Super Mario Wonder é maravilhoso, mas não só porque é nostálgico
A Nintendo prova que repensar o passado é importante para se criar o presente
Sinceramente, eu não dava nada para Super Mario Wonder. E queimei a língua.
Quando a Nintendo anunciou sua mais nova experiência em duas dimensões do universo de seu principal personagem, minha primeira reação foi pensar: "Isso não é para mim". Confesso que ver os mascotes transformados em elefantinhos espirradores de água não foi lá tão estimulante. Nem mesmo o lindo visual psicodélico de cores berrantes me apeteceu o suficiente para criar grandes expectativas.
Mas não era só isso. As imagens me remetiam àqueles games 2D do Mario lançados na década passada, que pareciam reinvenções com pouca imaginação (ainda que belas esteticamente) dos clássicos que joguei até cansar. "Se for para ser assim, fico com os originais", concluí, usando o argumento careta típico de quem acha que já viu de tudo e jogou demais na vida.
Mas Super Mario Wonder não peca pela falta de criatividade, e muito menos é mera reinvenção de formato, ainda que beba escancaradamente da fonte do que conhecemos da franquia nos últimos 40 anos. Após meia dúzia de horas jogando, tive a certeza de que a equipe de desenvolvimento se obrigou a fazer uma imersão completa em todos os títulos principais do Super Mario, peneirou com cuidado o joio do trigo e escolheu apenas os recursos mais interessantes para recuperar.
Quem joga Mario desde os anos 1980 vai notar os sinais, em todo lugar, o tempo todo. Há o espírito do primeiro game de 1985, um bom tanto do excelente Super Mario 3 (1988), coisas óbvias que remetem a Super Mario World (1991) e detalhes que certamente saíram de Yoshi's Island (1995). A inspiração parece ter vindo até de jogos que não são em 2D, como Super Mario 64 (1996), Super Mario Sunshine (2002) e Super Mario Odyssey (2007). Quanto mais escrevo, mais faço comparações mentais, e mais tenho vontade de voltar a jogar sem hora para parar.
O fato de o time da Nintendo ter trabalhado sem prazo e estimulado a ousar sem medo de ser feliz certamente contribuiu para o resultado excelente: Super Mario Wonder é fenomenal, livre, leve, solto e totalmente fora da caixinha. As regras estabelecidas nas últimas décadas foram reinventadas e aprimoradas com carinho. Tudo parece novinho em folha, mesmo que você já tenha visto muito daquilo antes. É uma experiência fácil e divertida de ser absorvida por quem nunca jogou um Mario na vida (será que essas pessoas existem?). E é um desafio estimulante e cheio de surpresas mesmo para quem é versado no assunto. Sabe-se lá como, a Nintendo deu seu jeito de conseguir agradar a todo mundo de uma só vez.
Inventivo e genial são palavras que fazem justiça, mas incluo também maravilhoso à lista de adjetivos à altura de Super Mario Wonder. Para mim, também é a comprovação de duas certezas: a primeira é a de que boas ideias do passado não precisam ser cultuadas só pela nostalgia, mas podem (e devem) ser resgatadas para se tornar ainda melhores. E a segunda é um mea culpa: sempre dá para mudar de ideia quando nos permitimos experimentar.
Nesse caso, fiquei bem feliz de queimar a língua.
*O texto acima faz parte da edição mais recente da newsletter semanal Extra Level, assinada por Pablo Miyazawa. Para assinar gratuitamente e não perder os assuntos mais importantes do mundo dos games e da cultura pop, clique aqui.