Ex-joia do São Paulo dá volta por cima após quase desistir do futebol por lesão: ‘Aprendi a viver dentro e fora de campo’
Walce participou de oito jogos na campanha do Retrô à final do Campeonato Pernambucano, contra o Sport
Walce, zagueiro revelado pelo São Paulo, superou uma grave lesão que quase o fez desistir do futebol e atualmente joga pelo Retrô, finalista do Campeonato Pernambucano.
“Estou completamente zerado. Não tem mais nada que me incomode ou atrapalhe”. A frase mostra que Walce deixou no passado a lesão que o afastou dos gramados por quase três temporadas e o fez pensar em desistir do futebol. Uma das principais joias do São Paulo na década, o zagueiro sofreu ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo em jogo-treino da Seleção Pré-Olímpica, em 2020, e viu o começo de sua carreira virar um pesadelo. Agora, o atleta de 26 anos tira lições do problema e reencontra a alegria em jogar bola com a camisa do Retrô, finalista do Campeonato Pernambucano.
Em 2025, o camisa 15 atuou em oito partidas e marcou um gol, justamente contra o Sport, adversário da decisão. O número já representa um recorde para a carreira do jogador nascido em Cuiabá (MT). Até então, ele havia atuado as mesmas oito vezes --com menos minutos-- pelo Juventude, seis pelo Santo André e cinco com a camisa do São Paulo, onde foi revelado.
A volta por cima, porém, não significa que Walce esqueceu da lesão sofrida no dia 12 de janeiro de 2020. Mas, sim, que o pensamento nas dores deu lugar às lembranças da superação que enfrentou.
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“Eu carrego as marcas, mas hoje é algo que só me fortaleceu durante a caminhada. Não é algo mais que me assusta ou me amedronta, pelo contrário, é algo que me motiva a estar indo trabalhar todos os dias, treinar forte e poder participar das partidas aqui”, conta ao Terra.
Essas marcas também serviram para o tornar um jogador mais maduro além das quatro linhas, principalmente no dia a dia de um clube de futebol: “Aprendi a viver dentro de campo e aprendi a viver fora de campo. Então, em ambas as partes, hoje eu sei contribuir para que o grupo consiga crescer todo mundo junto.”
Sem dores, o defensor se orgulha das poucas idas às sessões de fisioterapia nesta nova fase da carreira. Desde que chegou ao Retrô em janeiro, ele conta que procurou assistência apenas uma vez, mas para uma dor que não tem relação com o joelho.
Mesmo que hoje esteja tudo bem, Walce confessa que sofreu no início da volta aos gramados com o receio de chegar mais forte em algumas divididas. No entanto, o passar do tempo mostrou ao atleta que esse medo era causado pelo aspecto mental, e não físico.
“Hoje eu não tenho receio nenhum de chegar e tentar fazer uma antecipação forte de um atacante, de dar um carrinho, de saltar e dividir a bola no ar. Fiz alguns estudos e percebi que esse receio é controlado pelo mental. Eu só tento fazer um jogo mais inteligente. Saber a hora certa de dar o bote, de dar o carrinho, porque às vezes você fala que tem que chegar dando o carrinho naquela bola, o cara dá um tapinha e você acerta o cara, e é expulso. Então, eu sempre tento calcular um pouco mais as minhas ações para não errar o timing”, explica o camisa 15 do Retrô.
Lesão e três anos longe dos gramados
O pesadelo de Walce começou em jogo-treino contra o Boavista na preparação da Seleção Brasileira para o Pré-Olímpico. Na época, o então jogador do São Paulo caiu no gramado naquela que seria só sua primeira lesão mais séria na carreira.
Ainda na Granja Comary, passou por exames e teve a ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo constatada. Quatro dias depois, em 16 de janeiro, já em São Paulo, o zagueiro passou pela cirurgia para a correção da ruptura.
Cerca de 10 meses depois, em 14 de outubro do mesmo ano, quando tudo parecia caminhar para sua volta aos gramados, mais um baque, o pior deles: exames constataram instabilidade articular no joelho. Walce precisou voltar para a mesa de cirurgia.
Neste momento, o promissor zagueiro do São Paulo pensou em abandonar a carreira. Toda a trajetória que já havia trilhado nas categorias de base de São Paulo e da Seleção brasileira junto à fé, contudo, o fizeram mudar de ideia.
“Quando eu passei pela segunda cirurgia, já tinha vivido nove meses do primeiro processo e tinha sido a pior dor física que senti na minha vida. Quando percebi que ia ter que refazer tudo de novo, foi o maior banho de água fria. Eu não esperava. Estava esperando voltar a jogar, com nove meses para dez, a sensação de que estou perto, vou voltar de novo. Acabei descobrindo que ia ter que refazer [a cirurgia]. Nesse momento, o banho de água fria foi muito gelado. Acabei chutando o balde, falando que não queria mais. Tem algo me dizendo que o futebol não é mais para mim, porque não é normal isso daqui que eu estou passando. Normal seria eu ter vivido os nove meses, dez meses, recuperado e seguido em frente”, conta à reportagem.
Para o jogador, inclusive, a desistência teria sido uma opção para muitos em situação parecida: “Eu poderia falar que ia parar de jogar e que ia processar o São Paulo, como qualquer outro atleta, acho que, no meu lugar, faria. Eu poderia falar ‘não aguento mais’, como eu fiz em algum momento da recuperação. Mas eu decidi comigo mesmo que eu venceria para que minha história pudesse de alguma maneira ajudar outros atletas que passam por lesões e muitas vezes acabam abandonando aquilo que sempre sonhou, porque não teve um suporte ou talvez não teve o principal, que é o mental.”
Passados os piores momentos da segunda cirurgia, Walce voltou a se reencontrar com o pesadelo das lesões em junho de 2021, novamente em um dia 12. Desta vez, uma insuficiência no enxerto foi notada, e o atleta foi pela terceira vez para a mesa de cirurgia.
Neste momento, o zagueiro decidiu que mudaria algumas pequenas coisas na recuperação. Passou a realizar de duas a três sessões de tratamento ao longo do dia. Tudo isso com a ajuda do irmão fisioterapeuta em casa, e a soma de novos profissionais ao trabalho.
Recuperação e falta de oportunidades
Mudanças feitas, o defensor prosseguiu com o tratamento até voltar a ter condições de jogo. Quando isso aconteceu, no início de 2023, três anos após a primeira lesão, o São Paulo o emprestou ao Juventude na esperança de o atleta ter mais oportunidades.
De fato, isso aconteceu e, entre jogos como titular e reserva, Walce disputou oito partidas e marcou um gol nas campanhas da equipe no Campeonato Gaúcho e Copa do Brasil.
Mais uma vez, porém, as dores voltaram a assombrar. Walce acabou devolvido para o São Paulo. No time do Morumbi, ele passou meses em trabalho de fisioterapia até ser relacionado em setembro de 2023. Apesar de acompanhar a delegação em alguns jogos, o zagueiro não recebeu as chances que pensava merecer.
“Eu acreditava, sim, que eles poderiam ter me dado alguma oportunidade de provar que eu estava bem, mas foi uma escolha do clube. Depois de tanto tempo, eu fiquei três anos na fisioterapia sem conseguir participar dos jogos, fui emprestado ao Juventude, depois voltei, e durante esses três anos, eu fiz a minha parte, mas, infelizmente, sofri com coisas que eu não tinha o controle, que não foram culpa minha”, desabafa.
Com o fim do vínculo com o clube que o revelou, a ex-joia do Tricolor assinou contrato com o Santo André para a disputa do Campeonato Paulista de 2024. Na equipe do ABC Paulista, entrou em campo em sete partidas e permaneceu até o fim do Estadual.
Recomeço no Retrô
Após passar metade do ano passado apenas treinando, Walce encontrou a confiança necessária em conversa com a diretoria do Retrô, atual campeão da Série D e finalista do Campeonato Pernambucano pela terceira vez em sua história, iniciada em 2019 no futebol profissional.
“O que pesou foi o cuidado que eles garantiram comigo. Sabiam de todo o processo que eu vivia. Eles numa conversa, na qual o cuidado, aquilo que é ser prezado, o tempo: ‘A gente não tem pressa de você precisa chegar aqui, fazer acontecer, não. Vem no seu tempo, as coisas vão acontecendo’. No dia a dia, eu fui provando, me adaptando ao trabalho, e isso fez com que eu pudesse ter as oportunidades, que eles tivessem a confiança para me colocar para jogar. E aconteceu bem naturalmente, como é na vida de qualquer outro atleta que está buscando o seu espaço. E o Retrô é um lugar na qual me sinto grato por estar aqui, porque abriu as portas para mim, acreditaram no meu potencial”, explica.
Com a camisa do clube, o zagueiro esteve em campo por 669 minutos ao longo de oito dos 12 jogos da campanha finalista do Campeonato Pernambucano, e marcou em cobrança de falta contra o Sport. Ele também ficou no banco nos dois jogos do Retrô na Copa do Brasil.
Agora, Walce quer seguir entrando em campo para fazer história com a camisa do Retrô. O clube de Camaragibe disputa neste sábado, 22, o jogo de ida da final contra o Sport. A volta ainda não tem data confirmada.