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Domingo, 15 de junho de 2003, 09h32

Dan Stulbach não acha que Marcos
é um vilão
Pedro Paulo Figueiredo/Carta Z Notícias

Leia o resumo da semana de Mulheres Apaixonadas

O convite para fazer Mulheres Apaixonadas pegou Dan Stulbach de surpresa. Recém-saído de Esperança, onde interpretou o advogado André, ele não imaginava que fosse voltar às novelas tão cedo. Mas voltou, a pedido de Manoel Carlos. O autor gostou tanto da atuação de Dan na peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, como imigrante polonês que luta para entrar no Brasil, que criou um personagem para ele na novela das oito: o marido ciumento e possessivo de Raquel, interpretada por Helena Ranaldi.

"Eu nunca classificaria o Marcos como um vilão. Ele não é o mocinho, mas também não é o vilão da história. No fundo, ele é um pouco dos dois. Como todos nós...", salienta.

Para tentar compreender o temperamento de Marcos - que chega a agredir Raquel com uma raquete de tênis e a passar de carro por cima da bicicleta de Fred, personagem de Pedro Furtado -, Dan recorre ao pai da psicanálise, Sigmund Freud: "Num casal, você ama muito mais os defeitos do outro do que as suas qualidades...".

Mas tão obscuro quanto os motivos que levam Marcos a se tornar o algoz da mulher só mesmo o comportamento do público, que lança olhares de soslaio nas ruas. Em sua segunda novela na Globo, Dan ainda se espanta quando algum telespectador pede para ele deixar Raquel em paz. "Não tenho medo de apanhar na rua. As pessoas é que parecem ter um certo medo de mim", diverte-se.

Aos 34 anos, Dan torce para seu personagem repetir o sucesso do de Giulia Gam, que vive a Heloísa. Segundo ele, muitos casos de violência doméstica não chegam ao conhecimento das autoridades porque as mulheres têm medo de denunciar os companheiros. "Se souber que meu trabalho está fazendo bem às pessoas, vou me sentir realizado. Caso contrário, vira ego, vaidade...", desdenha.

Bem-humorado, Dan só aparenta desconforto quando insistem em compará-lo com Tom Hanks. Além de não se achar parecido com o astro de Forrest Gump, ele teme que alguém se apresse em classificá-lo como o "Tom Hanks brasileiro". "As pessoas acham que eu tinha de ficar feliz só por ele ser um grande ator", minimiza.

A atriz Regiane Alves já levou umas "guarda-chuvadas" do público por causa da Dóris. Você não teme passar por alguma situação parecida nas ruas?
Antes de eu entrar na novela, o pessoal já me prevenia do alvoroço que estava por vir. Eu chegava no teatro e logo alguém comentava: "Olha, Dan, você aparece amanhã na novela, hein... Se prepare!". Mas eu preferi viver num mundo de ilusão. Eu tentava me convencer de que estava tudo bem, tudo em ordem. Por via das dúvidas, antes de eu aparecer na novela, fui ao shopping para me despedir... Mas a resposta do público está cada vez mais intensa. Quando ando na rua, tem sempre alguém que tece um comentário qualquer. Ontem mesmo, fui ao cinema e foi difícil à beça. As pessoas elogiam o meu trabalho, mas cobram menos violência. "Pare de bater na Raquel!", pedem. Guarda-chuvada, por enquanto, ainda não levei. As pessoas têm um pouquinho de medo de mim...

Como você se preparou para compor um personagem tão controverso como o Marcos?
A psiquê do Marcos é muito particular. Ele ama tão intensamente a Raquel que... sei lá... sofre a dor que deveras sente. Ele é um personagem de muito difícil composição. Por isso mesmo, queria torná-lo o mais crível possível aos olhos do público. Ele não é o vilão ou o mocinho da história. Ele é um pouquinho dos dois. Como cada um de nós, não é verdade? Ele é o tipo de pessoa que você encontra na rua, de tão aparentemente normal que é. Não construí o Marcos como um psicopata. Se ele é doente, ele não tem consciência dessa doença. Apesar de ele já estar sendo classificado por aí como "vilão", eu não o definiria assim. Aliás, se eu julgá-lo bom ou mau, já começo errado. Analisar esse personagem sem julgamentos é a minha obrigação. Na psiquê do Marcos, ele ama tanto a Raquel e tem tanto medo de perdê-la que essa é a única maneira que ele encontrou para tentar prendê-la junto a ele... Tem uma frase do Oscar Wilde que diz: "Todo homem destrói aquilo que mais ama". E tem outra do Freud, que afirma: "Num casal, você ama mais os defeitos do parceiro do que as suas qualidades...".

Você chegou a fazer algum tipo de "laboratório"? Qual?
Conversei com um psicanalista que trabalha com um grupo de homens agressores. E conversei também com alguns homens que passaram por isso e com algumas mulheres agredidas também. Li muitos livros sobre o assunto e usei a minha intuição também. No Rio, visitei o Instituto NOOS, que atende justamente a homens agressores. Volto a dizer: minha maior preocupação foi criar um ser humano ambíguo, como cada um de nós. E queria também que essa ambigüidade tornasse ele humano, crível... Na verdade, não procurei entender a psiquê do Marcos, mas as atitudes dele. Como telespectador, posso não entender ou concordar com as atitudes dele. Pessoalmente, não concordo. Mas tenho de entender o porquê dele fazer o que faz. Não aceito, nem concordo, mas tento compreender a dor desse cara...

Qual é a sensação de entrar no meio de uma novela que registra 45 pontos de audiência?
Olha, entrar numa novela que está dando tão certo quanto Mulheres Apaixonadas é quase uma honra. Não esperava ser escolhido para fazer o Marcos num momento tão importante da novela como esse. O Manoel Carlos assistiu ao espetáculo Novas Diretrizes em Tempos de Paz duas vezes e disse que gostaria de criar um personagem especialmente para mim. Pessoalmente, quero muito fazer bem-feito. O Luiz Fernando Carvalho também me chamou para entrar no meio de Esperança. Entrei para fazer seis capítulos e fiz 30 e poucos. Fiquei até o final da novela. Evidentemente, passei a ser assistido por milhões de pessoas. Há uma certa excitação nisso... Mas não quero ser reconhecido apenas por estar fazendo televisão. Hoje em dia, qualquer pessoa que faz televisão ganha notoriedade do dia para a noite. Gostaria que o meu reconhecimento não acontecesse apenas por eu estar lá, mas pelo trabalho que estou desenvolvendo lá.

O Manoel Carlos já definiu que o Marcos vai ser denunciado pela Raquel na Delegacia de Mulheres. O que pensa disso?
Não quero que meu personagem suscite polêmica pura e simplesmente. Acho até que vai suscitar, mas quero, principalmente, que ele provoque uma discussão na sociedade porque os casos de violência doméstica, pode ter certeza, são muitos. São muitos os conhecidos. Imagine, então, quantos eles são... Muitas mulheres não denunciam seus companheiros pelos mais diferentes motivos... Gostaria muito que o meu trabalho, o do Maneco e o da Helena Ranaldi mudassem essa situação. Se as pessoas melhorarem suas vidas por causa da novela, vou ficar extremamente feliz. Não consigo abstrair do meu trabalho a responsabilidade social que tenho como artista. Eu me interesso por fazer algo que tenha forte reverberação social. E foi justamente o caráter social que me animou a aceitar esse trabalho.

Como surgiu o convite para estrear na tevê?
Estreei na tevê em Os Maias. Estava em Locarno, na Suíça, participando de um festival de cinema, quando recebi um telefonema do Luiz Fernando Carvalho. Ele tinha assistido ao Cronicamente Inviável, do Sérgio Bianchi, e gostado muito da minha atuação. Ele falou que tinha um personagem em Os Maias que gostaria muito que eu fizesse. Fiquei feliz com essa distinção.

Mas você relutava por algum motivo em fazer televisão?
Absolutamente. Não havia qualquer relutância ideológica da minha parte. Pelo contrário. Eu morria de curiosidade de fazer televisão. Mas acho que minha oportunidade chegou na hora certa. Nem cedo, nem tarde. Hoje, sou melhor ator do que era ontem. E amanhã pretendo ser melhor ator do que sou hoje. Nesse sentido, chegou na hora certa.

Você sempre pensou em ser ator?
Não. Nunca. Não sou daqueles sujeitos que falam: "Quando eu tinha três anos de idade, já sabia que queria ser ator...". Mesmo assim, quando lembro da minha infância, vejo que havia algo de inconsciente ali. Afinal, eu imitava meus amigos, achava que os atores de televisão moravam dentro do aparelho, adorava fazer cena, essas coisas...

E quando você resolveu seguir a carreira artística?
Eu costumo dizer que, se os atores fossem bem resolvidos, eles jamais seriam atores. Você jamais criaria um mundo de ilusão se estivesse satisfeito com o mundo real. Na maioria das vezes, o mundo real não nos completa, não nos satisfaz... Você cria outros mundos para viver neles. Aparentemente, há um contra-senso nisso tudo. Porque eu busquei quem eu era através de outras pessoas. Dá para entender? Através do teatro, você pode viver outras vidas. Você pode ser o assassino e o assassinado também... O violento, como o Marcos da novela, e o violentado, como o Clausewitz do teatro... É muito bacana você poder experimentar tudo isso.

Talento premonitório

Certa vez, assistindo à premiação de Paulo Autran pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, Dan pensou que só poderia se considerar um ator de verdade no dia em que ganhasse aquele mesmo prêmio. Pois bem, a julgar pelo prêmio da APCA que ganhou por Novas Diretrizes em Tempos de Paz, Dan já pode se considerar um ator de verdade.

A idéia que deu origem ao espetáculo, inclusive, nasceu durante uma conversa entre Dan e o autor Bosco Brasil. Logo após os atentados de 11 de setembro, o ator se dizia triste porque os teatros de Nova Iorque haviam fechado suas portas em sinal de luto. "Para que serve fazer o que faço em tempos de guerra?", indaga, citando uma fala de seu personagem.

Na peça, Dan interpreta Clausewitz, um ator polonês que se faz passar por lavrador só para conseguir visto de permanência no Brasil. Mas a vida do imigrante depende da boa vontade de Segismundo, o funcionário do Departamento de Imigração. Intransigente, ele propõe um desafio a Clausewitz: se ele o fizer chorar com alguma história triste, ele fica no Brasil. Caso contrário, volta para a Polônia.

O ponto alto da encenação é quando Clausewitz recorre a fragmentos do poema A Vida é Sonho, de Calderón de la Barca, para sensibilizar seu inquisidor. "Lembro do dia em que liguei para meu pai e disse que faria a leitura de um texto. Ainda frisei: 'Mas é um dia só!'", diverte-se, um ano e meio depois.

O autor Bosco Brasil só aceitou montar o espetáculo quando teve certeza de que Dan estaria em cena. Já Segismundo foi interpretado por Jairo Mattos em São Paulo e Tony Ramos no Rio. Quando soube que contracenaria com um ídolo de infância, quase não acreditou. "Ele era um dos muitos atores que habitavam a minha televisão quando eu era menino...", brinca.

A primeira cena entre Dan e Tony em Mulheres Apaixonadas foi discreta: os dois jogavam conversa fora no Nick's Bar. Se depender de Dan, tais cenas bem que poderiam ser mais freqüentes. "Meu personagem sonha em ter um bar e o do Tony toca justamente em um. Eu bem que poderia ser o patrão dele, não é mesmo?", sugere, animado.

Craque dos palcos

Jogador de futebol. E, de preferência, do Corinthians. Era esse o sonho de criança de Dan Filip Stulbach. Até que, um dia, ele resolveu fazer teste para integrar o elenco de uma peça teatral no colégio. "Fiz por fazer, mas gostei da experiência. Eu me diverti nos ensaios, fiz um montão de amigos...", enumera.

Já adulto, como se não soubesse muito bem o que fazer, Dan prestou vestibular para Medicina, Engenharia e Administração. Depois de ter sido aprovado nos três cursos, optou por Engenharia no Mackenzie, em São Paulo. "Fiquei um ano lá e depois viajei para Nova Iorque. Queria estudar inglês e esfriar um pouco a cabeça", confessa.

Nos Estados Unidos, entre outras atividades, Dan trabalhou como bilheteiro de um cinema em San Diego, na Califórnia. Num multiplex de 20 salas, ele começou como vendedor de pipocas e logo foi promovido a bilheteiro, "o cargo máximo que eu podia chegar dentro do cinema". A experiência, porém, não durou muito. Depois de seis meses, ele voltou ao Brasil.

Na dúvida, fez Escola de Arte Dramática na USP e publicidade na Escola Superior de Marketing, onde montou um grupo teatral. "Fiz faculdade apenas para dar satisfação aos meus pais. Os dois são muito ligados às questões práticas da vida", explica o filho de Seu José e da Dona Eva.

No ano passado, Dan alcançou o reconhecimento ao ser premiado pela APCA e pelo Prêmio Shell como melhor ator do ano por Novas Diretrizes em Tempos de Paz. Ingressar na televisão era só uma questão de tempo. A primeira aparição aconteceu em Os Maias, onde interpretou um aristocrata inglês na minissérie de Maria Adelaide Amaral. O diretor Luiz Fernando Carvalho gostou tanto da parceria que os dois voltaram a trabalhar juntos em Esperança. "Quando meus pais viram Novas Diretrizes, ficaram emocionados. Apesar da relutância inicial, os dois se transformaram nos maiores torcedores da minha carreira", garante.

André Bernardo/TV Press
            


 
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