Delinquência, rebeldia e Bruce Lee: os bastidores da criação de Double Dragon
Conheça a história inusitada do game designer responsável por definir o gênero de pancadaria nos games
País de cultura milenar e conhecido por sua disciplina e tradição rígida, o Japão também tem um outro lado pouco conhecido, abrigando toda uma subcultura de gangues de rua, cheia de valentões e brigões. Curiosamente, um desses arruaceiros terminaria criando Double Dragon, franquia de jogos que marcou o universo dos games pra sempre.
Jovem rebelde que preferia passar o tempo matando aulas e arrumando brigas, Yoshihisa Kishimoto foi um típico valentão e fez parte de gangues de colegiais. Ele revelou em uma entrevista à Florent Gorges, autor do livro "Enter the Double Dragon" que conheceu os videogames em um de seus muitos momentos de vagabundagem, quando matava aulas para jogar fliperamas em cafés. Em uma dessas ocasiões, jogos como "block kuzushi" e "Space Invaders" lhe despertaram a paixão, e incrivelmente, eles acabaram determinando seu futuro profissional.
Anos mais tarde, Kishimoto fez carreira na indústria dos games, primeiro trabalhando em títulos de Laserdisc da Data East, e logo despertou a atenção da Technos, que lhe chamou para uma entrevista. Kishimoto então apresentou uma ideia: fazer um game semi autobiográfico, baseado em seus dias de delinquência juvenil.
Nasceu então o primeiro "beat em up" como conhecemos até hoje: Nekketsu Kouha Kunio-kun, lançado em 1986. Os elementos básicos desse gênero estão aqui: o protagonista valentão que enfrenta hordas de inimigos até chegar em um chefão, os combos, voadoras e agarrões, que depois virariam marca registrada em tantos outros games de briga de rua.
Kunio-Kun fez um enorme sucesso no Japão, a ponto de dar início a toda uma franquia que se estende até hoje por dezenas de jogos. Ainda em 1986, seu sucesso gerou uma localização ocidental inspirada pelo filme "The Warriors" (Os Selvagens da Noite no Brasil), chamado "Renegade". O sucesso de Kunio-Kun e de Renegade fez a Technos logo encomendar uma sequência e Kishimoto então teve uma idéia: ao invés de fazer uma sequência de Kunio-Kun e depois localizá-lo, ele resolveu fazer um game novo que já pudesse ser compreendido pelo público ocidental. Foi quando surgiu o fenômeno Double Dragon.
Fenômeno de sucesso
Double Dragon é o equilíbrio entre referências ocidentais e japonesas. Seu clima pós-apocalíptico deriva do filme Mad Max e do anime Fist of the North Star, assim como seus golpes e mesmo o nome do jogo vem do filme "Enter the Dragon" ("Operação Dragão" no Brasil), que além de ser o filme de ação preferido de Kishimoto, é estrelado por seu ídolo Bruce Lee, de quem ele tirou o nome dos protagonistas, os irmãos Billy e Jimmy Lee. Outra influência cinematográfica, é o fato das fases do jogo rolarem em uma sucessão coerente, sem edições, como se fosse um longo plano-sequência de um filme.
Do ponto de vista do gameplay, Double Dragon apresentou duas evoluções fundamentais: a primeira foi a adoção do modo dois jogadores simultâneos (o que também garantiu o dobro de lucratividade à Technos) e segundo, a possibilidade de usar armas, a primeira idéia que Kishimoto quis implementar quando começou a pensar a continuação de Kunio-Kun.
A junção de todos esses ingredientes resultou em um dos maiores clássicos da história dos games, convertido para uma miríade de plataformas. Segundo uma estimativa de Kishimoto, o arcade Double Dragon vendeu entre 20 a 30 mil unidades, podendo chegar a 100 mil se considerar cópias piratas, sendo portanto, o jogo o mais rentável de sua época.
O sucesso de Double Dragon inspirou outras produtoras japonesas a investirem em jogos do gênero e assim, a criação de Kishimoto levou ao surgimento de clássicos como Final Fight, Streets of Rage e o arcade Teenage Mutant Ninja Turtles, entre outros.
O próximo capítulo da saga criada por Kishimoto é Double Dragon Gaiden: Rise of the Dragons, que chega em 27 de julho para PC, PS4, PS5, Switch, Xbox One e Xbox Series X/S.