Seduzido pelo Catar, Nenê quer voltar e vê dívida com Santos
Nenê fala, abertamente, em ter sido seduzido pelos petrodólares do Catar. A opção surpreendente de não seguir no Paris Saint-Germain, da França, ou aceitar uma proposta do Santos há quase dois anos, em dezembro de 2012, foi motivada, exclusivamente, pela provável última grande oportunidade financeira da carreira. Aos 33 anos, após 11 deles atuando fora do país, o atacante disse ao Terra que acredita ter se precipitado na decisão e tem como uma das ideias voltar ao Brasil no meio do próximo ano com uma "dívida" específica com o Santos, a quem promete priorizar no provável retorno.
"Era mais rentável, por isso tomei a decisão. Sou um cara claro e sempre temos que manter as coisas assim. Não posso ser hipócrita de negar, foi, sim, muito mais rentável, mesmo comparando a um clube como o Paris Saint-Germain. Foi algo que me deixou bem satisfeito", disse Nenê.
O jogador reluta sobre a palavra "precipitada" para a decisão tomada em meio a seis meses para o término do contrato e a proposta de retorno ao Santos, com quem estendeu longa novela de negociações para, no fim, anunciar a ida ao Al Gharafa.
"Não sei se o termo certo é esse, mas, pelo carinho e respeito que sempre demonstraram, por terem buscado a minha contratação, sei que devo priorizar o Santos. Se eu voltar para o Brasil, vou priorizá-los, só precisa ver se ainda me querem", explicou.
O camisa 10 quer voltar a disputar um campeonato competitivo. Se diz satisfeito com os meses que viveu em Doha, mas ainda ambiciona voltar a jogar em uma competição de alto nível na Europa ou no próprio Brasil.
"A minha ideia é de retornar a disputar um campeonato importante, na Europa ou no Brasil. Não sei se aceitaria uma renovação aqui, podem tentar me convencer, então não fecho a porta para nada. Tem uma chance de renovar, mas é pouca", assegurou.
Revelado pelo Paulista, Nenê apareceu para o cenário nacional em 2002, como um dos poucos destaques do Palmeiras, rebaixado à Série B, mas ficou pouco no País. No ano seguinte, foi para o Santos, onde chegou à final da Copa Libertadores, perdida para o Boca Juniors, da Argentina, e já se transferiu para o futebol espanhol. Na Espanha, atuou por Mallorca, Alavés, Celta de Vigo e Espanyol, até chegar à França, onde viveu o seu ápice por Monaco e PSG.
O meio-campista tem contrato com o seu atual time até o próximo 30 de junho. A volta ao Brasil tem ainda a motivação de aproximação dos filhos, que moram em Jundiaí. Nenê pode, enfim, estar próximo de voltar em 2015.
Veja, na íntegra, a entrevista exclusiva com Nenê, ex-Palmeiras, Santos e PSG:
Terra: como estão as coisas nesses quase dois anos no Catar?
Nenê:
no começo foi difícil me acostumar, tudo é diferente. A relação com a torcida, o ambiente do estádio, a pressão, que é muito menor, e, principalmente, o nível, pois os times podem ter só quatro profissionais estrangeiros. Os jogadores locais são do mesmo nível, pois muitos deles são amadores. Mas depois desse tempo (quase dois anos) estou bem tranquilo, está para terminar o meu contrato agora, no fim da temporada (no meio de 2015). Sinceramente? Pensei que fosse ser mais sofrido, acabou passando de uma maneira boa. Aqui eu e a minha família temos uma vida tranquila, não viajamos muito, jogamos mais em Doha. Ano passado, quando estávamos jogando a Liga dos Campeões da Ásia, viajávamos mais, mas esse ano foi bem tranquilo.
Terra: então já conseguiu se acostumar com a diferença de nível após dez anos na Europa?
Nenê: fui para Paris recentemente, para comentar um jogo contra o Monaco, pois atuei nos dois clubes, e me deu uma saudade enorme. Tem o lado esportivo, que é totalmente diferente, e isso me faz falta. Não vou mentir, é uma parte qua não fica completa. Estamos bem aqui, financeiramente é muito bom até pela minha idade, mas não é a mesma competitividade. O nível ainda deixa a desejar. Eles estão melhorando muito, se estruturando nas categorias de base, que sempre foi o grande problema. Os jogadores da base não tinham estrutura e, pela Copa do Mundo (de 2022), estão contratando treinadores de fora e olhando para isso, para dar base aos meninos. É diferente de no Brasil, que chegamos ao profissional com 17 ao 18 anos precisando nos detacar, já apresentando um bom nível. Vejo isso como uma forma de forçar a própria seleção deles a disputar bem a Copa.
Terra: você consegue entender hoje por que saiu do PSG? Me lembro, na ocasião, que era um dos artilheiros da equipe, titular. Se arrepende de alguma coisa?
Nenê: o principal motivo foi a política de contratações, queriam trazer jogadores novos (contratados). A única parte é que deveriam ter respeitado mais os que já estavam lá, se destacando. Levamos o clube de volta à Liga dos Campeões, mas também faltou paciência minha. Poderia ficar lá, tranquilo, e até hoje recebo mensagens de vários torcedores que têm um carinho enorme por mim. Quando fui, me questionaram sobre isso em uma entrevista, dizendo que até hoje não acharam um canhoto para fazer o mesmo trabalho que eu executava. Então dá uma expectativa, mas futebol é tudo rápido e precisamos tomar decisões. Foi um pouco da política, pela falta do valor devido aos que estavam lá, cito, também, o Sakho (zagueiro que saiu para o Liverpool), mas a minha paciência pesou. Eu queria jogar todos os jogos, o tempo todo, sou um cara assim. Fui precipitado, sim, mas fazer o quê? São coisas que vamos aprendendo, também.
Terra: então, mesmo atuando na Europa, foi o lado financeiro que te seduziu? Ou só igualaram aquilo que você já recebia?
Nenê: era mais rentável, por isso tomei a decisão. Sou um cara claro e sempre temos que manter as coisas assim. Não posso ser hipócrita de negar, foi, sim, muito mais rentável mesmo comparando a um clube como o Paris Saint-Germain. Foi algo que me deixou bem satisfeito.
Terra: você falou do contrato no fim. Pensa que chegou a hora de voltar ao Brasil?
Nenê: passa muita coisa pela minha cabeça. Quase acertei com o Santos há dois anos, antes de vir. Essa vontade de voltar eu sempre tenho, mas também tive propostas de clubes da Europa. A minha ideia é de retornar a disputar um campeonato importante, na Europa ou no Brasil. Não sei se aceitaria uma renovação aqui, podem tentar me convencer, então não fecho a porta para nada. Tem uma chance de renovar, acho que é pouca, pois a minha vontade maior é de voltar para o Brasil ou a Europa.
Terra: a sua família pede o que após tanto tempo fora? E pela sua quase volta ao Santos, em 2012, acha que ficou uma dívida moral com o clube?
Nenê: moro com a minha esposa aqui e ela diz que o que eu decidir estará bom. A única questão são os meus filhos, que moram em Jundiaí, e quero estar perto deles. Mas também estou me sacrificando aqui por eles, para dar uma tranquilidade maior no futuro. Se eu ficar, são mais dois anos, no máximo. Acho que sim (há uma dívida). Não sei se o termo certo é esse, mas, pelo carinho e respeito que sempre demonstraram, por terem buscado a minha contratação, sei que devo priorizar o Santos. Se eu voltar para o Brasil, vou priorizá-los, só precisa ver se ainda me querem.
Terra: se você voltar teria a chance de reeditar a parceria com o Robinho, como foi em 2003. Pensa nessa hipótese, também?
Nenê: muito, seria excelente. Quando cheguei ele estava no auge, começando a despontar, e tive a oportunidade de jogar com ele naquele Santos. Seria muito bom reeditar, creio que a nossa experiência ajudaria muito a juventude do clube, onde despontam muitos craques. Ficaria muito feliz de voltar. Foi um amigo que ganhei no futebol, então quem sabe. Para começar, voltando para o Brasil vou convidar ele para o meu jogo (em Jundiaí, no dia 22 de dezembro, no Estádio Jayme Cintra).
Terra: o seu período no Catar foi iniciado com o Zico. Como foi a convivência? O quanto ele te ajudou no processo?
Nenê: é uma pessoa bondosa, simples, que tem prazer em passar todo o conhecimento dele. Aprendi muito com ele, principalmente com relação a tranquilidade. Porque temos o problema de achar que as pessoas têm a mesma visão que nós, as mesmas reações. Entendi isso, que aqui, muitas vezes, o cara não faz uma tabela não porque é fominha ou por que quer te prejudicar. É aquilo que falei, da falta de um trabalho mais forte na base. Ele (Zico) trabalhou muito nesses lados, então compreende bem.
Terra: e a sua trajetória aí foi iniciada por uma briga com um marroquino. Foi a única em sua carreira? Se arrepende muito ainda?
Nenê: sempre tem um dia em que podemos não estar bem. Tinha acabado de voltar do Brasil após ver os meus filhos, estava triste porque queria mais tempo, e ainda fui direto para o jogo, cansado da viagem. Desde o momento em que pisei em campo os adversários começaram a provocar e usar de deslealdade, querendo me tirar do jogo. Era uma semifinal de Copa, aí em uma disputa de bola levei o segundo cartão amarelo, já havia levado o primeiro por reclamação das entradas desleais, e fui expulso. Depois disso, ainda ficaram me cutucando, já tinham me tirado do sério, então perdi a razão e tive aquele ato lamentável, que gerou uma briga generalizada. Me arrependi na mesma hora, só tentei sair de campo após aquilo. Ainda me deram uma suspensão alta, até para usar de exemplo. Foram oito jogos que me pesaram mais do que qualquer punição financeira.
Terra: e as situações curiosas? Os brasileiros que jogam aí costumam acumular uma série de situações assim.
Nenê: aqui em Doha é tudo mais leve comparado à Arábia. Mas, por exemplo, vivi situações curiosas. Estava no meio do treino, em uma arrancada, e quando fui chutar vi o preparador de goleiros no gol. Depois fui saber que o goleiro saiu para orar no meio do treino. Deu o horário e eles param tudo mesmo para isso. Fora as roupas. Uma vez tentei usar, mas não deu certo, todos riram. Fui a um mercado tradicional e todos ficaram olhando para nós, sabiam que éramos estrangeiros, até me reconheceram, vieram falar comigo.
Terra: com relação às premiações generosas dos sheiks? Recebeu algum carro ou algo assim?
Nenê: carro, não ganhei. Na verdade, ganhei quando cheguei, já pelo contrato. Pude escolher um carro que a minha esposa queria e eles deram. Não é nosso, mas o clube nos deu enquanto eu ficar aqui. Vou devolver bem usado (risos). Mas ganhei, sim, algumas coisas, relógios de 30 mil euros, algumas joias, mas parecem que mudaram. Essa mania de carros e coisas de alto luxo não são mais como antes. Uma pena que foi antes da minha época.
Terra: na Europa, o Ibrahimovic foi o mais espetacular com quem atuou? Ainda lamenta muito o vice-campeonato na temporada em que terminou como artilheiro?
Nenê: o cara que mais me impressionou, claro que o Ibrahimovic é fantástico, mas quem mais me chamou atenção mesmo foi o Thiago Silva. Ele é completo. Tem velocidade, qualidade com a bola nos pés, bom passe, cabeceio, marcação impecável e ainda joga limpo. Tem vários outros nomes, mas ele é completíssimo. Na verdade, também sou campeão pelo Paris, pois disputei metade da temporada do título. Claro que gostaria que fosse o do ano anterior, afinal fui artilheiro do campeonato ao lado do Giroud (então no Montpellier, atualmente no Arsenal), mas faltou regularidade no fim, acho que relaxamos demais, então fazer o quê. Fiquei chateado, era o meu ano, mas em termos de currículo, tenho um título.