Com encanto e eficiência, Pikmin 4 marca o renascimento da série clássica no Switch
Game propõe reboot para convidar novos jogadores e facilita a vida com legendas em português
É complicado encaixar Pikmin 4 a um gênero específico. Na essência, trata-se de um jogo de estratégia em tempo real, que também pode ser interpretado como uma aventura em mundo aberto baseada em exploração e solução de puzzles. Mais do que tudo isso, talvez a melhor maneira de defini-lo seja: é uma obra típica da Nintendo, no melhor sentido possível.
Isso porque Pìkmin 4, mais novo exclusivo do Nintendo Switch, carrega em si todos os ingredientes característicos da mais tradicional empresa dos videogames: clima de desenho animado oferecido por cenários amplos de encher os olhos, personagens carismáticos que se comunicam por idiomas nonsense, tiradas divertidas de humor duvidoso, jogabilidade intuitiva e um enredo surrealista que parece originado de uma sessão criativa regada a psicotrópicos.
Parece justo que sua ideia central tenha surgido de Shigeru Miyamoto, a mente genial que estabeleceu em nosso imaginário os universos de Super Mario e The Legend of Zelda. Não por coincidência, em diversos momentos, Pikmin 4 parece uma mistura dessas duas séries em um game só.
A localização que o Brasil merece
É curioso que Pikmin seja uma das franquias menos aproveitadas da história da Nintendo. O primeiro jogo saiu em 2001 (para o GameCube) e, desde então, havia rendido só duas continuações, além de versões remasterizadas e um título para o portátil 3DS. Motivos existem: talvez porque não seja uma premissa das mais fáceis de entender, ou a trama não tivesse mais para onde ir. Mas Pikmin 4 chega para resolver tais questões, porque a proposta do novo game é ser um reboot total. Ou seja, quem nunca jogou não tem mais desculpas, porque dessa vez a Nintendo fez questão de facilitar.
Desde a tela de abertura, Pikmin 4 expõe e destrincha cada detalhe, das explicações sobre a trama às complexidades da jogabilidade, jamais assumindo que o jogador já sabe onde está pisando. Didatismo demais cansa, mas aqui isso é bem executado, principalmente porque, pela primeira vez na história, temos um game Nintendo de alta complexidade com legendas em português brasileiro (outros títulos foram traduzidos antes, mas nenhum era tão dependente do texto como Pikmin 4). Nesse caso, não é uma mera tradução: os diálogos são recheados de tiradas divertidas e neologismos, mantendo o bom humor original e adicionando um ar de familiaridade que facilita a imersão.
O fato de a localização ser tão caprichada torna a história mais interessante, mas não menos absurda. Resumindo bem: você é um jovem explorador espacial recrutado para uma missão de resgate em um planeta desconhecido. Ao pousar no local, além de criaturas hostis, você se depara com os tais Pikmins, seres misteriosos que parecem um cruzamento entre o mundo animal e o vegetal.
Dotadas de habilidades especiais determinadas por cores, as diminutas criaturas se revelam operários fiéis, respondendo a comandos e executando tarefas pesadas de acordo com a necessidade. Como um verdadeiro “mestre Pikmin”, seu objetivo é conduzir essa força coletiva incansável em missões de busca, coleta e reconhecimento.
Viciante como só a Nintendo sabe
Além dos Pikmins, você também conta com a colaboração constante de Otchin, um ser canino com duas patas e sem focinho que também é pau para toda obra: ele carrega você e os pequenos nas costas, contribui com força bruta, fareja sobreviventes e itens enterrados e aprende mais habilidades na medida em que a história segue. Um olhar mais crítico poderia observar que o cerne de Pikmin 4 é baseado em relações análogas à escravidão, visto que o protagonista faz o que bem entende com os coleguinhas, dá ordens impossíveis e jamais coloca as mãos na massa. Felizmente, é “só” um videogame.
Mesmo diante dessas relações um tanto abusivas, é impossível não se importar com os simpáticos Pikmins, mesmo que sejam todos anônimos e idênticos entre si dentro de suas respectivas cores e categorias. A obsessão de não deixar que eles se percam, sofram ou morram também está ligada ao fato de que a quantidade de criaturas à disposição é limitada, fazendo cada pequeno soldado valioso e necessário. No fim das contas, mantê-los vivos ao final de cada missão se torna tão importante quanto cumprir a missão em si.
Pikmin 4 se desenrola em fases marcadas por dias. Na prática, um dia de jogo funciona como uma rotina profissional: a cada amanhecer, é possível visitar um dos amplos cenários disponíveis para tentar cumprir o máximo de atividades até o sol se pôr. Isso inclui resolver puzzles, enfrentar animais-inimigos, encontrar objetos raros (ou tesouros, que dão energia para adquirir poderes, acessórios e abrir novas fases), além de outros exploradores perdidos (que oferecem missões secundárias) e também novas espécies de Pikmins, que por sua vez permitem que mais objetivos sejam alcançados.
A cada jornada, a sensação é a de se estar desbravando uma terra de gigantes, o que funciona bem graças aos ambientes lindos e ricamente detalhados. Logo fica claro que o planeta é a nossa Terra, e acompanhar a perplexidade dos exploradores a respeito dos cenários, da fauna e dos objetos banais se revela um dos charmes da narrativa.
Colecionistas não resistirão a alcançar cem por cento de aproveitamento em todos os estágios, o que pode fazer a história emperrar, mas se sentir perdido no mundo de Pikmin 4 é inerente à experiência. Não conseguiu pegar aquele tesouro inalcançável porque não tinha os recursos certos para isso? É só se reequipar e tentar novamente no dia seguinte. A dinâmica é irresistível, viciante e tão natural dos games da Nintendo.
Dominando a arte da estratégia
Fãs antigos da franquia precisam de paciência, porque Pikmin 4 parece ser endereçado aos novatos, mas isso é somente no início da brincadeira. Graças a uma curva de aprendizado acentuada, as missões não demoram a ficar complexas e dependentes de estratégias bem arquitetadas, já que a sorte dificilmente terá efeito. No game, esse conceito tem um nome: dandori, uma palavra japonesa com múltiplos significados, mas que aqui pode ser definida como “planejamento”.
É interessante como a filosofia do dandori é repetida ao longo da história quase como uma pregação religiosa: a todo tempo, personagens nos recordam da necessidade de se planejar com antecedência antes de encarar cada objetivo. Isso significa que Pikmin 4 parece favorecer os jogadores com mentes mais organizadas, o que pode frustrar quem optar por uma atitude mais livre e fora das regras. Ainda que seja possível cumprir as missões de maneira improvisada, é notável que, quanto mais se explora o mundo de Pikmin 4, mais natural se torna essa busca pela eficiência.
O dandori é colocado à prova principalmente no modo Multiplayer, o qual, da maneira mais Nintendo possível, coloca dois jogadores em tela dividida para uma batalha amigável em uma arena, ao estilo vale-tudo. Ganha aquele que fizer mais pontos em um espaço limitado de tempo, acumulando tesouros e atrapalhando o adversário com os Pikmins à disposição. O clima de caos e imprevisibilidade dos segundos finais acaba remetendo ao modo “Versus” de Mario Kart, tornando essa disputa 1X1 mais uma grata surpresa de um produto recheado de boas intenções.
Considerações
Pikmin 4 é uma ótima adição ao já robusto portfólio do Nintendo Switch, feita para agradar jogadores experientes em busca de longos desafios, mas interessante o suficiente também para crianças e aqueles afeitos a experiências contemplativas e relaxantes – ainda que o nível de desafio crescente possa frustrar em certos momentos.
A combinação de enredo charmoso, excelência técnica, jogabilidade intuitiva e diferentes graus de dificuldade resulta em um jogo democrático cujo maior mérito é fazer o difícil parecer simples. Se você sempre resistiu à notável complexidade de Pìkmin, talvez seja a hora de abandonar os preconceitos e se deixar levar.
Pikmin 4 chega em 21 de julho exclusivamente ao Nintendo Switch.
*Esta análise foi feita em um Switch OLED, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Nintendo.