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Tênis

'Você não pode simplesmente deixá-la vencer?': a polêmica charge sobre Serena Williams acusada de racismo

Ilustração, que retrata a reação da tenista durante a final do US Open, viralizou nas redes sociais, reacendendo debate sobre sexismo e preconceito racial.

11 set 2018 - 14h23
(atualizado às 15h04)
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A polêmica envolvendo a tenista Serena Williams, na final do US Open, levantou um debate sobre igualdade de gênero no esporte. E ganhou novos contornos nesta terça-feira após a publicação de uma charge que ridiculariza a esportista americana.

A imagem, de autoria do cartunista australiano Mark Knight, viralizou nas redes sociais, onde foi criticada por ser racista e sexista.

A ilustração mostra Williams pulando em cima de uma raquete quebrada, ao lado de uma chupeta de bebê, enquanto o juiz pergunta a sua oponente: "Você não pode simplesmente deixá-la vencer?"

O cartunista nega que a imagem tenha teor racista ou sexista, alegando que pretendia retratar apenas o "mau comportamento" da tenista durante a final contra a japonesa Naomi Osaka, que conquistou o primeiro Grand Slam da história dos nipônicos.

Williams foi punida durante a partida por receber orientação indevida do técnico, quebrar a raquete na quadra e ofender o juiz, a quem chamou de "ladrão". Na sequência, recebeu uma multa de US$ 17 mil.

A tenista argumenta, no entanto, que seu comportamento teria sido tolerado caso fosse homem.

A charge viralizou após ser publicada na segunda-feira pelo jornal Herald Sun, o mais lido da Austrália.

Damon Johnston, editor do periódico, saiu em defesa do cartunista e negou que o conteúdo da ilustração seja racista ou sexista.

"Isso ridiculariza corretamente o mau comportamento de uma lenda do tênis. Mark tem o apoio total de todos nós", disse Johnston em um tuíte.

Mas os críticos, incluindo a escritora britânica JK Rowling, autora da série Harry Potter, compararam a charge a caricaturas racistas de afro-americanos do passado.

Algumas pessoas também comentaram nas redes sociais que Knight havia "embranquecido" Osaka na ilustração. A tenista japonesa, que é mestiça, foi retratada como uma mulher branca de cabelo loiro.

A Associação Nacional de Jornalistas Negros nos EUA denunciou a charge como "repugnante em diversos níveis".

"Não só exibe caricaturas racistas e sexistas de ambas as mulheres, como a representação de Williams é desnecessariamente parecida com um sambo", diz o comunicado.

O livro infantil The Story of Little Black Sambo ("A História do Pequeno Negro Sambo", em tradução livre), publicado em 1899, é associado a representações raciais depreciativas.

Knight afirma, por sua vez, que "não tinha conhecimento desses desenhos ou período", acrescentando que "o mundo ficou louco".

"A charge era apenas sobre Serena no dia em que ela teve um ataque de raiva. É basicamente isso", disse ele à Australian Broadcasting Corporation.

Williams apontou diversas vezes o dedo para o árbitro exigindo um pedido de desculpas
Williams apontou diversas vezes o dedo para o árbitro exigindo um pedido de desculpas
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Knight também rejeitou a sugestão de que, se fosse um homem, ele não ilustraria da mesma forma. Para provar, ele tuitou uma caricatura recente que fez do tenista Nick Kyrgios.

O debate desencadeado por Williams na final do US Open já tinha dividido opiniões. A tenista recebeu o apoio da Associação de Tênis Feminino (WTA, sigla em inglês), que pediu tratamento igual para atletas homens e mulheres.

"A WTA acredita que não deve haver diferença nos padrões de tolerância às emoções expressadas por homens e mulheres", diz trecho da nota assinada pelo dirigente Steve Simon.

Já a Federação Internacional de Tênis (ITF, sigla em inglês) apoiou a atuação do árbitro português Carlos Ramos.

"É compreensível que esse notório e lamentável incidente provoque debates. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que o sr. Ramos assumiu as suas funções como árbitro de acordo as regras e agiu em todos os momentos com profissionalismo e integridade", afirma o comunicado da ITF.

Racismo em charges australianas

O sociólogo Andrew Jakubowicz disse à BBC que Knight usou "um gênero que tem um longo histórico de repercussão racista" no país.

"O autor pode até não se dar conta que sua própria visão de mundo foi moldada pela história de racismo na Austrália", disse Jakubowicz, professor emérito da University of Technology, em Sydney.

Segundo ele, havia "uma tradição" em charges australianas de exagerar as características físicas de grupos minoritários, incluindo os aborígenes australianos, para "provocar uma reação" - como humor.

Knight também foi acusado de racismo no mês passado por uma charge que mostrava figuras negras sem rosto lutando em um metrô de Melbourne, numa referência ao debate sobre gangues de rua afro-australianas.

'Mulher Negra Raivosa'

Com a polêmica, veio à tona ainda a discussão sobre o estereótipo da "Mulher Negra Raivosa" - o chamado "Angry Black Woman", que remete à América do século 19, quando os espetáculos de menestréis, com esquetes de comédia que zombavam de afro-americanos, se tornaram populares - conforme destaca reportagem de Ritu Prasad, da BBC News.

De acordo com Blair Kelley, professora associada de história da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, as mulheres negras eram muitas vezes interpretadas por homens brancos com excesso de peso que pintavam o rosto de preto e vestiam ternos "para parecerem menos humanos, não femininos e feios".

"A principal maneira de interagirem com os homens ao redor era gritando, brigando, saindo irritadas, irracionalmente, em resposta às circunstâncias em seu entorno", diz.

Esse estereótipo perdurou e acabou sendo difundido na mídia contemporânea, mesmo sem ter uma abordagem abertamente racista, segundo Brandi Collins, um dos diretores da organização afro-americana Color of Change.

"(A charge) É um indicativo da maneira como Serena foi, ao longo de sua carreira, retratada tanto pela mídia quanto dentro do tênis americano, como brava, desequilibrada, realmente agressiva", avalia Collins.

Para Robin Boylorn, professor de comunicação intercultural da Universidade do Alabama, nos EUA, parece impossível ser uma mulher negra e não sentir raiva, após "gerações de opressão, discriminação e anulação".

A professora de direito Trina Jones, que estuda estereótipos raciais e como isso afeta a vida das mulheres afro-americanas, também lembra o resquício da escravidão:

"As mulheres negras não 'deveriam' reagir e, quando o fazem, são consideradas dominadoras. Agressivas. Ameaçadoras. Ruidosas."

Veja também:

As mulheres esportistas que quebra barreiras:
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