Quake: 25 anos do jogo que iniciou o fim da ID Software
Jogo abriu caminho para evolução dos gráficos 3D, mas foi marcado pelo desenvolvimento conturbado
Lançado em 1996, Quake faz parte do seleto grupo dos jogos revolucionários. Em seu aniversário de 25 anos, a influência do game de tiro está por todo lado na indústria e na comunidade gamer: o jogo é tido como um dos pais dos esports, dos mods - mapas criados por jogadores usando recursos do jogo - e de muitas técnicas utilizadas ainda hoje na concepção de jogos 3D.
Olhando por esse lado, nem parece que ele teve um desenvolvimento tão conturbado, que acabou por fragmentar o seu time de gênios após o lançamento. No aniversário deste shooter seminal, conheça sua complicada história.
Time dos sonhos
A equipe por trás do desenvolvimento de Quake é a Id Software, que estavam em seu auge na época. Foram os criadores de outros jogos icônicos como Doom e Wolfenstein 3D.
Esses caras eram um time pequeno, mas com um talento absurdo. Dois deles em especial ganharam uma notoriedade digna de astros do rock: John Carmack - quase um deus da programação, comparado a outros 'wizkids' da indústria de tecnologia, como Bill Gates e Steve Wozniack - e John Romero, o designer responsável pelo sucesso estrondoso dos jogos de tiro nos anos 1990.
Após o sucesso de Doom 2, este time recebeu alguns reforços de peso para seu projeto mais ambicioso até então, Quake. Foi nessa época que Tim Willits entrou na Id, e continua envolvido com Quake, e continua envolvido com a franquia até os dias atuais. A ideia da Id Software era criar um jogo multiplayer revolucionário, em um ambiente totalmente tridimensional.
Mas como até hoje acontece na indústria dos games, o processo de criar um jogo nunca é simples - ainda mais com estes caras, que tinham egos tão grandes quanto seus gênios. Assim como acontece com as grandes bandas de rock, o sucesso inimaginável dos jogos do estúdio tornou o convívio dos dois Johns cada vez mais difícil - e o stress do desenvolvimento de Quake foi a gota d'água para o fim.
Um motor gráfico feito do zero
Sempre buscando o próximo salto tecnológico, John Carmack decidiu que iria construir do zero o motor gráfico para criar o mundo do Quake, junto com os outros programadores da Id. A ambição era absurda, como você pode ver nesse tweet de John Romero celebrando os 25 anos de Quake:
Happy 25th birthday to Quake! Quake was a tough game to make, but it turned out great. The team worked hard to get this game out with the features we wanted in: a full 3D texture-mapped world, internet multiplayer, in-game console with lots of changeable variables (1/2) pic.twitter.com/d4bxF2N0AS
— 𝕵𝖔𝖍𝖓 𝕽𝖔𝖒𝖊𝖗𝖔 (@romero) June 22, 2021
"Feliz 25º aniversário para Quake! Foi um jogo difícil de fazer, mas ficou ótimo. O time trabalhou duro para entregar o jogo com todos os recursos que queríamos: um mundo completamente mapeado em 3D, multiplayer pela internet, console in-game com muitas variáveis customizáveis...", relembra o designer, que continuou a listar outros recursos inovadores do projeto nas mensagens seguintes.
Além das diversas novidades gráficas, foi desenvolvido junto um sistema complexo de multiplayer online, criado um console de dados para digitar códigos que alteravam as variáveis do jogos, uma ferramenta para modificações dos jogadores e muito mais.
Para se ter uma ideia da qualidade do motor gráfico Quake Engine, seu código foi utilizado para várias engines derivadas, incluindo a Source Engine, da Valve, usada em Half Life - que deu origem ao popular Counter Strike. Seus mods geraram jogos criados pela comunidade como Team Fortress (que inspirou os 'hero shooters' atuais, como Overwatch e Valorant, por exemplo), abrindo caminho para muitos game designers e programadores que hoje estão em grandes estúdios.
A ambição exagerada de Carmack resultou em mudanças drásticas na forma como a Id fazia seus jogos. Mesmo com a ajuda extra, Carmack demorou mais de um ano para finalizar sua obra prima, a Quake Engine. Em projetos anteriores do estúdio, essa fase de pré-produção durava cerca de dois meses.
Nesse período de desenvolvimento da tecnologia que seria a base do game, o resto do time tentava construir o esqueleto de Quake a partir das partes que iam ficando prontas. Não deu certo.
Crunch, falta de planejamento e o rompimento
Durante esse mais de um ano desenvolvendo a Quake Engine, os outros integrantes da Id tentavam, sem sucesso, criar o design dos mapas, a estética do jogo e a sua história. Missão quase impossível enquanto ainda não se tem um motor gráfico para criar protótipos e testar.
A cada modificação que John Carmack fazia na Quake Engine, quase que tinha sido feito era preciso ser descartado. Segundo entrevistas de Romero, o pior eram as mecânicas do gameplay e as texturas, que eram trabalhosos de se fazer e depois simplesmente não funcionavam mais ou precisavam ser refeitos para se adequar ao jogo.
Isso tudo ficou ainda mais dramático com as diferenças de pensamento dentro da equipe. Quake, em determinado momento, teria um design asteca e armas bem diferentes do que vimos no jogo final. Romero queria algumas mecânicas de combate corpo a corpo, inspirado no que Virtua Fighter estava fazendo de sucesso com seu ambiente 3D nos arcades. Nada disso chegou no jogo final e os conflitos internos foram ficando fora de controle.
Quando a Quake Engine finalmente ficou pronta, os programadores se reuniram com o resto do time para definir o que de fato ia ser o jogo e começar a produção de verdade. Só que ninguém aguentava mais pensar nesse jogo depois de tantas ideias descartadas e trabalho desperdiçado. Romero, que nesse período também viveu muito da fama gerada pelo Doom 2 na mídia e trabalhava em outros projetos em paralelo, queria outro jogo revolucionário em termos de game design, os outros membros do time, não.
Ficou decidido então que utilizariam armas com as mesmas funcionalidades das de Doom 2 e fariam uma espécie de refinamento do que eles já tinham criado no passado. Era quase um clone de Doom clone feito pela própria Id. John Romero não ficou satisfeito. Participou do projeto até o fim, mas assim que o jogo acabou, pediu as contas e foi embora. Há quem diga que sequer recebeu dinheiro pelo trabalho feito - o que se sabe é que ele e Carmack, antes inseparáveis, ficaram muitos anos sem se falar.
Com o formato do jogo finalmente decidido, foram sete meses de produção intensa para entregar Quake. Noites e noites sem dormir. O time foi moído até a última gota de energia. Romero conta que um membro da equipe, o artista American McGee, simplesmente deixou de aparecer após um tempo e outro completou o seu trabalho.
No dia do lançamento do jogo, John Romero subiu os arquivos de Quake para a internet sem mais ninguém do lado, todos estavam acabados em casa. O time apaixonado dos tempos de Doom já não existia. Era o início do fim para a Id, mas não para o Quake, que se provou mais um sucesso.
Sucesso atemporal
Mesmo com todos os problemas no desenvolvimento, Quake foi um sucesso enorme. A equipe fez aquilo que sabia fazer de melhor e entregou um jogo tão frenético quanto Doom, mas com novos elementos, especialmente nas partidas multiplayer e com gráficos que marcaram uma geração de gamers.
A trilha sonora foi produzida por Trent Reznor, da banda Nine Inch Nails, e foi reverenciada pelos fãs. Essa ambientação sonora em conjunto com os cenários obscuros, inspirados em H.P. Lovecraft, resultou em uma experiência de jogo sem paralelos até então. Confira no trailer do jogo:
A base de fãs da franquia é considerável até hoje, 25 anos depois. A Quake Con, evento dedicado aos jogos da Id que acontece anualmente, mesmo após o estúdio ter se tornado parte da Bethesda, move milhares de fãs ansiosos para se encontrar, saber das novidades da produtora e jogar partidas de Quake e outros jogos de tiro.
O Quake original ainda recebe mods e tem uma cenário competitivo vigoroso nos dias atuais, com campeonatos profissionais que pagam grandes prêmios aos vencedores.
Todo o desgaste para criar essa obra de sucesso atemporal cobrou seu preço: a equipe dos sonhos da Id Software se desfez para sempre. Após a partida de Romero, os outros membros ainda criaram vários jogos, como o próprio Quake 2, mas foram saindo do estúdio um a um.
A lição deixada por Quake mostra o quanto um ambiente de trabalho de qualidade e que respeite os limites das pessoas, com planejamento de qualidade das lideranças, é necessário para que os desenvolvedores continuem motivados e criativos durante seus projetos. Infelizmente, a cultura do crunch e as mudanças ao longo das produções seguem presentes na indústria, em um debate sem uma solução clara.
Após 25 anos de Quake e com a ressurreição da Id nas mãos da Bethesda, os fãs ainda esperam por um retorno triunfal da franquia. Isso acontecendo em breve ou não, a comunidade vai manter a chama do Ranger acesa por muito tempo.