Em Scarlet e Violet, Pokémon alcança o realismo que a gente sonhava
Liberdade também é a palavra de ordem nos novos games da clássica franquia para o Nintendo Switch
Meu primeiro contato com Pokémon foi há quase 25 anos, por meio da telinha diminuta e esverdeada de um Game Boy do modelo “tijolão”. Havia algo de charmoso naquele joguinho japonês com gráficos bidimensionais e uma premissa das mais absurdas: aventurar-se por cidades desconhecidas, procurando e capturando monstrinhos de diferentes espécies e nomes esquisitos. O visual era tosco, mas a trama dava asas à imaginação. Simples na superfície e profundo em sua essência, era algo tão fácil de encantar quanto difícil de largar.
Se enxergada com o olhar nostálgico do passado, a experiência inicial com Pokémon Scarlet e Violet pode se mostrar intimidante - mas não no sentido negativo da palavra. Por um lado, os dois novos jogos , que chegam simultaneamente ao Nintendo Switch em 18 de novembro, são perfeitos ao modernizar tudo o que a série sempre fez de muito bem. Isso inclui capturas infinitas de criaturas variadas, combates divertidos ao estilo RPG e histórias instigantes de superação e insistência.
Só que os tempos são outros, e, a franquia continua a evoluir, afastando-se da simplicidade viciante dos velhos tempos em favor de algo mais alinhado ao estilo desta época. No caso de Scarlet e Violet, isso significa ambientes tridimensionais amplos e detalhados, várias linhas narrativas e uma infinidade de conteúdo e passatempos, além de uma liberdade de ação nunca antes vista na saga principal.
Você decide
Esta liberdade logo se revela a verdadeira cereja da pokébola: Scarlet e Violet são os primeiros jogos da série Pokémon a oferecer um mundo aberto real aos jogadores, com poucas restrições de movimentos e de escolha de objetivos. Isso permite que o treinador circule por todo o mapa quase sem limites, podendo decidir o que fazer primeiro, gastar o tempo que quiser em missões paralelas e até mesmo evitar tarefas que considera desnecessárias.
No teste para jornalistas do qual participei a convite da Nintendo, na Cidade do México, foi possível ter algumas pistas de como esse mundo aberto funciona na prática. Algumas, não só pelo curto tempo de jogo disponível, mas também pelas limitações contidas na versão experimentada: apenas a parte sudeste da área total de Paldea (a ilha do jogo, inspirada na Península Ibérica) estava acessível na sessão. Mesmo assim, foi palpável a sensação da enormidade da experiência como um todo, do tamanho do terreno inexplorado à quantidade de coisas para se ver e fazer.
Dadas as devidas proporções (e de forma menos orgânica, é verdade), o que se vê é algo semelhante ao estilo de jogos como Zelda e GTA, com longas distâncias entre uma cidade e outra e acesso livre e sem interrupções. Além de conferir grandeza a Scarlet e Violet, o amplo espaço de ação permite que mais histórias sejam contadas, oferecendo ao jogador a escolha entre três aventuras com objetivos diferentes.
Do início, é possível seguir a chamada “Victory Road”, que se assemelha à trama dos jogos clássicos, na qual o(a) jovem treinador(a) visita ginásios para derrotar líderes e ganhar insígnias e reputação. Há também a opção pelo “Starfall Street”, uma trama de enfrentamento aos vilões da equipe Star (a equipe Rocket da vez), mais voltada para a busca do bem coletivo do que para a tradicional meta individualista do “temos de pegar todos”. O terceiro caminho é o “Path of Legends”, por sua vez focado na exploração total dos cenários na procura por míticos Pokémon gigantes. Dito isso, abro um parêntese para uma teoria:
(A premissa de ser um jovem estudante adentrando na vida acadêmica e a possibilidade de seguir três caminhos possíveis me evocou uma analogia que certamente é mera coincidência, mas que dá o que pensar. Vejamos: o “Victory Road”, com objetivos bem definidos e visando um crescimento exponencial de reputação e carreira, lembra a rota de Exatas. O conceito de “Starfall Street” e suas intenções de enfrentar um mal maior pelo bem coletivo pode vagamente remeter a uma carreira na área de Humanas. Já o “Path of Legends” e sua premissa baseada na curiosidade solitária, poderia bem ser interpretado como uma tendência pelas Biológicas. No fim das contas, a natureza de cada narrativa pode ou não coincidir com as preferências pessoais do jogador que decide encará-la.)
Escolher uma dessas tramas não impede que as outras sejam tentadas paralelamente, ainda que isso obrigue o jogador a gerenciar múltiplas missões e a se deslocar para cima e baixo a todo tempo. A tarefa se torna menos penosa graças à presença de um Pokémon lendário que acompanha o treinador. Como a versão que joguei foi a Scarlet, tal criatura é o Koraidon, exclusivo dessa versão (a Violet, por sua vez, traz o também lendário Miraidon). Mais do que um mero parceiro, a criatura se transforma em um meio de transporte rápido por Paldea, atravessando montanhas, rios e espaços aéreos com facilidade.
Infelizmente, não cheguei a explorar todo o potencial de alcance desse inédito ser pokémotorizado. Uma representante da Nintendo acompanhou de perto o meu teste, garantindo que eu não invadisse os territórios ainda restritos. Ela ainda reforçou que aquela se tratava de uma versão não-finalizada do game, o que só foi percebido porque alguns dos nomes dos Pokémon apareciam ainda escritos em japonês.
Coleção em segundo plano
Inspirado pelo “estilo Pokémon GO” de ser, em Scarlet e Violet as criaturas circulam à vista por todo o ambiente, o que significa que praticamente não há batalhas ao acaso - se não estiver afim de batalhar ou capturar, o jogador só precisa desviar o caminho e seguir em frente. Se nos jogos antigos os Pokémon eram raros e desejados, aqui, colecionar monstrinhos parece ser algo secundário, dada a variedade de outras tarefas à disposição.
Afinal, como virou praxe em toda experiência moderna de Pokémon, há muitas maneiras de perder tempo entre uma obrigação e outra. Uma das novidades é o piquenique, que pode ser acionado a qualquer momento em campo aberto e oferece uma série de atividades tão divertidas quanto inúteis. Montar um sanduíche com pilhas de ingredientes (tomando cuidado para não despejar tudo no chão) é um passatempo que faz justiça às estranhezas típicas de jogos japoneses. Durante esse momento de lazer, também dá para brincar com os Pokémon de seu time e até dar banho neles, tal como bichinhos de estimação, aumentando assim o nível de amizade mútua.
Visualmente, Scarlet e Violet impressionam. Seja durante as andanças ou dentro das batalhas, os gráficos chamam a atenção pela beleza e nível de detalhamento, em especial nas animações dos monstros - principalmente os estreantes. Há dezenas de criaturas inéditas, que aumentam para quase mil o total de Pokémon apresentados ao longo de 25 anos e nove gerações. Meu teste foi realizado com o protagonista em um nível mais adiantado e acompanhado de um time já pronto de criaturas, sem a presença dos iniciais Sprigatitto, Fuecoco e Quaxly. Por isso, não foi possível entender se as criaturas clássicas das primeiras gerações estão disponíveis no início da aventura, já que praticamente só vi caras novas em minha jornada.
O final do teste foi reservado para se experimentar o modo Multiplayer, em que um time de quatro jogadores encara batalhas em tempo real contra um Pokémon em uma arena. Além da ausência de esperas entre os ataques, a colaboração mútua dá o tom: cada jogador pode acionar poderes especiais com efeitos coletivos ou torcer pelos colegas por meio de mensagens prontas. Após a vitória, todos têm a oportunidade de capturar o adversário com a pokébola. Não houve tempo para saber se o modo seria tão viciante quanto parece, mas a primeira impressão foi boa.
Evoluir é preciso
É difícil não ser nostálgico quando diante de uma série que me acompanha há tanto tempo, tanto no pessoal quanto no profissional. Se comparada à sensação de acolhimento dos games Pokémon lançados há mais de duas décadas, Scarlet e Violet revelam uma experiência quase sufocante de excessos e intensidades: tudo é tão grandioso e com tanto acontecendo ao mesmo tempo que parece difícil decidir as prioridades. Aquela segurança da antiga linearidade foi substituída pela ansiedade de estar perdendo algo pelo caminho ou fazendo algo errado ou pela metade.
Por outro lado, Pokémon Scarlet & Violet são eficientes ao confrontar as limitações dos games anteriores, expandindo as possibilidades e oferecendo um controle que pode ser muito agradável a novas gerações de treinadores. Talvez estes não se tornem os games definitivos da série, mas parecem ser aqueles que vão determinar o padrão daqui em diante. Mesmo que tão diferente, a experiência acaba sendo familiar, confirmando que o ato de experimentar mudanças é algo natural da vida. Se os Pokémon não envelhecem, pelo menos estão procurando evoluir. Ainda bem.
*O jornalista viajou a convite da Pokémon Company.