Time Brasil teve forte redução no orçamento do Bolsa Atleta
Ciclo olímpico de 2017 a 2021 sofre diminuição de 17% e essa foi a primeira queda no auxílio aos competidores em toda a história do programa
O Programa Bolsa Atleta sofreu uma queda de 17% em seu orçamento total durante o ciclo olímpico de 2017 a 2021 em relação ao período anterior. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde a criação do programa federal, em 2005. O ciclo olímpico é período que corresponde aos anos decorridos entre os Jogos. No caso, a redução ocorreu da Olimpíada do Rio-2016 para Tóquio-2020.
De acordo com dados obtidos pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação (LAI) do Ministério da Cidadania, no ciclo olímpico de Tóquio, apesar de ter um ano a mais na contabilização do orçamento em função do adiamento por causa da pandemia, o montante total destinado ao programa foi de R$ 530,4 milhões, contra os R$ 641,1 milhões do ciclo referente ao Jogos do Rio (2013 a 2016).
O ano de 2020 foi o que sofreu maior impacto, com 274 bolsas concedidas - o ano anterior teve 6.651 contemplados.
Desde 2005, o orçamento do Bolsa Atleta crescia de 100% a 200% a cada período de preparação. Mas, em 2014, essa tendência começou a se reverter e, durante o mandato do presidente Michel Temer, o programa passou a dar indícios de que não havia orçamento suficiente para sua manutenção.
Quando assumiu a presidência, Jair Bolsonaro colocou como meta para os seus 100 primeiros dias de governo a modernização do Bolsa Atleta. Em 2019, alocou R$ 140 milhões para o orçamento do programa, R$ 91 milhões a mais de verba que o ano anterior, e incluiu três mil competidores que haviam ficado fora do benefício.
No entanto, para equilibrar as contas, o governo aproveitou o cenário atípico da pandemia e não lançou edital do Bolsa Atleta em 2020. Nem em 2021 ainda. Com isso, novos pretendentes não tiveram acesso ao benefício. A redução está no ciclo olímpico, de acordo com as informações da Secretaria Nacional de Esportes de Alto Rendimento (SNEAR).
Por e-mail, o Ministério da Cidadania disse, porém, que manteve, em 2020, os repasses para 6.357 atletas das categorias Estudantil, Base, Nacional, Internacional e Olímpica/Paralímpica, além de 274 atletas do Bolsa Pódio. "Todos eles, que foram contemplados no edital de 2019, continuaram recebendo de forma regular, mesmo com o adiamento dos Jogos", informou em nota. Não houve explicação à redução.
Programa x medalhas
O Bolsa Atleta é uma das maiores iniciativas do mundo de repasse de verba diretamente a esportistas, sem intermédio de clubes, federações e confederações. Dos 302 atletas que compõem a delegação brasileira em Tóquio, 240 (79%) fazem parte do benefício, segundo a Secretaria Especial de Esportes do Ministério da Cidadania.
Das 35 modalidades olímpicas, em 19 delas 100% dos atletas são bolsistas, como badminton, canoagem slalom, canoagem velocidade, ciclismo BMX, ciclismo Mountain Bike, esgrima, ginástica artística, hipismo de adestramento, levantamento de peso, maratona aquática, pentatlo, remo, saltos ornamentais, surfe, tae kwon do, tênis de mesa, tiro com arco, tiro esportivo e vôlei de praia. Mas não há relação direta entre o investimento no programa e a conquista de medalhas em Jogos, de acordo com as pesquisadoras Mayara Ordonhes e Isabelle Costa, da Universidade Federal do Paraná - elas publicaram um estudo sobre o tema. "O fato de o atletismo receber mais verba do Bolsa Atleta que o golfe, por exemplo, não significa que o Brasil terá mais medalhas no atletismo", diz Costa.
Isso porque o trajeto de um atleta até o pódio olímpico depende de vários fatores, não apenas do aporte financeiro. "Muitas dessas coisas não são mensuráveis, como apoio técnico, nutricional, estrutura para treinos, e até questões emocionais e psicológicas", diz Ordonhes.
A importância do programa, portanto, está atrelada ao fato de o atleta ter recursos mínimos para se manter no esporte. "O Bolsa visa oferecer a condição mínima para o atleta competir, treinar, e ocupar o seu tempo no esporte", diz Fernando Mezzadri, do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva.
Na prática, redução no programa abre espaço para que atletas desistam por dificuldades financeiras. "Quando os atletas atingem os 18, 19 anos, muitos começam a sentir a necessidade de ir para o mercado trabalhar. É aí que a gente perde nossos talentos", defende o medalhista e técnico Abel Curtinove.
Aos 29 anos, o atleta do salto com vara de Blumenau admite que só não desistiu do esporte por causa do Bolsa Atleta. Medalhista internacional e campeão do Troféu Brasil de 2020, Curtinove nunca recebeu patrocínio privado, mesmo com 13 anos de carreira e bons resultados.
Ele ressaltou que, mesmo competindo por grandes clubes, como o Esporte Clube Pinheiros, e recebendo um auxílio, precisava trabalhar ao mesmo tempo. "Ocupei a 58.ª posição no ranking olímpico mundial e não consigo me dedicar 100% ao esporte porque não tenho patrocínio privado, não tenho material", comentou.
Atualmente, Curtinove faz campanha online para conseguir doações para comprar uma vara de salto. "Com a marca de 5,45m, atletas já se classificaram para as Olimpíadas. Eu consegui a marca de 5,42m, mas não tenho recursos para adquirir o material adequado. Vou entrar no meu último ciclo olímpico", disse o atleta, que sonha em disputar os Jogos de Paris-2024.
O programa é dividido em seis categorias de bolsas:
- Atleta de base: R$ 350 mensais para atletas de 14 a 19 anos filiados a federações ou confederações;
- Estudantil: R$ 370 mensais para atletas de 14 a 20 anos participantes de jogo estudantis;
- Nacional: R$925 mensais para atletas que competem em torneios nacionais;
- Internacional: R$ 1.850 mensais para atletas que competem em torneios internacionais;
- Atleta olímpico/paralímpico: R$3.100 para atletas integrantes da delegação brasileira nos últimos Jogos Olímpicos/Paralímpicos;
- Pódio: R$5 a R$15 mil para atletas com chances de medalhas nos Jogos Olímpicos/Paralímpicos. Essa modalidade foi criada em 2013 e tem edital separado, mas o orçamento está dentro do Programa Bolsa Atleta.