Russos fãs de novelas brasileiras se reúnem na internet
A febre de assistir a capítulos na internet um fenômeno parecido com o que acontece no Brasil em relação a filmes e séries
Viktor Didenko é fã das novelas brasileiras. Sua preferida foi a segunda versão de Mulheres de Areia, sucesso de 1993 que abordava a rivalidade entre duas irmãs gêmeas. Das mais recentes, ele gostou de A vida da gente, história de 2012 sobre um triângulo amoroso e dramas familiares no Sul do País. Ambas são da TV Globo. Quando o Primeiro Canal, principal emissora russa, decidiu interromper a exibição das peças, ele foi buscar uma alternativa na internet e encontrou várias comunidades de russos igualmente apaixonados pela dramaturgia brasileira.
A guia turística Maria Basova adorou O Clone, sucesso de Gloria Perez que discutia a clonagem humana, com a cultura árabe como pano de fundo. "É uma história de amor linda, e as mulheres russas gostam de coisas de amor", justifica. A lista de sucessos brasileiros é longa e inclui Escrava Isaura, Terra Nostra, Laços de Família e também títulos produzidos pela TV Record. "Por aqui, quando chegava a reta final, as ruas ficam vazias. Ninguém saía de casa", narra a empresária Nina Nazarova.
Hoje, a febre de assistir a novelas brasileiras na internet russa é um fenômeno parecido com o que acontece no Brasil em relação a filmes e séries de televisão via streaming. Na Rússia, a moda é ver novela brasileira online. Uma das comunidades tem quase 50 mil seguidores. "As novelas brasileiras são mais realistas que as mexicanas, por exemplo. Personagens não são só más ou boas, mas são mais humanas também. O humanismo é o que eu mais aprecio em arte", diz Didenko.
Além da exibição dos capítulos, o grupo também troca informações sobre atores e atrizes, as trilhas sonoras, bastidores da produção, enfim, é um espaço para os fãs exercitarem sua paixão. Os internautas tomaram a iniciativa de contratar tradutores e dubladores. O pagamento dos profissionais é simbólico.
"Toda a iniciativa de tradução pertence aos seguidores. Nós não exigimos nada em troca, mas muitos nos agradecem e ajudam a pagar pelo trabalho de tradutores e atores. É uma comunidade que reúne as pessoas pelo mesmo interesse: as novelas do Brasil", diz o advogado Ilia Romanov, um dos tradutores.
Cada capítulo leva em média oito horas para ser traduzido para o russo. As gírias e expressões mais coloquiais são resolvidas com a ajuda dos amigos brasileiros. Atores amadores e profissionais fazem a dublagem. "Não é apenas a atividade da tradução. Eu me envolvo com as histórias e as personagens. Gosto muito do que eu faço", conta Romanov.
Ele é apaixonado pela cultura brasileira, e as novelas foram uma espécie de ritual de iniciação. O advogado de 26 anos se lembra de ver, ainda criança, tramas como Por Amor e Terra Nostra. Depois de adulto, decidiu aprender a língua portuguesa e pretende viajar ao Brasil pela primeira vez no ano que vem. Quer conhecer Foz do Iguaçu (PR), a Amazônia (AM) e todo o Nordeste brasileiro. O Rio de Janeiro também está na sua lista, assim com na relação de dez entre dez russos que gostam das novelas.
Há décadas, o Rio de Janeiro ocupa o imaginário russo a partir das produções visuais. Em 1928, os autores soviéticos Ilf e Petrov lançaram a obra literária As doze cadeiras, que trazia Ostap Bender como personagem principal. Popularizada com os filmes O Novilho Dourado (1968) e Banzé na Rússia (1970), o protagonista tem um sonho: mudar-se para o Rio de Janeiro, "a cidade dos sonhos". Ostap Bender fez tanto sucesso que ganhou um monumento em São Petersburgo.
"Todo mundo o conhece, mesmo aqueles que não assistiram ao filme. É um personagem que sonha em morar no Brasil e andar de calças brancas pela praia de Copacabana", conta Nina Nazarova.
A audiência das novelas cai bastante no verão russo, época em que todo mundo sai de casa para aproveitar o sol e ter contato com a natureza. Nos meses mais frios, o passatempo preferido volta a ser os sites com os dramas brasileiros. "A essência das séries é ação, dinâmica e resultado. A novela é um processo. Para mim, uma boa novela não é necessariamente ágil, mas aquela que me prende com personagens interessantes, com diálogos profundos que me fazem assistir a elas todos os dias por quase um ano", diz Viktor.