Imagine poder acessar a Internet usando a rede hidráulica existente em sua casa, sem necessidade de pagar provedores tradicionais ou conta telefônica. Com uma velocidade maior do que a de qualquer outro sistema de transmissão de dados existente e a possibilidade de compartilhar a conexão com vários computadores. E tudo isso a um custo mensal que vai de R$ 9,00 para conexões de 256 Kbps a R$ 34,00 para velocidades de 1,5 Mbps e custo adicional único de RS 16,00, que inclui os serviços e o modem (chamado de WaterModem). Fabuloso, não?Exatamente: isto é uma fábula! O trote começou a circular recentemente no Brasil a partir de um suposto representante nacional da WaterNet, uma empresa holandesa que estaria desenvolvendo o acesso à Internet através da água. Nem a empresa existe, nem o seu representante, e toda a história é fictícia. Mas InfoGuerra já recebeu mensagens perguntando sobre a veracidade do sistema e listas de discussão já começam a apresentá-lo.
O site brasileiro da WaterNet traz até fotos do “modem” e de um computador adaptado e um formulário de inscrição para os interessados. O texto tem trechos hilariantes, como o que fala sobre a possibilidade de “compartilhar a conexão entre vários micros domésticos, desde que todos tenham acesso a uma torneira”. O programa de proteção do sistema, chamado de waterwall (um trocadilho com firewall); a alusão a “realmente surfar na Internet”; e a informação de que “no Brasil o alto índice de cloro encontrado na água aumenta a velocidade de transmissão em até 10% em relação à da Holanda”.
Na verdade, tudo não passa de mais uma das brincadeiras anuais de primeiro de abril da revista de tecnologia Red Herring. O texto brasileiro é uma adaptação do artigo “Digital Canals”, publicado em 20 de março deste ano na versão impressa e, em primeiro de abril, na versão online, com o nome de Can digital canals route Internet traffic? (algo como "Encanamentos digitais podem transferir dados na Internet?").
O artigo dá várias indicações de que se trata de um hoax (boato, trote), como o nome da pesquisa — Dutch Retrograde Internet Project, ou seja, Projeto Internet Retrógrada Holandesa —, ou a afirmação de que o responsável pelo projeto, um certo Dennis De Boer, pretende, com o auxílio da nanotecnologia, transformar literalmente água em vinho.
A revista também registrou e criou um site, com o nome de Dutchwater, especialmente para apresentar o sistema. Quando se clica em certas páginas do site, pelo menos atualmente, aparece a informação de que se trata de uma pegadinha de primeiro de abril.
Mesmo assim, muita gente engoliu a história. Basta ver a seção de cartas da revista. Segundo seus editores, o site da fictícia WaterNet recebeu mais de 50 mil pageviews em duas semanas. O mais irônico é constatar o hoax reproduzido em lugares como um site de informações sobre o Parque Livingston, nos EUA, ou em listas como NetPlus, que fornece dicas de negócios e marketing.
As fotos apresentadas pela página brasileira não existem na versão da Red Herring e foram retiradas de um site britânico que, apesar de trazer o nome Zytec em seu domínio, aparentemente não tem nada a ver com a empresa. As imagens fazem parte de montagens domésticas de sistemas computadorizados refrigerados a água, estes sim existentes, e com dezenas de adeptos pelo mundo.
A página inicial do site traz apenas a inscrição "BladeRunner", o mesmo nome do moderador de um fórum do site HardwareCentral, que disponibilizou algumas fotos e explicações sobre seu invento. As páginas intermediárias trazem dezenas de imagens, com extensões .jpg e .gif, de circuitos adaptados com mangueiras, canos e torneiras. As duas fotos específicas podem ser vistas aqui e aqui.
A página do "representante" da WaterNet, hospedada no hpG, não traz nenhuma referência ao seu criador, nem informa qualquer meio de contato. O endereço só tem o objetivo de criar rumores. Até o formulário para preenchimento dos interessados é apenas figurativo, o que impede o autor da piada de dar umas boas risadas. Se o formulário estivesse funcionando normalmente, é bem provável que ele ou ela recebesse vários pedidos de WaterNet.