3 games brasileiros que podem ser material lúdico em escolas
Ei, professor, conheça 3 dicas de games brasileiros que ajudam na construção de conhecimento dentro da sala de aula!
Sabia que tem muito game que pode ser usado como material lúdico em escolas? Melhor ainda, jogos brasileiros cheios de referências culturais à história, literatura e arte de nosso país. Por meio das técnicas de narrativa e mecânica de jogo, eles são capazes de incentivar o interesse dos alunos em campos multidisciplinares.
Vale destacar que a nossa seleção não é de jogos educacionais, mas sim de obras de entretenimento que agregam ao conhecimento. São 3 títulos sensacionais para jogar e aprender!
Games em escolas: o jogo como mídia impulsionadora de conhecimento
A palavra lúdico vem da palavra ludus, que significa jogo ou divertimento na língua latina, referindo-se à função de brincar, de jeito livre e individual, e jogar, com relação a uma conduta social que supõe regras.
É um conceito que está longe de ser novidade, com experiências e análises de resultados que o comprovam como metodologia pedagógica. A professora e mestra em linguagem, mídia e arte, Ana Flávia Martins, afirma que, se for da vontade do professor, qualquer jogo pode ser usado como material lúdico, a fim de tornar as discussões mais interativas. “Por mais que um jogo não tenha narrativa, como o Tetris, por exemplo, todos eles têm um potencial enredo para ser extraído e ser aplicado na realidade daquilo, seja o que for, que os alunos estão estudando”.
Segundo Ana Flávia, existem menções honrosas que, além de possuírem os parâmetros do que determina um jogo, ainda carregam em si elementos capazes de encantar narrativamente crianças e jovens que estão entrando em contato com a cultura brasileira. “Games contemporâneos com temática nacional são ferramentas incríveis para tornar a aprendizagem mais eficiente e educativa para professores de várias disciplinas”, comentou.
Dandara
Dandara é uma jornada metroidvania em 2D que usa símbolos para o jogador ter um vislumbre de quem foi Dandara dos Palmares, uma importante figura histórica e de luta da mulher negra, aparecendo sempre ao lado do líder quilombola Zumbi dos Palmares. Seu objetivo é dado logo nos primeiros momentos de jogo: resgatar os oprimidos do esquecimento e lutar por liberdade.
O game passa por cenários urbanos destruídos, invadidos pela natureza, ou áreas mais desérticas e tropicais, nos quais a protagonista se depara com elementos brasileiríssimos, como as placas de “PARE” e caçambas de lixo parecidas com as presentes nos grandes centros urbanos nacionais.
Os desenvolvedores João Brant e Lucas Mattos, do estúdio mineiro Long Hat House, são responsáveis pelo título focado em entretenimento, utilizando da história de Dandara como a roupagem do que se tornou um grande título entre os games indies brasileiros. “Hoje, o jogo tem esse papel de apresentar elementos da nossa cultura como história e literatura, por exemplo. Só jogando, não dá para saber com propriedade quem foi Dandara, mas acredito que muita gente pesquisou após jogar o game”, comenta Brant.
Porém, o mérito de ter criado uma obra capaz de conversar com alunos não deve deixar de ser mencionado, já que o jogo é um show visual de elementos simbólicos que cercam a luta contra o sistema escravista. Sem contar o papel de ter disseminado a história de uma heroína brasileira por todos os cantos do mundo com excelência em jogabilidade. “Para o brasileiro, é uma questão de reconhecimento. Ver uma figura nacional em jogos desperta ainda mais curiosidade em nós”, afirma Mattos. Portanto, Dandara se destaca aqui principalmente ao escolher sua protagonista, historicamente uma guerreira que, tanto na história quanto nas narrativas do jogo, escolhe sempre a morte à escravidão.
Dois anos após o lançamento, foi feita uma grande atualização com Dandara: Trials of Fear Edition. O conteúdo do jogo quase dobrou nesta atualização gratuita para quem já tinha o jogo. Isso trouxe ainda mais reconhecimento ao título, premiado como o Melhor Jogo da Apple TV de 2020 pela própria Apple. Disponível na Steam, PlayStation Store, Xbox, Google Play Store e Apple Store.
A Nova Califórnia
A Nova Califórnia é mais um dos jogos digitais que apresenta aspectos além do entretenimento, mesmo sem intenção. Baseado na obra de Lima Barreto, é um jogo de aventura que foca em diálogos como parte da resolução de puzzles, desenvolvido por Tainá Félix e Jaderson Souza, que juntos comandam a produtora Game e Arte.
Assim como a obra de um dos maiores escritores da literatura brasileira e precursor do realismo, o game acompanha a chegada de um novo morador com ideias estranhas numa cidade pacata do interior do Rio de Janeiro. O visual é simples e divertido, com muitas referências da cultura brasileira do início do século XX, desde a arquitetura e música até a vestimenta. Esses já são alguns dos pontos interessantes para serem trabalhados em sala de aula.
Partindo para questões mais profundas, é possível abordar a interpretação de situações por meio dos diálogos curtos que rolam no game. Assim, diversas visões e opiniões diferentes podem ser colhidas para serem debatidas entre os alunos. Mais uma vez o jogo traça um paralelo com o conto homônimo de sete páginas: trata de maneira bem-humorada a capacidade do ser humano de cometer atos horríveis em busca de riqueza.
Em conversa com a Tainá, ela explica que apesar de ser baseado num conto da literatura brasileira, o jogo não foi pensado como objeto educativo, mas que é possível obter conhecimento a partir da vivência estética. “É muito bem vindo quando recebemos mensagens e fotos de professores que estão usando nosso trabalho para falar de Lima Barreto. É mais uma mídia que pode ser potente na construção de conhecimento, seja sobre uma questão histórica ou simplesmente o fato de jogar junto para desenvolver cooperação”.
Um dos trabalhos pontuais que colocam a obra junto aos seus desenvolvedores como potencializadores do conhecimento é a circulação local do jogo. Periferias, ONGs, espaços culturais e outras instituições “onde a gente encontra abertura para falar de videogame, de Lima Barreto e sobre o processo de construção independente. Como é possível construir um jogo de um jeito simples e não precisa necessariamente estar envolvido com high-technology. Tem a ver de fato com a experiência do jogador e da jogadora”, diz Tainá.
Os educadores ficam bastante livres para pegar essa experiência e aplicar de formas diferentes. Segundo a desenvolvedora, professores de literatura já aplicaram a seguinte dinâmica: uma parte da turma joga enquanto a outra lê o conto, para depois observar qual é a percepção dos alunos em cada tipo de mídia. Ou seja, a experiência do jogo acrescenta uma camada na relação do interlocutor com a obra — não substitui a leitura.
“Você não está apenas lendo, você está vivendo aquilo. E esse viver que o jogo traz é muito potente. Acho que complexifica a relação que as pessoas têm com a literatura porque é mais uma maneira de acessar esse conteúdo. É muito importante para nós conversar sobre isso e ter o jogo como mais um espaço de conversa sobre as atualidades, sobre os problemas sociais, e claro, sobre as soluções”, finaliza.
O jogo está disponível na Steam.
Árida: Backland’s Awakening
Baseado em acontecimentos históricos, Árida: Backland’s Awakening é um jogo 3D de sobrevivência que coloca a fome como um dos principais antagonistas na jornada de Cícera, a protagonista que atravessa o sertão sozinha em busca do Arraial de Canudos, ou “a terra onde sonhos habitam”, como é citado diversas vezes na narrativa.
Feito e distribuído em 2019 pela produtora baiana Aoca Game Lab, Árida é uma experiência que demanda do jogador a captação de recursos e a utilização de uma série de ferramentas para sobreviver no sertão brasileiro do século XIX. O verídico se encontra exatamente na seca devastadora que conseguiu arruinar determinados locais, o que forçou muitos habitantes a saírem dali em busca de melhores horizontes, assim como é contado em grandes obras nacionais como Os Sertões e Vidas Secas.
Falando em jogabilidade, uma das principais mecânicas do jogo é o salvamento, feito através de uma prece no oratório, local que Cícera é realocada caso morra de fome ou de sede, o chamado “checkpoint”. Assim, já observamos que muito da dinâmica faz uso de elementos que remetem aos costumes e religiosidade do sertanejo.
Em sala de aula, esse ponto da história em que as pessoas buscavam melhores lugares para se viver pode ser colocado como o antecessor a um dos maiores eventos históricos do Brasil. O destino almejado por Cícera é Canudos, onde um dos maiores massacres do povo brasileiro aconteceu.
Sem contar na imensidão de conhecimento sobre a cultura sertaneja que pode ser aprendida ali. Vemos objetos, alimentos e dialetos como cajuada, cabaça, coroa-de-frade e muitos outros que não são de conhecimento de outras regiões.
O jogo é mais uma maneira de entender a luta e o constante estado de resistência que o povo brasileiro viveu e ainda vive. E claro, celebrar a cultura múltipla do nosso país. Está disponível para PC na Steam.