Undergrave: misturando xadrez, roguelikes e Dark Souls
Solodev maranhense Thiago Oliveira quer voltar pra suas raízes artísticas em seu quarto jogo
Antes de falar de Undergrave eu preciso contar quem é a Wired Dream Studios, ou seja, quem é Thiago Oliveira e como ele virou um solodev.
De um cansaço com a mesmice dos jogos AAA, Thiago começou a desenvolver jogos por passatempo, depois de ver que Dennis Wedin e Jonatan Söderström criaram Hotline Miami sozinhos no Gamemaker. E em 2020 a pandemia - e uma demissão - obrigou o maranhense de São Luís a adotar esse passatempo como profissão principal.
Foram dois anos dedicados a aprender pixel art e refinar suas habilidades enquanto desenvolvedor na mesma engine que culminaram no lançamento de seu primeiro jogo, Red Ronin, no começo do ano passado.
Repetindo um começo de parágrafo do meu texto sobre o assunto enquanto ainda estava no The Enemy: “Red Ronin com certeza foi uma das coisas que eu mais gostei de jogar em 2021” e todo o reconhecimento ainda é pouco para a mistura de quebra-cabeça por turnos com o Fruit Ninja humano de Beatriz Kiddo em Kill Bill, ou o que o desenvolvedor chama de “dash and slash”.
Agora em 2022, mais experiente e com três jogos no portfólio da Wired Dream (ou “estúdio de um homem só”), Thiago vai lançar Undergrave, roguelike por turnos com aspectos de RPG, descrito para leigos pelo dev como “um tabuleiro de xadrez com mecânicas de gerenciamento de stamina”. O novo projeto tem muita inspiração no jogo para mobile Hoplite, da Magma Fortress, e na dificuldade de controlar sua stamina, além do universo de dark fantasy, dos Souls-like da FromSoftware de Hidetaka Miyazaki.
"O Undergrave é uma volta as origens numa questão de mecânica. Eu não quero fazer Red Ronin 2 ou uma sequência ainda, não deu nem um ano de lançamento, então vamos esperar. Mas queria fazer um jogo nesse estilo", disse Thiago.
Thiago faz tudo praticamente sozinho. Programação, pixel art, marketing, publicação, ports para consoles. Seu único colaborador constante é Vincent Colavita, que assina a trilha dos quatro projetos feitos pelo estúdio até então.
Além de Red Ronin, que foi finalista do BIG Festival de 2021 na categoria Melhor Jogo Brasileiro com muito merecimento e também ganhou reviews e opiniões internacionais, como a do criador de Fights in Tights Spaces, James Parker, Thiago também publicou Upaon: A Snake’s Journey e Raven’s Hike.
Upaon é uma mistura do famoso jogo da cobrinha com mecânicas de sokoban - aqueles jogos de arrastar objetos pra abrir os caminhos -, enquanto Raven’s Hike é uma aventura de extrema precisão, destreza e velocidade com um grappling hook (coisa que eu simplesmente não consigo ter) com uma parte artística muito influenciada por Dandara.
No ano passado, durante uma entrevista sobre Red Ronin, Thiago me disse que não sabia animar personagens andando ou correndo e que por isso encontrou na animação de dash a solução para seus problemas. E o que deveria ser uma “limitação” para o desenvolvedor na verdade se tornou um de seus maiores trunfos, fazendo o dev achar jeitos diferentes e criativos de utilizar essa mecânica e criando uma espécie de marca registrada para seus primeiros quatro jogos.
Depois dos dois longos primeiros anos até seu primeiro lançamento, o dev tem lutado para encontrar o equilíbrio entre o tamanho do escopo e o tempo de produção de seus jogos. Algo como “grande e interessante o suficiente para gerar um burburinho, mas não a ponto de esgotar todo o dinheiro que entra sem conseguir bancar seu próprio lançamento”. E Upaon e Raven’s Hike acabaram se tornaram experiências intermediárias, quase como sub-chefes de Undergrave, projeto que novamente tem um escopo parecido com o de Red Ronin.
E a Wired Dream vai seguir sendo um estúdio de um homem só por mais algum tempo. "O objetivo principal é atingir uma estabilidade de dinheiro entrando dos jogos lançados, porque é muita responsabilidade tu trazer uma pessoa pra depender do seu estúdio e aí tu tem um mês ruim e não consegue pagar o cara. Preciso estar muito seguro de dinheiro em caixa porque é arriscado, é uma aventura", contou Thiago.
Se criar jogos independentes já não é uma volta no parque, então criar tudo sozinho, em um ambiente com moeda desvalorizada, fora do eixo tradicional das desenvolvedoras brasileiras, sem um patrocinador ou política de incentivos e dependendo desses jogos para pagar as contas e poder continuar tentando seguir nesse trabalho deve ser uma corrida inteira num parque pegando fogo. E Thiago vem conseguindo terminar essa corrida.