita coisa, de muita ajuda de muita gente para permanecer no alto rendimento e fazendo o que a gente ama", pontuou Ana Marcela. 

E um ano atrás eu cheguei ao meu limite, acho que se eu não tivesse mudado, se eu não tivesse feito as escolhas que eu fiz, eu não teria ido pra seletiva, eu não teria nem sido quarta ontem. E quando a gente fala sobre parar e chegar ao limite do esporte, é quando a gente não tem mais prazer de fazer o que a gente faz todos os dias.

Ana Marcela ainda reiterou a importância de um apoio de base para sua preparação: "Graças a Deus eu tenho uma equipe, uma família que me apoia muito. Independente da minha decisão, eles me olharam como ser humano, como pessoa, não só como atleta profissional. Isso foi muito importante para eu continuar e ter as escolhas que eu fiz”.

O acompanhamento mental também fez a diferença para Duda, medalha de ouro no vôlei de praia ao lado de Ana Patrícia. Ela contou que sempre sentia o frio na barriga antes de entrar em quadra: “Acho que o importante é você sentir e não tentar afastar. A nossa psicóloga fala, sinta que isso é muito importante. E não tenha medo do que acontecer. Você pode jogar bem, você pode jogar mal. Aproveita esse momento que é um momento único". 

Foto: Alexandre Loureiro/COB

Pentamedalhista olímpico, Isaquias Queiroz também contou com a preparação psicológica para encarar os Jogos de Paris. Além de muito treino, esforço e dedicação durante o ciclo, ele precisou descansar um ano, tirar o pé, senão talvez nem conseguisse chegar na raia do Estádio Náutico Vaires-sur-Marne para conquistar a prata.

"No início do ano, em 2023, fui pra casa, na Bahia, queria parar de remar. Não estava me sentindo bem, não estava feliz. Estava sem vontade", contou após a final do C-1 1000m da canoagem velocidade dos Jogos de Paris, prova em que chegou na segunda colocação.

Vinha nove anos brigando no pódio já. Estava muito sobrecarregado, tanto mentalmente como psicologicamente, muito estresse mental. Não conseguia raciocinar direito. Explodia por qualquer coisa. Falei para a doutora, 'não sei o que está acontecendo, como é que estou, estou descontando no meu filho.' Pedi uma ajuda.

"Comecei a conversar com ela, com o doutor Helio também, do comitê olímpico, tive que fazer tratamento, tomar remédio. Me ajudou bastante", afirmou o canoísta. "Depois fui pra seleção de novo, comecei a treinar e pensei, 'vamos pra Paris ver o que a gente consegue'", e Isaquias conseguiu.

Com a prata, o canoísta fica ao lado de Robert Scheidt e Torben Grael como os únicos brasileiros com cinco medalhas olímpicas, atrás somente de Rebeca Andrade, com seis pódios. 

Jornada da redenção e 'mental de aço'

Dona de sete ouros olímpicos e o maior nome na ginástica artística mundial, a estadunidense Simone Biles assumiu o comando da própria 'jornada de redenção' em Paris, após chocar o mundo do esporte e desistir das finais dos Jogos de Tóquio em prol da própria saúde mental. 

Simone Biles nos Jogos Olímpicos de Paris
Simone Biles nos Jogos Olímpicos de Paris
Foto: Hannah Mckay

Sem dar pistas sobre seu futuro no esporte ao longo do ciclo olímpico de Paris, a ginasta assumiu, como missão pessoal, a tarefa de apagar as lembranças da Olimpíada anterior: “Esta é definitivamente a nossa turnê de redenção. Sinto que todos temos mais para dar. Nossas apresentações em Tóquio não foram as melhores, também não estávamos nas melhores circunstâncias”.

Sob seu comando, os Estados Unidos venceram o ouro da disputa por equipes da ginástica artística. Biles também conquistou o lugar mais alto do pódio no individual geral e na modalidade de salto. 

Após as mais recentes conquistas, o fenômeno reiterou a importância da terapia em seu ciclo olímpico e destacou que a recuperação ainda não é fácil.

Era como se fosse uma ferida mental que os outros não podem ver. Como não podem ver, não podem se relacionar, não tem empatia. Todos esses anos de trabalho mental valeram a pena.

Vítima da disseminação de informações falsas, a boxeadora Imane Khelife se tornou uma das personagens mais emblemáticas na discussão sobre saúde mental ao longo dos Jogos de Paris. Ouro na categoria até 66kg, a lutadora se tornou alvo de ataques de gênero e o lugar mais alto no pódio passou não somente a ser um sonho no esporte, mas a possibilidade de passar uma mensagem: 

Imane Khelif celebra a medalha de ouro em Paris
Imane Khelif celebra a medalha de ouro em Paris
Foto: REUTERS/Peter Cziborra

"Envio uma mensagem a todas as pessoas do mundo para defenderem os princípios olímpicos e a Carta Olímpica, para se absterem de intimidar os atletas, porque isso tem efeitos, efeitos enormes", disse Imane.

As polêmicas em relação a seu gênero aumentaram após combate com Angela Carini, da Itália, no qual a adversária abandonou a luta ainda no primeiro assalto. Ela afirmou, posteriormente, que nunca havia "sofrido golpes tão fortes". Na internet, a situação se somou aos ataques de gênero.

"Isso pode destruir pessoas, pode matar os pensamentos, o espírito e a mente das pessoas. Isso pode dividir as pessoas. E por causa disso, peço-lhes que evitem o bullying", afirmou Imane.

"Estou em contato com minha família dois dias por semana. Espero que eles não tenham sido profundamente afetados", disse ela. "Eles estão preocupados comigo. Se Deus quiser, esta crise culminará numa medalha de ouro, e essa seria a melhor resposta", e a resposta veio. 

"Sou uma mulher forte com poderes especiais. Do ringue, enviei uma mensagem àqueles que estavam contra mim", declarou Imane Khelif na sexta-feira, após conquistar o ouro. "Sou totalmente elegível para participar, sou uma mulher como as outras. Nasci mulher, vivi como mulher e competi como mulher". 

Fonte: Redação Terra
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