Entenda toda a história de Metroid
Metroid foi um dos jogos mais influentes das últimas décadas; com o anúncio de Metroid Dread, é importante retomar a história da franquia.
A Nintendo Direct exibida no dia 15 de junho de 2021 pegou muitos de surpresa com o anúncio de Metroid Dread, nova aventura 2D de Samus Aran, lendária personagem da Big N. 19 anos depois de sua última aventura 2D inédita, Metroid Fusion, ver a cronologia da série avançar é um sonho realizado para muitos fãs, inclusive esse que vos escreve.
Mas, junto disso, muitas pessoas que estavam assistindo ao evento provavelmente não entenderam o real impacto do anúncio. Nesse especial, pretendemos explicar a série como um todo, mas focando somente em seus jogos 2D. No caso, a série Prime e Other M não serão abordadas.
Origens
Quando o NES saiu, em meado dos anos 80, game design como um todo ainda estava dando seus primeiros passos. A maioria dos jogos existentes na época seguiam o modelo de fliperamas, ou seja, jogos com jogabilidade repetitiva onde o principal objetivo era atingir uma pontuação maior que a registrada anteriormente.
Grande parte da dita revolução trazida pela Nintendo para os jogos, em especial, foi por sair desse modelo. Super Mario Bros. trazia a experiência de ir progredindo por mundos e fases de forma contínua, The Legend of Zelda dava liberdade ao jogador em não só seguir para frente (embora que, nesse primeiro jogo, a liberdade era tanta que mais parecia que o usuário se perdia).
Porém, embora ambos os títulos fossem diferentes, existia alguma semelhança entre eles que poderia ser aplicada de forma conjunta. Foi assim que, junto de inspirações fortes da famosa série de filmes Alien, Metroid nasceria. Sendo feito pela equipe Nintendo R&D1, o jogo mesclaria a exploração de Zelda com a jogabilidade de plataforma de Mario.
Quando o título saiu, em 1986, foi recebido como um sucesso, pela atmosfera do planeta Zeebes, a engenhosa progressão de pegar itens para poder passar por novas barreiras e, por fim, a grande surpresa: a protagonista. Terminando o jogo em um tempo abaixo de quatro horas, a armadura de Samus era retirada revelando uma figura feminina trajando roupas de banho.
Confesso que olhando sobre uma ótica moderna, a necessidade dela estar com esse tipo de roupa é sexista, mas olhando pela época, o jogo quebrou vários padrões, principalmente por Samus ser uma das primeiras protagonistas femininas dos games - e, até hoje, continua sendo uma das mais famosas.
Em 2004, um remake do título foi lançado para o Game Boy Advance. Chamado Metroid Zero Mission, o jogo reimagina o primeiro título como se tivesse saído na época do Super Metroid. Honestamente, a menos que por valor histórico, não há porque atualmente retornar ao primeiro título sem ser em seu remake.
O segundo título
É com uma música com tons irritantes e desesperadores que Metroid II mostra sua cara pela primeira vez. Está lá a tela de título, o logotipo e a música que, talvez, seja uma das peças sonoras que mais me irritam nos videogames. Não por ela ser ruim, muito pelo contrário. O tom desesperador é com toda certeza ótimo, mas acho que nenhuma trilha define tão bem a solidão de Metroid II como essa música.
Por mais que o primeiro Metroid já seja um jogo que conta com uma atmosfera pesada, o segundo leva isso a um novo nível. A missão de Samus é exterminar uma raça, no caso, os titulares metroids, para impedir que sejam usados como as terríveis armas de destruição que eles têm potencial de ser. É com isso em mente que Samus vai até o planeta SR388, com o objetivo de, no fim, sair de lá com uma preocupação a menos para a galáxia.
Dada a temática, o jogo muda um pouco de figura em seus momentos iniciais. Uma música animada lhe acompanha enquanto você anda pela superfície do planeta até achar seu primeiro metroid. O contador de metroids indica que ainda existem 39 no planeta. Quando você elimina aquele primeiro, o número cai para 38 e um terremoto acontece, abrindo uma passagem que, anteriormente, não estava disponível.
É nesse momento que o jogo já te dá todas as informações necessárias, e começa de verdade. Sai a música animada, entra uma balada mais aos moldes da música desesperadora de título. Daqui para frente, a jornada só piora.
E Metroid II: The Return of Samus é justamente interessante por causa disso. Ele é o mais linear dos jogos da franquia, mas ainda assim é suficientemente aberto para você se perder. Ele tem uma progressão óbvia dividida por áreas, que só são liberadas depois de você exterminar um certo número de metroids naquela área, que são como pequenos mundos onde a linearidade é praticamente nula.
Você sabe onde é o final da área pela coluna de lava ali presente, não permitindo sua passagem, mas pode se perder tentando achar os passos necessários para fazer a lava sumir, permitindo progresso. É um experimento interessante e paradoxal, mas ainda assim único e, para muitos, torna a experiência mais interessante.
E tudo isso unido ao fato que este jogo é do pequeno notável original da Nintendo, o Game Boy. Observe, sem o Color. Além do poder obviamente inferior em relação ao Nintendinho, o console não gerava cores. Metroid II é um jogo totalmente preto e branco — parte muito importante de sua atmosfera.
Metroid II também recebeu um remake, em 2017. Feito pela empresa espanhola MercurySteam, que também está responsável por Metroid Dread; ele é um jogo fantástico, embora bem diferente do original. O principal ponto é que a sensação de solidão não está mais tão presente, mas é uma interessante primeira tentativa para adaptar a série para os jogos mais modernos.
O super jogo
Dos 3 primeiros títulos da franquia, é bem possível que Super Metroid seja o mais importante deles. Ao contrário de muitos jogos de sua época, Super Metroid tem todo o jeito de ter sido algo marcante e épico. Desde sua introdução pesada até sua conclusão cinematográfica, o jogo de Super Nintendo utiliza técnicas pouco aproveitadas para se tornar um jogo atemporal. Quase todos os aspectos visuais e sonoros do jogo permanecem funcionais até hoje.
Talvez o mais impressionante de Super Metroid é como ele consegue ser intuitivo para qualquer jogador, coisa que os dois títulos anteriores pecavam e muito. Utilizando menos texto, até que Super Mario World, o terceiro episódio da série de Samus consegue ser mais complexo, mas mesmo assim extremamente intuitivo.
A cena inicial do jogo, na estação Ceres, permite ao jogador conhecer o básico da movimentação e combate do jogo sem se preocupar com inimigos até o confronto com Ridley, uma luta-tutorial que não pode ser vencida. Terminado esse processo, o jogador já aprendeu todo o básico do jogo.
Ao seguir Ridley para Zebes, o mesmo planeta onde ocorreu os eventos do primeiro Metroid, o jogo mostra sua genialidade: tudo que está disponível ao jogador serve como dica para saber aonde ir, e cada item encontrado na jornada faz com que o jogador queira reexplorar áreas passadas para descobrir algum segredo. É fantástico. Não por menos, Super Metroid, junto de Castlevania: Symphony of the Night, é considerado o criador do gênero Metroidvania.
A tentativa do horror
O final de Super Metroid é um dos momentos narrativos mais marcantes dos videogames na era 16 bits, e é impressionante pensar que isso foi atingido sem um único uso da caixa de diálogo. Um momento simples, bem desenvolvido e emocionante que acontece majoritariamente por meio de ações. Isso, de forma alguma, era novidade para a série Metroid, pois Metroid II: Return of Samus tinha o nascimento do último membro da raça dos metroids em uma cena com o mesmo tipo de condução, em que você entende muito bem o que está acontecendo sem precisar que te contem a partir de palavras diretas.
Oito anos depois da obra-prima do Super Nintendo, recebemos o título seguinte da série: Metroid Fusion. Lançado para o Game Boy Advance em novembro de 2002, o jogo era o tão aguardado retorno da franquia depois de sua ausência no Nintendo 64. A expectativa estava a mil e o jogo tinha um legado enorme para honrar. Qual não foi a surpresa de muitos ao ver que o jogo, por mais que tivesse inúmeras semelhanças com Super Metroid, de alguma forma ainda conseguia ser completamente diferente?
Metroid Fusion é um jogo excelente. A despeito da espera de oito anos para um novo título, ele é tudo que os fãs poderiam pedir, mesmo contando com modificações drásticas em relação à experiência normalmente encontrada na franquia. A franquia, como um todo, sempre passou uma sensação de solidão. Samus sempre está sozinha em sua jornada.
Sem a solidão, o já citado final de Super Metroid talvez não fosse tão forte: pela primeira vez em três jogos, ela não está sozinha. O bebê metroid, vendo-a como mãe, não deixou que ela enfrentasse o caos da Mother Brain por si própria. Uma cena pesada e emocionante que coloca em perspectiva toda a solidão dos jogos, e como, algumas vezes, ter companhia é importante.
Metroid Fusion muda a forma que a narrativa é apresentada, e com isso exclui a solidão. Neste jogo a missão de Samus é muito mais definida que nos anteriores: ela não está só explorando um planeta — ela está explorando uma estação espacial enquanto segue várias diretrizes do computador de sua nave.
Tais diretrizes direcionam a caçadora de recompensas para as mais variadas partes do planeta e, embora possa soar como qualquer outra aventura da série, isso apresenta uma mudança clara: não existem mais inúmeras formas de contornar um problema, uma situação.
Agora Samus está presa sob ordens, e assim explora um caminho linear. Isso tira um pouco da relação pessoal de cada jogador, agora obrigatoriamente todos irão passar por um mesmo caminho, mas ao mesmo tempo serve para uma experiência mais condizente com um videogame portátil. Em sessões pequenas de jogo você consegue fazer um progresso maior que se fosse algo no exato estilo de Super Metroid.
Mas a principal mudança em Fusion não é a linearidade. Por limitações e por questões de “imersividade”, vários jogos antigos tornavam seus protagonistas em personagens sem personalidade — como se eles fossem somente uma representação gráfica de seus jogadores. Conforme a mídia foi progredindo, os desenvolvedores começaram a querer transformá-los em algo mais, em condutores reais da história. Isso gera certos problemas quando você pensa em idealização e imersão.
Séries que se definiram com seus protagonistas silenciosos vão sofrer reclamações por estarem quebrando uma característica plenamente estabelecida. Isso ocorre em Metroid Fusion e em seu novo estilo de narrativa, que retira o status de Samus Aran como simples avatar para os jogadores e a transforma em uma personagem plena.
Sua relação com seu computador, que remete muito ao comandante Adam, um velho amigo seu, explora várias facetas da personagem e vai desconstruindo cada vez mais a natureza solitária de Samus, que, para muitos, era a sua característica mais marcante.
Mas aí entramos em uma discussão maior: as características aparentemente estabelecidas em Super Metroid e em outros jogos nunca foram embasadas ou concretas — quando falamos delas, todas são suposições e impressões nossas, pessoais. Isso se encaixa muito em algo chamado “idealização”. No fim, todos idealizaram uma Samus a partir da protagonista quieta que conheciam, sendo que nenhuma delas é mais verdadeira que a outra.
Fusion define uma situação real, tirando essa possibilidade da multiplicidade de impressões. Agora, ela tem características indiscutíveis e não teorizáveis, o que a torna mais completa. Por mais chato que pareça, é um passo necessário para o universo da série poder se expandir.
Metroid Fusion também carrega o peso de ser o último jogo da série, cronologicamente falando. Tudo que saiu da série de 2002 para cá em nenhum momento se passou depois dos eventos contados aqui. O anúncio de Metroid Dread é importante também por isso: após 19 anos, finalmente chegou a continuação.