'Quero fazer a diferença no esporte e inspirar as mulheres', diz Luisa Stefani
Tenista continua em boa fase após bronze em Tóquio e se tornou a brasileira mais bem-sucedida da história do ranking da WTA
Primeira medalhista olímpica do tênis brasileiro ao lado de Laura Pigossi, Luisa Stefani tem planos para o presente e para o futuro, dentro e fora de quadra. A tenista de 24 anos já se tornou a brasileira mais bem-sucedida da história do ranking da WTA ao alcançar o 17º posto - Maria Esther Bueno não chegou a figurar nas primeiras posições quando o ranking oficial foi criado em 1975. E vive grande fase no circuito, mantendo o embalo do bronze conquistado em Tóquio-2020, com o título em Montreal, no Canadá, e dois vices em San Jose e Cincinnati, ambos nos Estados Unidos.
E agora quer aproveitar sua maior visibilidade para inspirar outras mulheres, com seu exemplo esportivo e seus ideais, que revela nesta entrevista ao Estadão. Ela também contou que, em tempos de discussão pública sobre saúde mental, enfrentou desafios de motivação antes de se classificar para a Olimpíada, seu grande objetivo da temporada. E disse que pretende se dedicar às chaves de simples também em 2022.
Como é a sensação de fazer história?
É a sensação de estar feliz, de sentir paz interior, um pouco de tranquilidade e conforto. Na hora, foi o sentimento de conquistar algo inacreditável. Como tudo isso aconteceu? Parte de mim tentava refletir as emoções que eu sentia. Foi muito intenso, diferente de tudo que tinha sentido antes. Caramba, olha o que a gente fez? Ao mesmo tempo foi algo difícil de acreditar e teve também um pouco de orgulho pelo que fizemos. Ainda não caiu a ficha totalmente.
O Brasil já teve Guga, Meligeni, Bruno Soares e Marcelo Melo em Olimpíadas. Mas foram as mulheres que ganharam a 1ª medalha do tênis brasileiro. O que isso representa para você?
Antes do jogo, eu nem pensava que, se ganhássemos uma medalha, seria a primeira medalha do Brasil no tênis. Mas é muito gratificante não só representar o tênis e o Brasil, como também o tênis e o esporte femininos. É muito bom para nós ter mais conquistas femininas. Mostrar que as mulheres são capazes, que podemos alcançar nossos sonhos. E acho que precisamos tirar um pouco essa coisa de dizer que um gênero foi melhor que outro numa Olimpíada. Acho importante para nós sermos nós mesmas e não uma surpresa. A meta deve ser normalizar isso. Não é uma surpresa que as meninas estão indo bem, vamos bem porque a gente se entrega tanto quanto, nos sacrificamos ao longo da nossa vida, trabalhamos duro.
Você busca se tornar motivo de inspiração para outras mulheres?
Quero mostrar para as mulheres que elas podem sonhar alto, e não se limitar em seus sonhos. Podemos trabalhar duro, sem deixar a sociedade nos ditar o que podemos fazer ou não. O sonho seria que se tornasse normal a gente ter as mesmas oportunidades e possibilidades e alcançar tanto quanto, se não mais, os atletas masculinos. Conseguir a mesma visibilidade. Deveria ser normal e natural o que está acontecendo em relação ao destaque das mulheres na Olimpíada. Mudar essas maneiras de ver o esporte feminino no geral é uma coisa que quero poder ajudar. Espero que a medalha já tenha sido um pequeno passo neste caminho.
Sua atuação também será fora de quadra?
Sim, é algo que pretendo fazer mais, como já faço na parceria com a Liga Tênis 10 (iniciativa que organiza torneios de tênis para crianças). Neste momento que estou vivendo, preciso ser mais cautelosa em ver a melhor maneira em que posso ajudar, considerando o alcance que estou tendo. Com mais alcance, mais visibilidade, cobrança e responsabilidades. Uma meta que tenho é ajudar mais meninas no esporte e no tênis, porque é onde eu consigo fazer a maior diferença no momento.
Seria exagero dizer que a medalha é um divisor de águas na sua carreira?
Com certeza, foi um divisor. Obviamente, está muito no começo ainda para avaliar. Tudo aconteceu muito rápido, foi surpreendente e incrível. Já caiu a ficha das mudanças, principalmente nas redes sociais. E também na quadra. Com os aprendizados que tive, estou mantendo a boa forma nos torneios seguintes e isso é um bom sinal. É a primeira vez que muitas coisas estão acontecendo. De uma forma é desafiador, por outra é muito legal lidar com tudo isso. É um começo de um negócio novo. Eu amo mudança, o momento está muito legal para mim.
Na prática, o que mudou na sua vida após a medalha?
Nos torneios depois da Olimpíada, as pessoas começaram a falar que estou diferente na quadra, mais confiante. Acho que encontrei algo dentro de mim que não tinha botado para fora ainda. A confiança vem um pouco da conquista de algo que parecia muito longe ou algo que eu não estava procurando aquilo toda hora. No esporte temos essa neura de expectativa e pressão, de buscar nossos objetivos e resultados. E, quando não vêm, nos decepcionamos. Mas aí veio a medalha e tudo se encaixou muito rápido. Como é que tudo isso aconteceu tão rápido? Essa foi uma das maiores lições que aprendi.
Seu status mudou no circuito? As rivais te olham de forma diferente agora?
Eu noto muito a diferença, o reconhecimento mudou muito, tanto no circuito, com as jogadoras me parabenizando, quando nos espectadores. Uma das coisas mais divertidas do pós-olimpíada foi ver a reação das pessoas ao verem a medalha de perto. Tem mais gente vindo pedir autógrafo, há maior atenção do público. Percebi muita diferença, principalmente nas duplas, porque não somos tão populares em comparação aos jogadores de simples.
Você já sonhava com a medalha olímpica antes de se classificar para Tóquio?
Com certeza. Sempre sonhava em disputar uma Olimpíada e conquistar medalha. Mas era algo muito distante. Acho os Jogos muito fascinante pela união do mundo inteiro vendo a entrega e o esforço de todos os atletas. Quando você está naquele ambiente, arrepia. A Olimpíada traz um sentimento para o mundo inteiro, de uma forma que nenhum esporte sozinho vai fazer. Eu amo tênis. Ganhar um Grand Slam seria outro sonho inacreditável. Mas a Olimpíada consegue nos afetar e influenciar o mundo de uma maneira muito maior do que um esporte sozinho. Se eu puder influenciar o meio do tênis, seria muito especial. É uma das coisas que me parece mais ao meu alcance. A Olimpíada me mostrou que dá para influenciar um país inteiro, muita gente além do nosso nicho do tênis. Consegui alcançar e atingir pessoas que nem seguem tênis.
Você ganhou muitos seguidores nas redes sociais. E patrocinadores?
Meu irmão é o meu agente, cuida dos patrocinadores. Como estou disputando vários torneios, estou um pouco por fora. Mas o importante é me associar a marcas que tenham os mesmos valores e ideias que eu tenho para melhorar o mundo. Gosto muito de sustentabilidade, algo difícil de encontrar. Limita as opções de uma maneira boa porque não quero perder a minha identidade, os meus valores, principalmente agora, em que eu talvez consiga um pouco mais de audiência. Vou seguir sendo o que eu sou. Quero muito me alinhar com marcas que estão aqui para ajudar o mundo, principalmente o meio ambiente. Sempre me importei muito com isso.
Um dos principais temas da Olimpíada foi a saúde mental. Olhando de dentro do mundo esportivo, essa discussão surgiu no momento certo?
Com certeza. A (Naomi) Osaka, quando decidiu abandonar Roland Garros, mexeu bastante o caldeirão. Isso foi muito falado. Causa polêmica e discussões às vezes. Isso é bom porque tem várias opiniões participando. Obviamente sempre vai ter pessoas um pouco sem noção que fazem comentários totalmente desnecessários, mas também cria uma atenção para um assunto que é grande e muito verdadeiro, não só para os atletas, mas para todos. Acho que o mais importante é a gente tentar se colocar no lugar do outro antes de julgar.
Você já enfrentou problemas de saúde mental no circuito?
Sim. Antes da Olimpíada, tive dois meses que talvez tenham sido os mais difíceis emocionalmente da minha carreira. Você nunca sabe o que a pessoa está passando. Talvez seja a melhor fase da carreira, mas ela não está se sentindo bem por dentro. Ou estando na pior parte da carreira, mas está muito feliz, tranquila e em paz. Muita gente estava falando que eu estava no melhor momento da minha carreira, tinha o melhor ranking, fazia história. Mas, por dentro, estava me sentindo não tão bem. Estava feliz com o resultado, mas tive a cirurgia de apendicite. Tinham várias coisinhas me atrapalhando, resultados que não estavam acontecendo. O calendário foi muito puxado neste ano, bolha atrás de bolha. E teve aquela derrota na Billy Jean King Cup (novo nome da Fed Cup). Foi muito dolorida para mim. Não sei se lidei da melhor forma com a derrota. Foram dois meses de muitas questões, muitas dúvidas interiores. Não foi uma parte horrorosa da minha carreira, algo sem volta. Mas tive que ficar me reforçando mentalmente de que tudo iria ficar bem. E isso se torna cansativo às vezes.
E quais as metas para o fim da temporada?
A meta é o US Open. Queremos o título, este é o sonho. E também quero chegar ao Top 10 do ranking de duplas. Para 2022, a ideia é voltar a jogar em simples. Então, na reta final desta temporada, a intenção é dar um "up" no meu ranking de simples para que possa conciliar os dois circuitos ao mesmo tempo.