Quem é Raquel Kochhann, porta-bandeira e 1ª atleta brasileira a disputar Olimpíada após câncer
Atleta de rugby dividirá a honraria com Isaquias Queiroz, da canoagem, à frente da delegação brasileira na abertura dos Jogos de Paris
A atleta Raquel Kochhann, do rugby sevens, foi escolhida para levar a bandeira do Brasil na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris na próxima sexta-feira, 26. Ela dividirá a honraria com Isaquias Queiroz, da canoagem, segundo anúncio do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) desta segunda-feira, 22.
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No anúncio, o COB destacou a história de vida dos atletas: "Sobreviventes, campeões no esporte e vida". Raquel, de 31 anos, passou por um dos ciclos olímpicos mais complicados, após ter se afastado do esporte, em 2022, para tratar de um câncer de mama e de uma lesão no joelho.
Recuperada, ela agora vai pra sua terceira olimpíada: “Ser atleta olímpico é difícil. Essa sensação de estar na frente, levando a bandeira para o mundo inteiro ver numa cerimônia de abertura é algo que não consigo explicar em palavras. A minha ficha ainda não caiu, acho que só quando eu estiver lá para saber o que vou sentir”, disse.
A trajetória de superação de Raquel começou ainda na adolescência, com o interesse pelo esporte já aflorado. A catarinense da pequena Saudades já mostrava, desde os 15 anos, o talento no futsal, quando integrou a equipe do Juventude. Aos 17, foi convocada para a seleção brasileira de futebol sub-17, mas um entorse no pé impossibilitou que ela fosse chamada para os jogos.
Aos 19, quando praticava futsal no time de sua faculdade, a jovem conheceu a modalidade de rugby sevens e rapidamente ganhou espaço, integrando o Serra Rugby, de Caxias do Sul (RS) e se tornando a melhor jogadora do Campeonato Gaúcho.
Desde então, Raquel foi campeã brasileira, bicampeã gaúcha e terceira colocada no mundial universitária. Ela, então, se mudou para São Paulo para integrar a seleção brasileira de rugby sevens, com a qual conquistou a medalha de ouro nos Jogos Sul-Americanos de 2014 e o bronze no Pan-Americano de Toronto, em 2015.
O sucesso a levou para duas olimpíadas, logo na estreia da modalidade nos Jogos do Rio, em 2016. Na ocasião, o Brasil ficou em 9º lugar. Ela ainda voltou aos Jogos de Tóquio 2020, quando a seleção acabou na 11ª colocação. No entanto, o maior desafio da vida de Raquel estava prestes a começar.
Diagnóstico de câncer de mama
Pouco antes da Olimpíada de Tóquio, em 2021, Raquel observou um caroço na mama. Enquanto disputava, passou por consulta com a ginecologista do COB, foi submetida a exames, e estava tudo bem até ali. Menos de um ano depois, em maio de 2022, o caroço havia dobrado de tamanho e, como a temporada estava acabando, optou por adiar a cirurgia.
Em junho seguinte, após romper o ligamento cruzado do joelho, aproveitou a cirurgia para a retirada do caroço. A biópsia, no entanto, apontou a presença de células cancerígenas. Os exames confirmaram, também, que o câncer estava em estágio de metástase no osso do esterno, relatou à coluna Olhar Olímpico.
Ao todo, Raquel foi submetida a seis sessões de quimioterapia no osso do esterno, que fica bem no meio do peito. Também teve a retirada dos dois seios, por precaução, além de passar pela delicada cirurgia no joelho.
"Minha mãe teve câncer de mama, então, por precaução, pelo histórico, a gente optou por fazer a mastectomia bilateral. Eu tinha bastante peito, e uma habilidade muito boa para o tackle. Agora, sem o seio, faz bastante diferença na parte técnica", afirmou Raquel.
Em meio ao tratamento, ela se manteve fiel aos treinos, ainda que em um ritmo bem diferente ao qual estava acostumada. "Fazia a químio na quinta, ficava em casa até domingo, e a partir de segunda já ia para o treino, ao menos para manter a condição física. Meu condicionamento era um minuto caminhando, um minuto parada. Nada que pudesse baixar minha imunidade", afirmou.
A recuperação levou aproximadamente 19 meses até que, em dezembro de 2023, voltou a integrar o time do Charrua Rugby Clube no Campeonato Brasileiro. Ela retornou à seleção, para a terceira etapa da Série Mundial de Rugby Sevens, em janeiro de 2024. Pouco depois, veio a convocação para sua terceira olimpíada.
Inspiração para o rugby
A passagem para a capital francesa coroa o esforço, dedicação e o amor à vida e ao esporte de Raquel, uma das duas únicas atletas a jogar o rugby sevens em três olimpíadas. Além dela, apenas Luiza Campos, capitã das Yaras, como é chamada a seleção brasileira feminina da modalidade, alcançou a marca.
Sua trajetória é reconhecida pelas colegas do meio esportivo. “A Raquel é uma inspiração para o rugby e carrega consigo os valores do nosso esporte: disciplina, respeito, integridade, paixão e solidariedade. Durante a recuperação, a Raquel sempre se apoiou nestes valores, mostrando ser uma representante genuína da modalidade", afirma a CEO da Confederação Brasileira de Rugby, Mariana Miné.
O treinador da seleção, Will Broderick, reiterou a força da atleta durante o tratamento: “Nunca vi nada parecido na minha vida. A Raquel mostrou uma força incrível neste período, vinha treinar todos os dias, mesmo durante o tratamento. E, quando não estava treinando, ajudava a equipe da forma que podia: filmando as atividades, levando água para as companheiras ou motivando a equipe".
Aos 31 anos, Raquel não se imagina jogando sevens, uma modalidade mais dinâmica, até a próxima Olimpíada. Com a expectativa de encerrar um ciclo nos Jogos de Paris, a atleta planeja se dedicar ao XV, formato tradicional do esporte, e ainda pouco difundido no meio feminino da América do Sul.
“No Brasil, a gente trabalha muito para que o rugby cresça e ganhe seu espaço. A gente sabe que a realidade do nosso esporte não é ter uma medalha de ouro numa Olimpíada por enquanto, apesar de termos esse sonho. Mas sempre vi que quem carrega essa bandeira tem uma história incrível, com medalhas de ouro e representa uma grande conquista. Muito obrigada, de verdade, por essa honra. Vou dormir com essa bandeira do meu lado”, disse Raquel ao COB, após o anúncio de que levaria a bandeira.