Quando foi convidado para interpretar o Manolo, de Esperança, Otávio Augusto logo se lembrou dos dois anos em que estudou Espanhol. O ator voltou à Casa de España e copiou poemas, textos e quadras que guarda junto com os textos da novela, à espera de uma oportunidade de usá-los em cena.Além disso, tem páginas e páginas anotadas com termos e observações aos quais sempre recorre durante os ensaios. Esta "colagem de elementos" foi sua única preparação para dar vida a Manolo. "Ele é um espanhol que veio de Málaga. O resto é intuição", ensina o ator, com a experiência de seus 37 anos de carreira.
Intuição, aliás, é marca registrada de Otávio. É a ela que o ator recorre a cada vez que se depara com um novo personagem. Principalmente aqueles que exploram sua veia cômica, como o impagável vampiro Matosão, que Otávio interpretou em Vamp, novela de Antônio Calmon exibida em 1992. "Para fazer humor, você tem de sentir o lado 'gauche' do personagem. Sem isso você faz gracinha, faz piada, mas não faz humor", acredita Otávio. O ator parece já ter encontrado o lado "gauche" de Manolo. A transformação do ex-trabalhador braçal em costureiro já deu mostras de que vai render algumas necessárias cenas engraçadas na normalmente austera Esperança.
P - É a primeira vez que você faz uma novela do Benedito Ruy Barbosa. O que está achando?
R - Eu gosto muito das coisas dele, porque revelam uma preocupação com a nossa origem, com o passado. Para mim, uma novela é boa quando provoca reflexões. E a nossa provoca até por comparações, porque fala do desemprego, de uma época de crise. Quando uma novela consegue trazer elementos para que as pessoas reflitam, a televisão cumpre a função que deveria ter sempre. Em vez da preocupação com o Ibope, o objetivo deveria ser o de provocar algumas reflexões, como esta novela faz.
P - A preocupação com os índices de audiência de Esperança tem se refletido no trabalho de vocês?
R - Eu não acompanho este negócio de audiência, até porque tecnicamente não é a minha área. E eu tenho um princípio que é o de buscar prazer no meu trabalho. Eu já entro no camarim brincando, pulo em cima do camareiro, conto piada para todo mundo. Se a gente vai ter de ficar ali 10, 12 horas seguidas, tem de ser um trabalho prazeroso.
P - Mas às vezes os personagens sofrem mudanças radicais em função dos índices de audiência. Como você costuma lidar com isso?
R - É muito simples: você tem de fazer. Não adianta achar nada, não adianta ser contra. O que eu tento é encontrar um mínimo de coerência nas mudanças. Pode ser uma coisa subjetiva, que nem vai aparecer na tela, mas serve como embasamento. Se não, fica uma coisa absurda. Mas você tem de estar preparado, pois todo trabalho em televisão é um salto no escuro. Principalmente a novela, que é uma obra aberta. Você acaba dependendo mais do que a mídia está falando do que de seu próprio trabalho.
P - Que critérios você utiliza na hora de escolher um trabalho?
R - Em televisão, eu não tenho critério nenhum, porque sou obrigado a fazer. Se eu não fizer, sou mandado embora. Então, eu nunca recusei um personagem. E já fiz péssimos personagens. Não cabe falar sobre isso agora, mas eu brigava com eles o tempo todo. Já o teatro é uma arte muito mais ligada ao ator no sentido ideológico. E o cinema paga tão mal que você pode escolher à vontade, já que não depende financeiramente daquilo para nada. Então, no cinema e no teatro eu penso sempre naquilo que eu tenho vontade de discutir no momento.
P - E o que você tem tido vontade de discutir atualmente?
R - Mais do que nunca, o homem. Em primeiro lugar, esta coisa toda a que estamos submetidos no mundo de hoje. Esta história toda de globalização, que está mediocrizando tudo. O homem hoje é descartável, o mundo não precisa mais do ser humano como força de trabalho, como absolutamente nada. Então, a gente vive contradições terríveis. E, quando se discute a globalização, as coisas não chegam até as pessoas que vivem as conseqüências diretas de tudo isso. É esse lado humano que eu pretendo discutir com a minha arte.