Entenda por que Bloodborne é o jogo favorito do criador de Elden Ring
De inspirações em Lovecraft à uma jogabilidade diferente dos outros games da FromSoftware, entenda a obra-prima de Hidetaka Miyazaki
“Se eu fosse dizer qual ficou no meu coração, é Bloodborne. É o que mais me marcou. Acredito que fiz do meu jeito, do jeito que sempre quis." As palavras de Hidetaka Miyazaki em entrevista ao Gamespot na BGS 2019 podem até surpreender, mas revelam que o criador de Elden Ring tem um filho favorito. Mas afinal: o que torna o exclusivo de PlayStation tão fascinante?
Lançado em 2015, Bloodborne é o primeiro grande projeto de Miyazaki após Dark Souls e levou a FromSoftware a se aventurar por um cenário gótico e vitoriano que, embora permanecesse brutal e imperdoável, é bem diferente do clássico medieval visto na franquia Dark Souls. É indiscutível que o jogo se beneficia da reputação construída por seus antecessores, mas ele consegue revolucionar a saga, construir uma identidade própria marcante e não é considerado por muitos como o melhor Soulsborne já lançado por coincidência.
Aproveitando a expectativa que antecede o lançamento de Elden Ring, que acontece no final de fevereiro, o Game On traz uma série de matérias especiais sobre os jogos desenvolvidos por Hidetaka Miyazaki, um dos maiores nomes da indústria.
As influências de Miyazaki
Caminhar pelo cenário sombrio e opressor das ruas de Yharnam pode parecer assustador, ainda mais em uma noite de caçada, mas aos poucos também se torna uma espécie de recompensa. A arquitetura vitoriana do jogo é magnífica e inspirada em países do leste europeu, como Romênia e República Tcheca, e não é difícil perceber que o clima gótico é influenciado por obras como Drácula, de Bram Stoker. Mas as inspirações vão além, principalmente na segunda metade do jogo.
Se em vida H.P. Lovecraft nunca fez muito sucesso, o autor que chamava seu próprio estilo de "Cosmicismo" hoje é considerado um dos maiores nomes do gênero horror. Duas de suas maiores obras, O Chamado de Cthulhu e Nas Montanhas da Loucura, estão muito bem representadas em Bloodborne: a lore do jogo envolve enormes seres cósmicos, os chamados Great Ones (Eminentes), que são uma clara referência aos Great Old Ones de Lovecraft. Além disso, nos contos do autor nunca fica clara a razão pela qual os Great Old Ones estão ali, como se os humanos não fossem capazes - ou sequer dignos - de entender sua presença, algo também visto no jogo.
Uma das bases do cosmicismo de Lovecraft é a insignificância humana perante o universo e os seres cósmicos. Em seus livros, não é raro nos depararmos com criaturas que vão além da compreensão, criaturas que são capazes de nos enlouquecer com facilidade. Bloodborne reproduz essa incompreensão de uma forma especial, através de uma mecânica chamada de discernimento. Através dela, sempre que presenciamos alguma situação anormal, ganhamos discernimento, que serve como uma espécie de moeda de troca. Mas o mais interessante é que ao acumular discernimento, nos deparamos com cenários diferentes, com detalhes inéditos, como se o mundo fosse aos poucos se revelando e fossemos enlouquecendo ao lado de nosso Caçador.
O medo do desconhecido
A atmosfera do jogo contribui para causar inquietação, ansiedade e medo. Este que é o tema central de Bloodborne, o medo do desconhecido. E qual é a melhor forma de encará-lo?
Miyazaki deixa isso claro ao esnobar os escudos e substituí-los por uma arma de fogo. A escolha de descartar o único escudo do jogo - inútil, diga-se de passagem - vai além de uma decisão de design e é, também, temática: a única forma de enfrentar seus próprios medos é encarando-os - se esconder não trará resultados.
De todos os jogos da FromSoftware, Bloodborne é o único que incentiva e premia um estilo mais agressivo: é preciso agir rapidamente em combate, as batalhas são em um ritmo acelerado, seus inimigos são mais cruéis, muitos tornam tudo desesperador, mas sempre há brechas. O estilo estratégico de Dark Souls é abandonado, devolver um golpe rapidamente permite até mesmo recuperar uma parcela de vida.
Antes de tudo, uma experiência soulslike
Por mais que Bloodborne esteja fora do padrão estabelecido por Demon's e Dark Souls, o jogo não foge das características que encantam muitos e enfurecem outros. É um jogo difícil, brutal e impiedoso. Seus erros serão punidos, distrações não serão perdoadas e as batalhas contra os chefes serão longas, intimidadores e, acima de tudo, recompensadoras: derrotar um chefe após algumas horas se adaptando aos seus movimentos e se acostumando com a frustração traz uma sensação que poucos jogos proporcionam.
Além disso, a história é elusiva. Bloodborne até apresenta fatos concretos, mas deixa perguntas que só serão respondidas para os jogadores mais curiosos, atentos aos detalhes de cada item, de cada criatura. Preencher as lacunas de uma história ambígua exige também imaginação, que será um fator determinante para absorvermos tudo que o jogo pode proporcionar. Algo característico das obras de um gênio chamado Hidetaka Miyazaki.
Que você encontre seu valor no mundo desperto.