Romance encoraja a inclusão de garotas no xadrez e repete fenômeno de 'O Gambito da Rainha'
'May The Best Player Win', da cingapurense Kyla Zhao, aborda preconceito contra enxadristas mulheres, que representam apenas 11% de jogadores registrados na Fide
A Federação de Xadrez dos Estados Unidos aponta que mulheres representam apenas 13% dos jogadores do país. O número é ainda menor (11%) entre os ranqueados da Federação Internacional de Xadrez (Fide). Com linguagem infantil, mas abordagem séria, o romance "May The Best Player Win" (Que Vença o Melhor Jogador), de Kyla Zhao, desafia a lógica de predomínio masculino para destacar as mulheres no xadrez, em fenômeno semelhante ao seriado "O Gambito da Rainha", da Netflix.
A obra, que ainda não está disponível em português, tem como protagonista May Li. A garota integra o time de xadrez da sua escola e classifica a equipe para um torneio nacional. A façanha lhe rende o prêmio de melhor jogadora do campeonato regional e até uma manchete na maior revista especializada do país.
Entretanto, colegas e até mesmo seu amigo, Ralph, não ficam satisfeitos com o protagonismo de May - e questionam suas habilidades. Em vez de ceder à pressão, a garota demonstra ousadia e faz uma aposta: irá vencer o torneio interno da escola e, assim, ser escolhida capitã do time no nacional. May, entõa, tem de lidar com a ansiedade e não deixar que isso afete seu desempenho, enquanto questiona se há como se divertir quando se joga para ganhar.
Aos 26 anos, a autora tomou como inspiração suas próprias experiências como jovem jogadora de xadrez. Zhao começou a praticar aos seis anos e chegou a competir durante o período em que esteve na escola. "Parei de jogar por diversão ou prazer. Eu estava realmente jogando apenas para vencer. E, em um certo ponto, eu estava jogando para não perder", admitiu ao Chess.com. "Acho que eu poderia ser considerada um fracasso no mundo do xadrez, porque nunca cheguei tão longe", lamentou.
"Fracasso", contudo, não cabe para definir Kyla Zhao. A jovem, nascida e criada na Cingapura, mudou-se para os Estados Unidos, onde se formou em Estudos de Mídia pela Universidade de Stanford. Hoje Zhao trabalha em uma empresa de tecnologia do Vale do Silício.
É na escrita que Zhao coloca suas crenças e busca desafiar estereótipos de gênero e raça. Seus trabalhos já repercutiram em veículos como NBC, CBS, Vogue e Elle. Quando tinha apenas seu romance de estreia, a autora foi nomeada como um dos nomes da Forbes Under 30 da Ásia, lista que elenca personalidades jovens em diferentes categorias.
Seu primeiro trabalho foi "The Fraud Squad", que narra a jornada de uma mulher da classe trabalhadora de Cingapura na tentativa de ascender socialmente e realizar o sonho de escrever em grande revista. "Acima de tudo, espero defender a representação asiática em minhas obras e escrever histórias divertidas, vibrantes e alegres, nas quais personagens étnicas podem ser as estrelas", conta a autora.
"É crucial aumentar a representação feminina não apenas entre as jogadoras, mas também em funções como treinamento, jornalismo e streaming", acredita. Zhao elenca iniciativas como salas para garotas em torneios escolares. "Criar espaços onde as meninas se sintam vistas e apoiadas ajuda a mudar a percepção de que o xadrez é apenas para homens", complementa.
Uma preocupação de Zhao com seu romance infanto-juvenil era de que detalhes técnicos não fossem fidedignos em relação à realidade do jogo. Isso não foi um problema. "Esse livro é uma virada de chave para leitores de todas as idades, independentemente se você joga xadrez ou não. A obra captura a emoção da competição, o peso das expectativas e a dor dos pessimistas. Do início ao fim, você vai torcer por May", avalia a enxadrista campeã mundial em 2021 e 2023, Carissa Yip.
Apesar de não competir mais, Zhao continua a apreciar o xadrez e recentemente esteve como convidada no Campeonato Mundial, realizado em Cingapura. Seu próximo trabalho está previsto para 2026. A obra irá narrar a rivalidade de duas gangues na década de 1940.