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A E3 vai fazer muita falta

Com o fim do evento, foi a cultura dos videogames que saiu perdendo

20 dez 2023 - 05h00
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Foto: Arquivo Pessoal / Pablo Miyazawa

Agora a E3 morreu mesmo.

A notícia triste foi revelada na semana passada pela Entertainment Software Association, por meio das redes sociais: o mais antigo, maior e melhor evento de videogames do mundo chegou ao fim. Daqui em diante, não existe mais Electronic Entertainment Expo – pelo menos não como a gente a conhecia.

Para quem acompanha o mercado de videogames à distância, apenas como consumidor, tamanha comoção por causa de um evento de negócios não deve fazer muito sentido. Para quem é veterano no assunto ou trabalha na área, a notícia bateu de jeito. Foi como presenciar o fim de uma era. Não que a gente tivesse dúvidas do que aconteceria, dada a situação precária da marca E3 nos últimos anos. Mas havia uma esperança (mínima) de que aqueles bons tempos pudessem voltar.

Tive muitos privilégios trabalhando com games por tanto tempo (sessenta por cento da minha vida, faça as contas). O maior deles certamente foi poder visitar a E3 várias vezes. Na verdade, foram quinze participações desde o ano 2000. Devo ter sido um dos jornalistas brasileiros que mais bateu ponto no Los Angeles Convention Center neste século. Foi ali, e nos arredores, que vivi alguns de meus momentos mais memoráveis nessa indústria vital.

Como já deu tempo de digerir a notícia e não há muito mais o que ser dito (além do que eu já disse), aproveito esta ocasião para recapitular cada uma das E3 que acompanhei presencialmente. Dizem que é melhor deixar tudo por escrito agora do que esquecer para sempre. Sabe como é, o tempo passa e a memória já está começando a falhar.

Começou no ano 2000, quando fiz minha estreia em coberturas internacionais representando a revista Nintendo World. Era tudo muito mais simples, obviamente. A conferência da Nintendo mais parecia uma palestra: aconteceu em um salão de hotel diante de não mais do que 150 pessoas. Para se ter uma ideia, sentei logo na fileira atrás do Shigeru Miyamoto, o maior criador de jogos que já existiu. A proximidade rendeu uma foto e, na festa horas mais tarde, uma conversa com copos na mão (no caso dele, uma caneca com um líquido indefinido), na qual só eu e meu parceiro Eduardo Trivella falávamos. Ele sorriu, simpático e acessível. E topou tirar outra foto conosco, por que não?

Em 2001, ainda cobrindo pela mesma revista, estive na infame apresentação em que a Nintendo revelou o famoso trailer do The Legend of Zelda para GameCube que nunca existiu. Até hoje lembro dos gritos de alegria dos outros jornalistas (é claro que gritei também). Já em 2002, representando também a recém-lançada revista EGM Brasil, visitei minhas primeiras conferências do PlayStation e do Xbox.

Em 2003, não fui, porque estava muito ocupado com outras missões na editora. Voltei em 2004, mas me lembro pouco do evento em si ou dos games que vi e joguei. Minha maior recordação foi ter ficado hospedado no impressionante Renaissance Hotel e me deparar várias vezes com os criadores da Nintendo circulando pelo saguão e no elevador. Também venci um campeonato de Donkey Konga entre a imprensa latino-americana e levei uma máquina fotográfica como prêmio. Até hoje não sei como fiz essa proeza.

A E3 de 2005 certamente foi a maior e também a melhor de todas. A Nintendo World finalmente ganhou o direito de entrevistar Shigeru Miyamoto cara-a-cara, missão que agarrei com alegria ao lado do meu comparsa Fabio Santana. Foi a primeira conversa oficial do pai do Super Mario com um veículo brasileiro. Na mesma viagem, ainda fiz perguntas difíceis para Hironobu Sakaguchi, criador de Final Fantasy, acompanhei uma apresentação de Spore ao lado do gênio Will Wright e troquei ideia embriagado com Reggie Fils-Aimé, que ainda não era o presidente da Nintendo of America.

Em 2006, o clima foi mais descontraído porque as obrigações pareciam menores (ou eu que estava mais acostumado?). Aproveitamos para presentear os grandes ícones dos games com lembrancinhas brasileiras. Nunca vou esquecer da cara do Hideo Kojima recebendo nosso enfeite de mesa decorado com grãos de café. O Miyamoto também deve estar até hoje tentando entender o que fazer com o presente inútil que lhe demos. Foi legal também ter sido apresentado e trocar palavras com o Satoru Iwata, presidente global da Nintendo, uma simpatia em pessoa (que faz muita falta, por sinal).

Em 2007, a E3 sofreu o primeiro grande baque e diminuiu de tamanho drasticamente. Os eventos não aconteceram em Los Angeles, mas nos arredores, em hotéis de Santa Mônica. Sei disso porque me contaram, pois estava às voltas com um novo emprego e não fui. Não que tivesse feito diferença, porque quem compareceu diz que foi horrível.

O ano seguinte foi uma espécie de ressurreição, mas a E3 2008 ainda é considerada uma aberração em sua história (tanto que oficialmente se chamou “E3 Summit”). Pouco menos de cinco mil pessoas compareceram. Estava tudo tão vazio que dava para escutar nossos passos nos corredores do Convention Center. Mesmo assim, lembro como achei mais divertido trabalhar dessa forma (eu estava pela primeira vez por minha conta, cobrindo sozinho para a revista Rolling Stone). É claro, tive aventuras, como dirigir um carrão pela freeway de madrugada após a festinha da Bethesda, sem ter condições legais de fazê-lo (e transportando dois colegas bêbados no banco de trás). Felizmente, os policiais que nos abordaram acharam tudo normal. 

Em 2009, as coisas pareciam voltar aos eixos – traduzindo, uma bagunça total, com a indústria se esforçando para mostrar que estava viva. Foi o ano da mais absurda conferência de imprensa que presenciei, a do Xbox, com as presenças ilustres de Paul McCartney, Ringo Starr, Steven Spielberg e Tony Hawk (na minha lembrança, até o Pelé apareceu). Teve também um show de Jay Z e Eminem para celebrar o DJ Hero. E foi quando rolou minha segunda entrevista com Shigeru Miyamoto, que apesar de mais curta, foi mais reveladora. 

Não lembro tanto das edições de 2010 e 2011, porque para mim pareceram mais do mesmo. Foram as últimas que cobri para a Rolling Stone, o que me dá saudades, porque eu não precisava me preocupar com a cobertura online, somente com a reportagem da publicação impressa. Mal sabia eu como era feliz nessa época. De 2012 a 2014, por certo desinteresse, confesso, passei longe da E3. O hiato foi ideal para trazer de volta a vontade de mergulhar nesse mundo de novo.

Acabou acontecendo antes do que eu esperava. Em 2015, assumi o comando do site IGN Brasil e a E3, felizmente, voltou a fazer parte de minha rotina anual. Compareci todos os anos até 2019, e apesar de perceber mudanças pouco a pouco (o evento abriu para o público pagante em 2017), nada me dava a certeza de que aquilo tudo deixaria de existir em breve. Então, veio a pandemia em 2020 e as perspectivas pioraram em todos os aspectos. A E3 sentiu o baque, não soube se reinventar e nunca mais se recuperou. Azar de todos nós.

E sorte de quem teve a chance de vivenciar esses grandes momentos. Valeu por tudo, E3. Essas lembranças incríveis vão durar para sempre.

*O texto acima faz parte da edição mais recente da newsletter semanal Extra Level, assinada por Pablo Miyazawa. Para assinar gratuitamente e não perder os assuntos mais importantes do mundo dos games e da cultura pop, clique aqui.

Fonte: Game On
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