Olimpíada de Tóquio 2021 | A surpreendente eliminação de Naomi Osaka, a tenista que quebra barreiras no Japão
A tenista causou uma verdadeira revolução ao levantar questões que geralmente são tabu no país asiático.
A superestrela japonesa Naomi Osaka foi eliminada de forma surpreendente na Olimpíada de Tóquio pela tcheca Marketa Vondrousova.
Osaka, de 23 anos, é a maior ídola esportiva da atualidade no Japão e vem sendo uma das faces dos Jogos em 2021. Foi ela quem teve a honra de acender o caldeirão olímpico na cerimônia de abertura do evento.
Ela é a atual campeã do Aberto dos EUA e do Aberto da Austrália e havia vencido 25 de suas 26 partidas anteriores em quadra dura. Osaka ganhou suas duas primeiras partidas na Olimpíada, mas nesta terça-feira (27/07) ela perdeu por 2 sets a 0 (6-1 e 6-4) para o número 42 do mundo.
"Eu definitivamente sinto que houve muita pressão", disse a número dois do mundo após ser eliminada e perder a chance de conquistar uma medalha nos Jogos em casa. "Acho que talvez seja porque não joguei nas Olimpíadas antes e no primeiro ano foi um pouco demais."
Este foi o primeiro torneio de Osaka depois de se retirar do Aberto da França em junho, quando revelou que havia "sofrido longos períodos de depressão" desde que ganhou seu primeiro título de Grand Slam em 2018.
Preconceitos
Naomi Osaka é uma figura singular no esporte do Japão e mundial, quebrando barreiras com sua personalidade.
Desde cedo, a atleta enfrenta preconceitos. Osaka costuma contar uma história de quando tinha 10 anos de idade e ouviu uma conversa de uma rival japonesa em um torneio mirim na Flórida.
"Ela estava conversando com outra garota japonesa", disse Osaka ao jornal americano The Wall Street Journal. "E elas não sabiam que eu estava ouvindo ou que eu entendia japonês."
"A amiga dela perguntou com quem ela estava jogando", disse Osaka. "E a amiga dela disse, 'Ah, aquela garota negra. Ela não deveria ser japonesa?' E então a garota com quem ela estava falando disse: 'Eu acho que não é'."
Hoje em dia, muita gente sabe exatamente quem é Osaka, filha de mãe japonesa e pai haitiano, criada nos Estados Unidos. Ela é a cara de Tóquio 2021.
Em cada parada de ônibus em Tóquio, a jovem de 23 anos aparece em uma propaganda "cumprimentando" passageiros locais e internacionais. Ela está vestida com uma jaqueta rosa neon sobre roupas esportivas pretas.
O slogan do anúncio é escrito parte em inglês e parte em japonês. É a palavra "new" ("novo"), seguida de um símbolo que pode ser traduzido como "mundo" ou "geração".
E o slogan é preciso. Porque Osaka, que renunciou à cidadania americana em 2019 em favor de sua herança japonesa, está trazendo muito mais do que apenas títulos para sua terra natal. Ela está trazendo mudanças.
'Nós nos sentimos um pouco distantes dela'
Não é preciso voltar à infância de Osaka para encontrar gente que duvida sobre como ela se encaixa na sociedade japonesa.
"Para ser honesta, nós nos sentimos um pouco distantes dela porque ela é tão diferente fisicamente", disse Nao Hibino, atualmente a número três do Japão, enquanto Osaka chegava ao topo do tênis feminino em 2018.
"Ela cresceu em um lugar diferente e não fala muito japonês", acrescentou. "Não é como Kei (Nishikori), que é um jogador japonês puro."
Osaka não é a primeiro atleta de raça mista ou "hafu" a gerar questionamentos assim.
Sachio Kinugasa e Hideki Irabu eram estrelas do beisebol.
Nem eles nem o público japonês estavam interessados em falar sobre seus pais americanos — soldados que ocuparam o país após a Segunda Guerra Mundial — ou a discriminação que enfrentaram.
Osaka é diferente.
"Algumas pessoas mais velhas têm ideias fixas sobre como um atleta japonês deve falar e se comportar em público", explica Hiroaki Wada, repórter do jornal japonês Mainichi. "Naomi não se encaixa nesse molde tradicional. Ela tornou essas questões visíveis por meio de suas palavras e ações no Japão. (...) A questão da raça e identidade é mais discutida na imprensa e nas redes sociais graças a ela, inclusive em suas declarações políticas. Ela é uma figura que desperta pensamentos e reações".
Reclamações contra o racismo
Osaka entrou na bolha dos jogadores do Aberto dos EUA do ano passado com um plano. Ela trouxe sete máscaras faciais diferentes, uma para cada rodada do torneio. Cada uma com o nome de um americano negro que morreu por suposta violência racista ou policial.
Ele usou todos as máscaras, mostrando os nomes de George Floyd, Breonna Taylor e Trayvon Martin para um público global.
Esse é um problema com o qual o Japão, uma das nações com menos diversidade étnica do mundo, ainda luta.
Por exemplo, a emissora pública japonesa NHK se desculpou no ano passado depois que um filme de animação explicando os protestos por justiça racial caricaturou os negros e excluiu algumas das principais razões para o movimento.
E em 2019, a empresa japonesa de macarrão instantâneo Nissin publicou, e depois retirou, um anúncio apresentando uma ilustração de Osaka com pele branca.
É um tema profundamente enraizado em outras gerações. A mãe e o pai de Osaka imigraram para os EUA quando ela tinha 3 anos, sem a aprovação dos avós maternos.
"Acho que o que aconteceu no ano passado foi um processo de aprendizado para os japoneses", diz Robert Whiting, autor de Tokyo Junkie, um livro que detalha seus quase 60 anos morando na cidade.
"Tem havido um debate em programas de TV explicando por que Naomi se sente assim e fala dessa maneira."
"No Japão, a tradição é evitar conflitos e brigas. Não é como nos EUA, onde isso é comum", acrescenta Whiting. "Geralmente, quanto mais famoso, mais quieto você fica. Você não quer polêmica, não quer que isso se reflita em seus companheiros de equipe, sua organização ou patrocinadores."
"O individualismo é algo muito valorizado no Ocidente, mas não no Japão. Aqui, a harmonia é o mais importante", explica.
Longas crises de depressão
Se no ano passado o tema girou em torno da origem de Osaka, este ano foi sobre a sua vida pessoal.
Em maio, depois de dizer inicialmente que não falaria com a imprensa durante o Aberto da França, ela abandonou o torneio e depois Wimbledon, citando problemas de saúde mental e longos surtos de depressão nos três anos anteriores.
As Olimpíadas de Tóquio marcam seu retorno após dois meses.
Ela é a figura japonesa de maior destaque a colocar a questão da saúde mental aos olhos do público. Mas não é a única.
A jogadora internacional de futebol Kumi Yokoyama, de 27 anos, revelou no mês passado que é transexual e que pretende se transformar totalmente em homem assim que se aposentar do esporte.
Ela explicou que jogar nos EUA e na Alemanha revelou para ela a ignorância e o preconceito no Japão.
Em 2020, Hana Kimura, uma lutadora profissional, tirou a própria vida depois de aparecer em Terrace House, um reality show popular.
Na população japonesa em geral, o número de pessoas que relatam problemas de saúde mental dobrou entre 1999 e 2014.
"Tradicionalmente, em nossa nação, quando era criança, há 40 anos, era uma vergonha que você ou um parente seu tivesse um problema de saúde mental", disse o jornalista Hiroaki Wada.
"Em geral, a percepção de fraqueza, provavelmente mais entre os atletas, tem impedido as pessoas de falar."
"Mas as coisas estão mudando. As pessoas estão se tornando mais abertas a admitir que têm problemas de saúde mental e que é algo com que temos que lidar", disse ele.
Osaka e a nova geração japonesa
E Whiting não tem dúvidas de onde essa mudança está vindo.
"Eu acho que Naomi Osaka e outros japoneses de raça mista ainda são 'estrangeiros' até certo ponto", diz ele.
"Mas esta geração de japoneses é muito mais sofisticada do que as gerações anteriores, eles têm uma perspectiva muito mais global com acesso à internet e inúmeros canais de televisão."
"Há um entendimento mais amplo que não existia quando cheguei nos anos 1960 ou 1980 e 1990. O mundo é muito menor agora e o Japão se beneficiou disso."
Um novo mundo. Uma nova geração. Seja como for, Osaka é uma parte importante da mudança.