Metaphor: ReFantazio é jornada épica sobre desigualdade e preconceitos
O novo jogo da Atlus nos leva por uma trama emocionante em meio a caos político
A fantasia é um meio de escapismo para problemas do mundo real. No mundo imaginário, por vezes tudo é facilmente resolvido e o bem sempre supera o mal, atiçando o desejo de que aquilo se torne real. No entanto, Metaphor: ReFantazio, novo RPG da Sega/Atlus criado pelas mentes por trás de Persona e Shin Megami Tensei, apresenta uma abordagem única e envolvente que desafia essas expectativas.
Semelhante a seus antecessores, o jogo aborda temas que são vistos diariamente em jornais e manchetes. Problemas do cotidiano, desigualdade social e preconceito com raças e religiões são algumas das dificuldades retratadas no jogo, mas sempre misturados no contexto de uma narrativa fantasiosa.
Um reino sem rei
A proposta do Metaphor: ReFantazio se distancia dos padrões das histórias de fantasia, sem ser a clássica jornada do herói prometido. Controlamos um jovem Elda, uma tribo marcada pela igreja poderosa do local por acreditarem que eles herdaram uma magia perigosa e profana. Sua missão é quebrar uma maldição imposta ao seu melhor amigo que também é o príncipe do reino - dado como morto após um atentado.
Antes mesmo de ir para o menu inicial, já somos agraciados com uma das muitas cenas em anime no jogo, em alta qualidade e muito bem animadas. Temos já nessa primeira parte um vislumbre do principal antagonista e vemos o assassinato do rei que virá a ser responsável pelo torneio de sucessão mesmo após a morte, o que se torna o coração da trama.
Para concluir a missão, nosso herói e seus aliados precisam participar deste torneio, com o protagonista como candidato a sucessor ao trono. No decorrer da aventura, somos apresentados a vários concorrentes, com seus próprios ideais e visão de um reino perfeito. Uns defendem os direitos dos animais, outros afirmam que a força precisa estar acima de tudo e tem até mesmo quem acha que devemos separar as pessoas bonitas das feias. As regras do torneio são parecidas com uma eleição: até a data limite imposta, aquele que tiver mais popularidade e seguidores se tornará o novo rei.
Os companheiros que te acompanham durante a jornada são mais uma prova de como a Atlus é excelente em criar narrativas. Alguns deles facilmente vão te emocionar e arrancar risadas. Cada um carrega seu fardo pelo passado cheio de conflitos e as consequências que o levaram para o presente, criando um senso de companheirismo para o jogador nos momentos em que pedem para conversar.
Cada parceiro tem uma história distinta. Strohl é um jovem de família nobre que se encontra perdido após perder toda sua vila, Hulkenberg, uma cavaleira honrada que falhou em sua principal função, entre vários outros que cruzam o nosso caminho.
Já nosso personagem tem um árduo caminho para tentar convencer os habitantes das cidades de que deveria se tornar o próximo rei, um caminho marcado pelo constante preconceito com o fato de pertencer a uma tribo marcada. Durante alguns momentos da minha jornada, entrando pelas ruas e vielas do jogo, era possível ler comentários de baixo calão sobre isso. Em outra ocasião, um morador parou meu personagem e questionou por que um Elda estava tentando virar um rei, uma indagação constante, até mesmo de vendedores, que chegam a se recusar a vender suas mercadorias para a minha raça - uma das várias dentro de um sistema de “castas” deste universo.
Diferente dos últimos jogos da Atlus, dessa vez o protagonista tem voz. Mesmo as opções de diálogo sendo bem simples e diretas, com exceção de uma cena ou outra, foi uma adição mais do que bem-vinda, especialmente com a proposta de conversar com o povo e ganhar popularidade pelos locais que visitamos.
Um mundo vasto de muitas histórias
A trama se passa no Reino Unido de Uchronia. Os cenários criados pelo time da Atlus são dignos das melhores histórias de fantasia que você já viu. As cidades são detalhadas e mostram nas suas entranhas como a desigualdade é gritante neste mundo, onde mesmo nos muros mais ricos de Euchronia há moradores de rua e pedintes por todos os lados.
Para viajar por este mundo mágico, contamos com dois meios de transporte: o trotador couraçado, que serve como uma base móvel, e o teletransporte. Cada um traz seus benefícios. O trotador permite aprimorar algumas das suas virtudes, passar tempo com seus seguidores e aumentar o vínculo com eles, mas cada uma dessas ações gasta seu dia no jogo. Já o teletransporte possibilita visitar cada cidade sem a necessidade de perder esse tempo, que é o bem mais precioso nos universos da Atlus.
Dentro das cidades é possível usar sua espada flutuante como uma espécie de skate para se mover mais rápido. No começo, até que foi bem divertido usar o recurso, mas após desbloquear o teletransporte, usar a espada para se locomover acabou se tornando praticamente inútil, visto que é possível se teleportar a qualquer momento direto para as construções e lojas marcadas no mapa.
Uma pequena decepção foi com os locais vizinhos das cidades principais que se pode visitar. Logo quando pude viajar para outras cidades, a primeira opção liberada foi ir até uma pequena vila. Lá, pude perceber que a interação se dava por imagens estáticas e texto, como em uma “Visual Novel”. Infelizmente, tive uma quebra de expectativa, com o longo tempo de produção de Metaphor, esperava poder explorar esses locais como as grandes cidades permitem.
Nestas cidades maiores é o oposto, com mais exploração. É possível encontrar várias missões secundárias que aumentam sua popularidade. Ao ajudar alguns NPCs, é possível acessar dungeons extras e as vilas que ficam por perto. Ainda é possível realizar caçadas, com prêmios maiores, visitar tavernas e comprar dicas que contam as fraquezas dos alvos e detalhes das masmorras.
Em relação à interação entre os membros do grupo, Metaphor conta com um sistema parecido com o Social Link da franquia Persona, onde se gasta tempo com seus companheiros para ganhar melhorias no campo de batalha ou mesmo em sistemas como exploração e inventário. Alguns destes personagens estão espalhados pelas cidades, com missões próprias. Após concluí-la e iniciar o laço de amizade, é possível evoluir o vínculo conforme se progride na história.
Desta vez temos apenas cinco dias na semana para ditar nosso ritmo dentro jogo. Para aqueles que gostam de passar o tempo conversando e evoluindo pode ser bastante frustrante, já que, em alguns momentos da história, o jogo toma as rédeas e demora para te dar o controle novamente.
A evolução do combate por turno da Atlus
A Atlus possui as principais franquias de RPG com combate por turno na atualidade, e mesmo assim conseguiram evoluir algo que já era bom. Em Metaphor, o combate é dividido em duas formas: uma de ação em tempo real e o clássico combate por turnos. À primeira vista, o combate de ação pode até fazer você se lembrar do que já é utilizado em Persona e Shin Megami Tensei para definir a iniciativa das lutas, mas o grande diferencial se dá na possibilidade de continuar atacando. Se o inimigo for fraco, morre na hora. Se for do seu nível ou mais forte, entra em desvantagem no combate clássico por turno — levando dano antes mesmo do primeiro ataque e ficando paralisado.
Já a dinâmica deste combate por turnos funciona exatamente do jeito que se espera. Uma novidade é que agora é possível mudar os personagens de posição durante as lutas. Dá para ir até a linha de frente ou recuar para a retaguarda. Ir para frente aumenta o dano físico e diminui a defesa, enquanto ir para trás faz exatamente o oposto. Usar essas funções dependerá bastante da sua estratégia e de qual Arquétipo estiver usando, o que adiciona uma camada a mais de tática.
No universo de Metaphor não possuímos os demônios para auxiliar durante as lutas e sim os chamados Arquétipos. Eles funcionam de maneira parecida com os Personas, levando em consideração suas vantagens e desvantagens em relação aos diversos tipos de ataque do jogo, mas dessa vez é possível trocar até mesmo quais deles os nossos companheiros usam. Esse sistema é mais parecido com aquelas classes tradicionais de outros RPGs, como os clássicos Guerreiro, Cavaleiro, Mago, Ladrão e também outras bem mais exóticas, como a de Mercador ou Farsante. Essa variedade enorme aumenta muito o fator replay do jogo e dá frescor ao gameplay mesmo após dezenas de horas jogadas.
Os arquétipos também possuem um sistema de “síntese”, que é quando dois ou mais arquétipos podem combinar seus golpes, criando um ainda mais poderoso. O novo golpe acaba sendo útil em diversos momentos da jogatina, mas esvazia mais rápido a sua mana e consome mais uma ação no seu turno, algo parecido com o que rola em Shin Megami Tensei V.
Dependendo de qual Arquétipo estiver usando durante as dungeons, o combate de ação pode ser meio frustrante, uma vez que o protagonista ataca de forma diferente. Classes como Mago e suas variantes acabam sendo prejudicadas pela necessidade dos golpes serem efetuados bem próximos do inimigo e de forma lenta, dando abertura para emboscadas e maior dificuldade para evitar combates.
Considerações
Em uma geração onde franquias novas são mais raras, Metaphor: ReFantazio vem como um alívio e um lembrete de que os estúdios devem sim sair da zona de conforto e criar novos universos. Com uma campanha emocionante, um dos melhores combates por turno da atualidade e dezenas de horas para serem jogadas, o jogo tem de tudo para se tornar um dos próximos pilares da Atlus.
Metaphor: ReFantazio será lançado em 11 de outubro para PC, PlayStation 4, PlayStation 5 e Xbox Series X|S.
Esta análise foi feita no Xbox Series X, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Atlus.