A experiência de um jogo em um legítimo "estádio maconheiro"
No Uruguai, a maconha é liberada. E mesmo que no Brasil muitos fumem no estádio, é estranho quando alguém acende o baseado ao lado da PM
Não sejamos hipócritas. Quem já frequentou estádio pelos rincões do Brasil sabe bem: ainda que estejamos longe do pensamento vanguardista de nações que descriminalizaram ou mesmo legalizaram o uso da maconha, é mais do que normal sentir o cheiro da "erva danada" quando se vai a uma partida de futebol no País. Quantas e quantas vezes você, torcedor, pulando e incentivando o seu time, não sentiu que no meio daquele bafo caloroso não vinha, na base do tudo junto e misturado, um vapor de tetrahidrocanabinol?
A grande diferença é que tudo é feito "mocosado", como se diz em São Paulo, ou "dichavado" no Rio de Janeiro, só para citar dois exemplos. Ainda mais que agora a moda no Brasil é ter estádio de Copa do Mundo, cheio de regras de (pseudo) comportamento "padrão Fifa", com preços caros, com gente cada vez mais "coxinha" nas arquibancadas, enfim, a discussão nem é essa. O fato é que, se um policial militar sentir o cheiro, olhar para o torcedor e vê-lo com um baseado na mão, é bem capaz de dar m...
Daí a estranheza não pelo cheiro, mas pelo comportamento da torcida no Uruguai. O Terra esteve in loco para a cobertura de Danubio 1 x 2 São Paulo, no Estádio Luis Franzini, na noite da última quarta-feira. Passando por toda a arquibancada da acanhada arena para 14 mil pessoas, foi cena mais do que comum os torcedores fumando calmamente o seu baseado...ao lado de policiais militares. Faltou só perguntar se os PMs uruguaios queriam "um pega".
No Uruguai do Partido Frente Ampla do ex-presidente José Mujica e do atual Tabaré Vazquez, é permitido fumar maconha. É permitido ao cidadão local cultivar até seis pés de maconha em sua casa para consumo próprio. É permitido ao uruguaio fumar "unzinho" ao lado de quem quer que seja, sem ser reprimido. Seja num parque, seja num estádio de futebol, ninguém te incomoda – desde que não seja em ambiente fechado. Ah, bom.
"Te incomodo se tiro uma foto?", resolvi perguntar para um torcedor do Danubio, que enrolava o seu baseado na maior paz do mundo no intervalo do jogo. "Não tem problema nenhum, pode vir, vamos conversar", logo disse o simpático estudante Diego Pazos, 23 anos.
Enquanto desbelotava a erva e já a colocava na seda para enrolar e fumar o cigarro de cannabis, ele explicou que nos estádios uruguaios "sempre foi normal você fumar maconha, acho que como em vários países", mas que antes da legalização, "não era algo tão comum, que você fazia bem ao lado de um policial, por exemplo, sem que ele te incomode com isso".
Fiquei pensando com os meus botões: se todos os fumantes resolvem acender um baseado ao mesmo tempo, diante da proximidade que um estádio tão acanhado como esse proporciona a jogador e torcedor, os atletas não iriam ficar "doidões por tabela", dependendo como o vento soprasse? E olha que venta bastante na capital uruguaia. Enfim.
O fato é que existe ainda uma outra curiosidade que só aumentou a mística da cannabis sativa nesta ocasião. O Estádio Luís Franzini pertence ao Defensor Sporting, que por sua vez tem como um dos seus grandes ídolos Nícolas Olivera, meio-campista que foi formado em meados da década de 90 no Defensor e sempre foi fanático torcedor do clube. E grande admirador de Bob Marley, e toda a sua ideologia. Deu para entender?
Pois bem, o lado "barrabrava" da torcida do Defensor Sporting, em homenagem a Olivera, se autodenominou "La Banda Marley", nos anos 90. E assim ficou. Com toda a malemolência, e a fumaça que sopra solta e legalmente na capital uruguaia. Se isso não explica muito do que foi essa experiência num legítimo "estádio maconheiro", melhor dar um pulo em Rincón del Cerro, zona rural de Montevidéu e onde vive José Mujica. Talvez ele saiba explicar melhor.