Ghost of Tsuhima é divertido, mas parece um jogo inacabado
Game da Sucker Punch não traz nada de novo e fecha a geração PlayStation 4 de maneira morna
O último exclusivo do PlayStation 4, Ghost of Tsushima, que chega ao console em 17 de julho, tem uma árdua missão: fechar a atual geração de consoles menos de um mês depois do grandioso The Last of Us Part II — que, mesmo com outra proposta, elevou nosso grau de criticidade a um alto nível.
Em alguns momentos, o novo título da Sucker Punch consegue. Andar a cavalo na ilha de Tsushima, durante o período feudal do Japão, é uma delícia: os cenários são belíssimos e com uma vasta variedade de biomas, os quais rendem imagens espetaculares à la filmes do cineasta Akira Kurosawa. Também há inúmeros momentos contemplativos, em que você saúda templos e compõe haikus (poemas curtos). O combate é singular e contém várias habilidades, posturas de luta e técnicas desbloqueáveis.
Já em outras ocasiões, o game tropeça muito, e passa a impressão de ser um Assassin’s Creed modificado e finalizado às pressas: bugs aos montes, gráficos aquém do esperado, personagens rasos, inteligência artificial tosca e missões secundárias repetitivas que se resumem a seguir pegadas e acabar com inimigos irrelevantes.
Essas duas facetas de Ghost of Tsushima ficam alternando entre si. Temos um game divertido, mas que poderia ser melhor aproveitado caso fosse desenvolvido e lançado daqui a alguns meses — ou alguns anos atrás. Destrincho os porquês nos próximos parágrafos.
Um herói sem sal
O game apresenta uma releitura do Japão feudal de 1274, época em que ocorreu a primeira invasão do Império Mongol. O ataque, que realmente aconteceu na vida real, foi iniciado na ilha de Tsushima; na época, uma importante rota comercial e ponto militar graças à sua localização privilegiada, entre a Coreia e o arquipélago japonês.
O game se inicia com este conflito, mostrando como os samurais perderam a batalha para os mongóis. O único sobrevivente é Jin Sakai, um samurai que quer livrar sua terra dos conquistadores e libertar seu tio e professor Shimura, raptado pelo antagonista mongol Khotun Khan.
Missões complexas, porém, exigem medidas igualmente complexas: Jin foi treinado à base do código de honra dos samurais, que exige confrontos frente a frente e matanças olho no olho. Invadir o território que outrora fora seu exigirá aliados excepcionais — como uma ladra e um bando de mercenários, por exemplo — e atitudes sorrateiras, não tão dignas de um samurai. Daí o nome “fantasma” no título.
Embora tenha uma história promissora, o game peca pela falta de profundidade. Nosso protagonista reluta em aceitar que precisará agir como um assassino às sombras num primeiro momento, mas, depois da primeira morte (e do primeiro baque emocional), tudo fica bem: uma pilha de corpos de personagens irrelevantes vai se erguendo enquanto Jin se torna uma lenda urbana, sem quaisquer consequências emocionais ou psicológicas. Não há nem uma espécie de régua que mostre ao jogador os caminhos que Jin trilha, como em Infamous, game também produzido pela Sucker Punch. Nem mesmo os traumas do passado do personagem são capazes de gerar alguma comoção no jogador.
Se o protagonista não impressiona, não dá pra esperar muito dos personagens secundários. Ninguém é tão insuportável ou tão cativante: todos são demasiadamente mornos. Isso reflete nas missões secundárias propostas, as quais se resumem, com poucas exceções, a seguir pegadas, a cavalgar ao lado de um personagem que ninguém se importa e a matar mongóis furtivamente até que alguém note sua presença. Lembrou-me bastante Assassin's Creed.
Ao completar esses contos opcionais, o jogo lhe presenteia com o fortalecimento da lenda de Jin. Contudo, levar horas completando missões repetitivas fará com que você pense pelo menos duas vezes antes de embarcar em alguma.
Lutar como samurai ou fantasma? Os dois!
O destaque de Ghost of Tsushima vai para o combate. Ao longo de sua trajetória, Jin vai aprender quatro tipos de posturas de luta diferentes, cada uma útil contra um tipo de inimigo (lanceiro, escudeiro, espadachim ou brutamonte). Você precisará trocar rapidamente entre cada postura quando estiver cercado por mongóis ou bandidos. Também há um tantô (espada curta), arcos e armas fantasmas, como kunais ou bombas explosivas.
Cada armadura de Jin tem habilidades únicas, e o jogador pode trocá-la a qualquer momento. O protagonista também poderá encontrar amuletos pelo mundo, que concedem ainda mais upgrades.
O game traz um sistema interessante de defesa e ataque que precisam ser feitos no tempo ideal. Dependendo do seu sucesso, você pode matar com um único golpe ou ganhar pontos de determinação, necessários para sua cura.
Elementos do próprio cenário podem ser úteis para eliminar alguns inimigos antes de partir para o combate com espada: você pode tentar atrair vespas ou incendiar inimigos desavisados, por exemplo. Tal diversidade de mecânicas exigirá que o jogador estude e teste cada uma: um ataque mal feito ou uma defesa equivocada podem ser fatais.
O modo furtivo do jogo, entretanto, é um pouco tosco. Explico: quando você chega a um território inimigo, pode desafiá-los a um confronto e matar vários logo de supetão, o que é muito mais rápido. O único momento em que você precisa, obrigatoriamente, utilizar-se do stealth é quando os inimigos mantém cidadãos como reféns; se alguém lhe avistar, eles começarão a matar os prisioneiros até que você os impeça. Isso traz uma dúvida cruel: por que perder tempo espreitando inimigos se eu posso acabar com eles na espada — o que é muito mais divertido?
Aliás, a inteligência artificial dos inimigos que ficam zanzando pelo cenário é tosca demais. Eles são repetitivos, não ouvem nada (mesmo se você pula do telhado para o chão, o que é bem barulhento) e te enxergam com muita dificuldade. Isso sem contar nos frequentes bugs, que os fazem correr em círculos ou desistir de procurá-lo caso você se afaste demais.
As belezas e feiuras de Tsushima
Depois de uma longa batalha, o jogador poderá levar Jin a diversos pontos de interesse: uma fonte termal para refletir sobre os acontecimentos da história, a uma paisagem para compor haikus, ou a templos sagrados, por exemplo. Quem guia você a esses locais são pássaros dourados ou raposas super simpáticas — dá até pra fazer carinho nos peludos. Quando você marca uma localização no mapa, quem lhe mostra o caminho é uma rajada de vento (bem coisa de anime ou filme japonês).
Esses pontos estão espalhados por um mapa estonteante: a natureza é colorida, o vento faz com que as folhas das árvores caiam aos montes no solo, o jogo de sombra e de luz é perfeito e as paisagens são dignas de um lugar paradisíaco — imagino o quanto de dinheiro e tempo que a Sucker Punch investiu para fazer com que as folhas das árvores caíam da maneira mais bonita e delicada possível. Combine isso à trilha sonora tradicional japonesa e o resultado é uma exploração deliciosa.
Em contraste com a beleza natural, você vê com frequência corpos carbonizados e casebres em chamas; afinal, estamos em meio a uma guerra. Toda a beldade do jogo faz referências ao diretor japonês Akira Kurosawa: há inclusive uma opção que deixa a imagem do jogo em tons de cinza e mais granulada.
Enquanto os ambientes externos parecem verdadeiras pinturas, os gráficos dos objetos, dos personagens e dos locais têm baixíssima definição; houve downgrade comparado ao que vimos nos trailers de divulgação. Mesmo as cutscenes não se salvam. Além disso, a movimentação das bocas dos personagens foram feitas a partir da localização em inglês — não consegui jogar o game com a localização em japonês porque ficava aflito com a falta de sincronia da dublagem. Tudo isso me assustou nas primeiras horas de gameplay: um game que fecha a atual geração de consoles com gráficos medíocres não me deixa muito entusiasmado para a próxima.
Caso você goste de explorar mundos abertos e se deliciar com paisagens bonitas, Ghost of Tsushima fará um bom trabalho na sua coleção. Entretanto, creio que o jogo não valha os R$ 249,99 pedidos na PlayStation Store brasileira; quem sabe em uma promoção ou quando chegar um remaster para PlayStation 5. Por enquanto, Red Dead Redemption 2 (2018) ou The Witcher 3: Wild Hunt (2013) são escolhas mais baratas que entregam histórias e missões muito mais gostosas.
Nota final: ⭐⭐⭐
Este jogo foi cedido ao Terra gratuitamente pela Sony. O repórter jogou o título em um PlayStation 4 Slim.