30 anos de Star Fox: conheça os bastidores do revolucionário jogo de SNES
Tecnologia por trás de Star Fox, chip Super FX abriu caminho para jogos poligonais nos consoles - e foi motivo de muita polêmica
Há 30 anos, o universo dos videogames vivia uma fase de efervescência. No mercado de jogos para computador, títulos como Alone in the Dark, Myst, Doom e Star Wars: X-Wing sacudiram a indústria com gráficos tridimensionais e recursos multimídia; nos arcades, o mundo testemunhou o fenômeno dos games de luta, primeiro com Street Fighter II e depois com Mortal Kombat e Virtua Fighter.
No campo dos consoles domésticos, Nintendo e Sega travavam intensa batalha, com os consoles Super Nintendo e Mega Drive. Além da disputa pela melhor biblioteca de jogos e qual mascote era mais popular, as fabricantes viviam uma disputa tecnológica. De um lado, o Super Nintendo entregou games com recursos gráficos inovadores, como o célebre "Mode 7". A Sega, por sua vez, contra-atacou com o Sega-CD, acessório que permitia o Mega Drive utilizar recursos impossíveis em cartucho, como filmes em FMV e áudio com qualidade digital.
Foi nesse contexto que a Nintendo lançou um dos maiores sucessos da geração 16-bits, Star Fox, jogo que empolgou público e crítica da época com seus revolucionários gráficos poligonais, além do estardalhaço em torno do chip "Super FX", responsável pelo feito tecnológico. Para que isso fosse possível, porém, uma incomum saga precisou ser desenrolada nos bastidores, cuja história começou por volta de três anos antes de Fox McCloud se tornar um personagem conhecido pelo grande público.
Sotaque britânico
Star Fox, assim como a tecnologia que permitiu ao Super Nintendo executá-lo, foram inteiramente desenvolvidos pela Argonaut Software, uma desconhecida desenvolvedora de jogos para computador britânica. Fundada em 1982 por Jez San, a produtora, desde seu princípio, era especialista em simuladores espaciais com gráficos vetoriais, preferencialmente com exploração aberta.
O sucesso do Nintendo Entertainment System na década de 1980 fez com que os videogames, até então restritos a um nicho especializado, caíssem no gosto do grande público, abrindo assim um novo mercado às desenvolvedoras. A Inglaterra não ficou indiferente a esse fenômeno, e fez com que desenvolvedoras britânicas como a Ultimate Play the Game (futura RARE) e a própria Argonaut aderissem à tendência de desenvolver games para o console 8-bits da Nintendo.
Em 1989, a Nintendo lançou outro console de enorme sucesso, o Game Boy. O fato do portátil estar equipado do humilde processador 8-bits Z80 não impediu que Dylan Cuthbert, jovem programador recém contratado pela Argonaut, encarasse o desafio de programar uma engine 3D para o Game Boy, algo considerado impossível para um console tão modesto. Em paralelo, os demais desenvolvedores da Argonaut criaram um protótipo baseado no game Starglider, também exibindo recursos 3D, para o NES.
Em 1990, Jez San viajou aos Estados Unidos para um encontro com um representante da Nintendo of America, durante a Consumer Electronic Show (CES) daquele ano. A demonstração deu certo: duas semanas depois, Jez San e Dylan Cuthbert foram convidados para demonstrarem seus protótipos à cúpula da Nintendo, em Quioto, no Japão. Lá estariam presentes ninguém menos que o presidente da Nintendo na época, Hiroshi Yamauchi e Shigeru Miyamoto, principal nome por trás dos games da marca.
Sucesso novamente, porém a Nintendo tinha um plano diferente para a tecnologia 3D da Argonaut, e desejava que seu próximo console 16-bits já pudesse exibir efeitos 3D. Assim, Jez San voltou à Inglaterra com um protótipo do Super Famicom, e convenceu a Nintendo que a tecnologia da Argonaut seria ainda mais avançada caso eles pudessem desenvolver um processador para essa finalidade. A Nintendo concordou, e então um contrato para o desenvolvimento do processador, assim como de 3 jogos, foi assinado. O primeiro desses games viria a ser Star Fox.
O chip que mudou a história
Para realizar a então maior tarefa de sua existência, a Argonaut se dividiu em dois times, com um trabalhando diretamente nos escritórios da Nintendo, no Japão, e outro, servindo como base, na Inglaterra. Além de terem que desenvolver o chip 3D e os jogos, os desenvolvedores da Argonaut também tiveram que superar barreiras linguísticas e culturais para ao mesmo tempo passarem seu know-how de 3D aos japoneses, assim como se adaptar ao modelo de desenvolvimento nipônico.
O resultado foi o chip "MARIO" (Mathematical, Argonaut, Rotation, & Input/Output), rebatizado pelo marketing da Nintendo de "Super FX". O processador RISC de 21MHz era capaz de gerar centenas de polígonos com texturas simples, assim como rotacionar e escalonar sprites.
O impacto sobre o mundo dos games foi total. Isso porque não havia, antes do Super FX, o conceito de aceleração gráfica via componentes externos, e os cálculos e execução de gráficos e efeitos tridimensionais nos games era limitado pelos processadores e memórias disponíveis na época. Se nos computadores, que tinham acesso a componentes com maior performance e podiam ser atualizados, a exibição de gráficos 3D já era simplificada e limitada, nos consoles se tornava uma tarefa praticamente impossível devido às configurações mais modestas e baratas dos consoles.
Segundo Jez San, o Super FX foi o primeiro chip acelerador gráfico do mundo, anos antes das placas de vídeo da Nvidia e ATI. Ainda no setor de consoles, o impacto comercial de Star Fox e seu chip fez com que a Sega lançasse em 1994 uma conversão de Virtua Racing para o Mega Drive que copiou a solução de embarcar um chip acelerador gráfico no cartucho, batizado de Sega SVP (Sega Virtual Processor).
Com as peças em mãos, faltava a Argonaut montar os jogos, e a ideia inicial da desenvolvedora britânica seria um novo game nos moldes dos Stargliders de computador. Shigeru Miyamoto, produtor do jogo, e ciente que a base do público do Super Famicom seria infanto-juvenil, se opôs, e então definiu que o jogo seria com progressão linear. O tema espacial foi mantido, e o game design terminou virando um "shooter" com rolagem em trilho. Surge Star Fox.
Sucesso de público de crítica, Star Fox terminou se tornando um dos games mais populares da biblioteca do Super Nintendo, com mais de 4 milhões de cópias vendidas, superando clássicos como F-Zero, Donkey Kong Country 3 e Super Street Fighter 2. Fox McCloud entrou para a galeria dos mascotes mais populares da Nintendo, ao lado de Super Mario, Link e Kirby.
Amargo regresso?
Com o sucesso de Star Fox, a Argonaut rapidamente partiu para os games Super FX seguintes, o simpático título de corrida Stunt Race FX, e a sequência Star Fox 2. E é a partir daqui que a história entre Argonaut e Nintendo dá uma virada dramática, sobretudo para os ingleses. Durante o desenvolvimento de Star Fox 2, a Argonaut apresentou para a Nintendo um protótipo de um jogo de plataforma 3D com Yoshi como protagonista. Em entrevista ao Eurogamer, San afirmou que teria sido nesse momento que a relação entre as duas empresas azedou. Não apenas a Nintendo rejeitou o protótipo, como cancelou sem qualquer justificativa o lançamento de Star Fox 2, apesar de seu ciclo de desenvolvimento já ter sido finalizado.
A Nintendo então encerrou o relacionamento com a Argonaut, assim como dissolveu a equipe que trabalhava com os games da linha Super FX. Ao mesmo tempo, na época (entre 1994 e 1995) a Nintendo já trabalhava em seu próximo console, o “Ultra 64”, totalmente dedicado a gráficos tridimensionais. Na entrevista ao Eurogamer, Jez San também fez outras declarações controversas. Segundo o fundador da Argonaut, ele e sua equipe apresentaram um protótipo de um jogo de plataforma totalmente 3D estrelado por Yoshi, como nunca havia sido feito antes nos video games.
De acordo com Jez San, a Nintendo não apenas vetou categoricamente o protótipo de Yoshi, como teria então largamente usado seu código de programação como a base do futuro Super Mario 64. O título estrelado pelo principal mascote da Nintendo assombrou o mundo com suas soluções e design de plataforma 3D, sendo até hoje a grande referência do gênero e considerado como o primeiro plataforma 3D “mainstream” da história dos games.
Por outro lado, a Argonaut, após o fim do relacionamento, continuou trabalhando sozinha em seu protótipo, que se transformou no game Croc: Legend of the Gobbos, lançado em 1997 para PC, PlayStation e Sega Saturn. Apesar de ter feito relativo sucesso à época, obviamente não recebeu nem uma fração da aclamação de Super Mario 64.
Ainda segundo Jez San, uma grande porção do código de programação de Star Fox 2 também teria sido usado pela Nintendo para o desenvolvimento de Star Fox 64, sem que a Argonaut recebesse qualquer valor por royalties. Lançado em conjunto do acessório Rumble Pak, responsável por apresentar o conceito de vibração de controles em jogos, Star Fox 64 foi um dos maiores sucessos de sua geração.
San ainda alega que, algum tempo depois, Shigeru Miyamoto teria lhe pedido desculpas: "Miyamoto-san depois se encontrou comigo em um evento e se desculpou por não ter feito o jogo do Yoshi com a gente, e nos agradeceu pela idéia de fazer um jogo de plataforma 3D."
Quanto a Star Fox, o futuro da franquia foi de altos e baixos. Após o cancelamento de Star Fox 2, Star Fox 64 foi um dos grandes sucessos do Nintendo 64, porém os games seguintes foram perdendo em qualidade e relevância, culminando com o fiasco de Star Fox Zero, para Wii U. Star Fox 2 foi lançado 12 anos depois de sua data original ao ser incluído entre os games embarcados no Super Nintendo Classic Edition, um mini-console que celebrou o videogame clássico de 16-bits da Nintendo. Curiosamente, Star Fox 2 carregou vários traços dos antigos games de computador da Argonaut, com estágios abertos e batalhas em arenas espaciais tridimensionais.