Já vi esse filme! Melhor do mundo lamenta falta de estrutura
Campeão mundial e dono do melhor jogador do mundo. Essa definição se encaixaria perfeitamente para o futebol brasileiro. Mas só no longínquo ano de 2002. Depois de 13 anos, essa é, na verdade, a realidade do handebol feminino, um dos esportes mais praticados pelas crianças nas escolas do País e que ganha cada vez mais importância em terras tupiniquins. Apesar de todo esse cenário favorável, a modalidade vê se repetir um roteiro já conhecido por outros esportes olímpicos: a falta de estrutura. Assim como Arthur Zanetti, na ginástica, Gustavo Kuerten, no tênis, e as meninas do futebol feminino, Duda Amorim, eleita melhor do mundo na temporada passada, lamenta a falta de apoio e admite que a realidade para as atletas é sair Brasil.
Ao contrário do que muitos pensam, o inédito título mundial, conquistado em 2013 na Sérvia, não serviu de inspiração para uma melhora significativa na profissionalização do handebol no País. “Antes a gente tinha um pouquinho mais de apoio. Pelo menos na época que eu estava no Brasil, por mais que as coisas eram difíceis, tinha mais equipes, mais competitividade e mais polos. Agora acho que está deixando um pouquinho a desejar. Ainda falta estrutura para os clubes e uma organização maior”, disse Duda em entrevista exclusiva ao Terra.
“Uma equipe de base não tem um campeonato para jogar, fica difícil dar ritmo para essas meninas. Por isso, na realidade, a melhor opção, é sair do Brasil, buscar uma equipe na Europa que já tenha um trabalho de base mais organizado. Dali você já sai para uma equipe de ponta, vai jogar em alto nível. No Brasil ainda não acontece isso”, completou.
Apesar de estar se recuperando de uma lesão no joelho esquerdo, que a fará ser desfalque nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, Duda vive a melhor fase de sua carreira. Além do título mundial com a Seleção Brasileira, conquistou o prêmio individual de jogadora mais valiosa do torneio (MVP), é bicampeã da Liga dos Campeões pelo Györi Audieto KC, da Hungria, e foi eleita a melhor do mundo de 2014.
Além da falta de estrutura no Brasil, Duda comentou sobre repercussão de suas conquistas, como é trabalhar com um técnico estrangeiro na Seleção e analisou as principais competições que viram pela frente: Pan-Americano, Mundial e Jogos Olímpicos.
Confira a entrevista exclusiva do Terra com Duda Amorim:
Momento da carreira
"Está legal. Sempre lutei muito por isso, sempre fui atrás do melhor handebol do mundo. É bom porque hoje em dia estou conseguindo jogar bem. Espero que continue assim, que esse seja só um dos auges da minha carreira. Espero ainda ter muita felicidade com o handebol. É um momento muito bom, estou aproveitando agora que eu estou lesionada, vejo as meninas jogando e isso serve de motivação, dá vontade de jogar, de voltar..."
MVP da Copa do Mundo de 2013
"Eu não esperava o título de MVP (jogadora mais valiosa). A gente sempre vai lá com o foco para o grupo, quer ir para lá para ganhar medalha e esquece um pouco dessa parte individual. Então, quando vem, é muito gostoso, porque acaba também reconhecendo seu trabalho. Sempre fui uma atleta de valorizar muito a defesa e geralmente o pessoal não olha muito isso. Então quando veio esse MVP fiquei muito feliz, porque realmente valorizou todos os sentidos do meu jogo, tanto na defesa quanto no ataque. Foi muito legal. Eu estava nas nuvens quando recebemos o título mundial e logo depois, na coletiva de imprensa, quando veio o papelzinho com meu nome foi maravilhoso."
Melhor do mundo de 2014
"As indicações das cinco atletas são feitas por especialistas: técnicos e pessoal da federação internacional de handebol, ou seja, por quem está no top do handebol. Logo depois vai para voto popular e dos jornalistas. Foi uma campanha legal de pedir voto para todo mundo e acabou acontecendo. Esse MVP do Mundial ajudou, por isso sempre agradeço as meninas por isso, elas também têm parte disso."
Repercussão das conquistas
"Eu nunca imaginei mesmo. Quando eu saí do Brasil tinha só o sonho de ser uma jogadora profissional. Depois que você vai alimentando os sonhos. Foi acontecendo aos poucos. Por exemplo, a homenagem do Corpo de Bombeiros eu nunca imaginei, foi super legal. Aconteceu no Mundial e agora com esse título de melhor do mundo, então duas vezes já na cidade, pessoal está até brincando já está virando rotina. Já falei: “me aguenta que vai ter mais duas vezes pelo menos, no Mundial e Olimpíada”. O Correio também, foi super especial ter um selo, a família toda pedindo, é legal ser homenageada. É um carinho grande, lógico que nunca esperei, mas foi bom que aconteceu."
Crescimento do handebol
"Nós saímos do Brasil para buscar o melhor handebol. Então ver isso se concretizar e se tornar um pouco mais popular no Brasil é uma coisa muito diferente para a gente. Nós não imaginávamos que faríamos tudo isso, ter esse resultado tão expressivo. Então é bom que agora esteja dando um retorno, que o handebol está ficando um pouquinho mais popular. É lógico que nunca vamos chegar ao futebol, sabemos disso, mas tentamos se espelhar um pouquinho no vôlei, já que eles conseguiram esse espaço na mídia, com uma liga muito boa e chegar como eles chegaram."
Handebol no Brasil
"Antes a gente tinha um pouquinho mais de apoio. Pelo menos na época que eu estava no Brasil, por mais que as coisas eram difíceis, tinha mais equipes, tinha mais competitividade e mais polos. Agora acho que está deixando um pouquinho a desejar. Ainda falta estrutura para os clubes, uma organização maior. Uma equipe de base não tem um campeonato para jogar, fica difícil dar ritmo para essas meninas. Por isso, a realidade, a melhor opção, é sair do Brasil, buscar uma equipe na Europa que já tenham um trabalho de base mais organizado. Dali você já sai para uma equipe de ponta, vai jogar em alto nível, no Brasil ainda não acontece isso... Está acontecendo devagar uma melhoria, pouca, mas acho que ainda tem pessoas que lutam pelo nosso esporte. A partir do momento que a gente trazer mais um título, acho que a mídia vai dar um pouco mais de atenção. Isso acontecendo, ou seja, a gente tendo jogos na televisão, os patrocinadores vão ter interesse de entrar nos clubes... Uma coisa depende da outra."
Trabalhar com técnico estrangeiro
"Acho que acontece uma mudança muito grande da mentalidade. Às vezes um esporte não está dando certo porque precisa de uma mudança, e é isso que os estrangeiros trazem. Eles trazem uma nova visão para o esporte, uma dinâmica melhor. Por exemplo, o Morten (Soubak) vem da Dinamarca, um dos países mais tradicionais do handebol, então traz a experiência deles. Acho isso muito positivo, porque o atleta acaba se adaptando melhor em um trabalho novo por ser diferente e motivador. A gente acaba abraçando mais o trabalho da comissão técnica para dar certo. Por isso que acho positivo trazer alguém de fora. A gente tem uma coisa muito boa, um jeito de jogar com o coração, coisas que tem que ser aproveitadas, mas às vezes precisamos de um sangue frio europeu."
Recuperação de lesão
"Está indo bem. Fiquei no Brasil até completar quatro meses de cirurgia e apenas semana passada que eu voltei para Europa, para uma fase que já consigo fazer as coisas mais sozinhas, uma fase muito de fortalecimento, onde fico o dia inteiro na academia. Está indo bem, estou respondendo bem e tendo o suporte que eu preciso. A Marina, que é a fisioterapeuta da Seleção, está cuidando de mim, manda meu programa todo dia. A previsão é para que volte entre junho e julho, que é quando volta a temporada aqui. Esse é meu objetivo, estou trabalhando para isso. Acho que vou conseguir."
Ausência no Pan-Americano de Toronto
"Acharam melhor não jogar. Até lá não sabemos o quanto vai estar 100% ou não, mas é bom não arriscar. Mesmo porque a gente tem um Mundial no final do ano. Então é melhor começar devagar, em julho, com minha equipe, fazer uma parte física separadamente, um treino sim, outro não, jogar primeiro cinco minutos, depois dez... Às vezes, no Pan-Americano, você tem que jogar 60 minutos diretos. É um risco muito grande. Acho que eles não querem correr esse risco e garantir para o Mundial, que é muito mais importante. Claro que todos são importantes, mas o Pan-Americano as meninas conseguem ganhar sem a minha ajuda e no Mundial que precisamos de todas juntas para poder ganhar."
Grupo da Seleção no Pan
"México (pode dar mais trabalho), por ter um estilo mais rapidinho assim. Porto Rico até tem umas meninas que são um pouco mais fortes fisicamente, mas eu acredito muito na Seleção Brasileira. Se jogarmos bem esses times não devem trazer problemas."
Mundial na Dinamarca
"Defender o título mundial vai ser muito difícil. No handebol feminino o nível é muito parelho, dá para colocar umas quatro ou cinco equipes que podem ganhar, mas é lógico que o nosso nome é cotado porque ganhamos o último. Mas tem a Noruega que sempre vem muito forte, Dinamarca e Espanha. Acho que são esses os principais times. Suécia, se estiver em uma boa fase, pode levar também. Esse é o legal do handebol feminino, é bem competitivo. Acho que todas nós estamos bem focadas para repetir o feito, trazer mais uma medalha. E queremos isso, já que é o último campeonato que teremos antes da Olimpíada, que também é um dos nossos focos. Essa Seleção vai "acabar" depois dos Jogos Olímpicos, já que algumas das meninas, as mais experientes, vão parar de jogar. Então esse é o agora, temos que aproveitar. Espero que a gente possa ganhar medalhas nesses próximos campeonatos."
Jogos Olímpicos
"A gente pensa no passo a passo, temos muita coisa ainda pela frente. Acho que vai ser superinteressante jogar no Brasil. Tivemos a experiência de jogar o Mundial em 2011 em São Paulo e adoramos. Até hoje a gente conversa sobre os jogos, tinha muita gente, a gente nunca tinha visto um público tão grande no Brasil para o handebol. Então acho que no Rio vai ser super especial, temos certa ansiedade sim, esperamos dar um bom resultado para esse torcedor que vai vir nos assistir e estamos trabalhando para chegar lá bem."