"Futuro da mobilidade é elétrico", conclui simpósio SAE Brasil
Com desafios tecnológicos e estruturais nunca experimentados na história da mobilidade, Brasil se prepara para os carros elétricos
O futuro da mobilidade é elétrico. Foi esse o recado dos convidados para o debate no 13º Simpósio SAE Brasil de Veículos Elétricos e Híbridos, que mostrou o ponto de vista e o que andam fazendo fabricantes, pesquisadores e especialistas nas diversas áreas relacionadas ao tema da eletromobilidade, para viabilizar social e economicamente o veículo elétrico no país.
Veja abaixo a conclusão dos debatedores do simpósio da SAE, cujo simpósio foi capitaneado pelo engenheiro Gustavo Gioria. Os temas estão destacados em negrito, ao longo desta matéria.
Veículos Comerciais – Convidado especial, Amaury Piziak, assessor de Assuntos Corporativos do grupo Volvo América Latina, deu início à programação e apresentou, on line, reflexões sobre o protagonismo da eletromobilidade dos veículos comerciais no Brasil.
Com presença 190 países e duas fábricas no país no Paraná (caminhões e ônibus e motores estacionários e marítimos) e outra no interior de São Paulo (máquinas de construção), a empresa sueca está interessada na prospecção do mercado da eletromobilidade. “Logicamente eletromobilidade é um fator intrínseco para nós, uma das nossas frentes nas soluções de transporte sustentável“, disse.
Ele destacou a relevância da remanufatura para a Volvo, que desenvolve soluções visando à redução e eliminação de materiais e substâncias de risco potencial maior para a sociedade. “A redução da pegada ambiental é um desafio, assim como a questão da pegada de carbono. Estamos desbravando essa fronteira e temos algumas frentes avançadas, mas ainda há muito a aprender”, assinalou.
Nas ambições empresa em longo prazo estão ambiente 100% seguro, 100% livre de CO2 e 100% mais produtivo. Entre as metas intermediárias, a redução até 2030 de 50% das emissões de CO2 de caminhões: “Queremos fornecer veículos 100% fóssil free em 2040”.
Mesa-Redonda - Pesados Elétricos Nas Estradas Brasileiras – Lançado o desafio na mesa-redonda que discutiu avanços dos caminhões elétricos e o protagonismo do país nesse mercado, Alexandre Parolin, gerente National Transportation na PepsiCo, defendeu a tendência de crescimento da eletrificação especialmente no segmento de veículos urbanos e disse acreditar na liderança brasileira na América Latina.
“A eletrificação já é realidade nos caminhões urbanos e tende a aumentar com a infraestrutura adequada e políticas públicas de incentivo, nosso grande desafio ainda são os pesados”, destacou.
Thomas Caldellas, coordenador geral de Regulamentos Técnicos e Mobilidade Sustentável do MDIC, declarou que o objetivo do governo não está no maior número de veículos elétricos no país, mas sim em liderar no desenvolvimento de sistemas com soluções locais, reter o conhecimento e a tecnologia que envolve a fabricação desses veículos.
Caldellas apontou ainda desafios que envolvem as diferenças entre caminhões leves e pesados, que pressupõem a necessidade de infraestruturas públicas consideravelmente diversas para recarga, por exemplo, além de questões regulatórias.
Questionado a respeito do planejamento geral e dos passos do governo para a eletrificação, disse que cada área do governo trabalha de forma independente, apontando para o alinhamento geral sem abrir mão de políticas estruturadas como o Rota 2030, e com foco na descarbonização para liderar e usufruir dos benefícios de vender produtos para o mundo todo.
“Não há planejamento geral com a eletrificação, mas em algum momento ele virá. Hoje há questões como descarbonização, redução de emissões de poluentes locais, estrutura de recarga e baterias, em que o mundo trabalha fortemente para dominar a cadeia sem ficar suscetível a choques de oferta ou restrições ao comércio internacional”, afirmou
Renato Florence, gerente de Planejamento e Desenvolvimento da Marcopolo, falou sobre eletrificação de ônibus, estratégia na transição e visão de futuro da empresa em relação à rota de descarbonização. Reconheceu os benefícios dos ônibus elétricos na descarbonização como algo premente para a redução de material particulado, e de ruídos nos grandes centros.
“Desde que decidiu fazer o próprio veículo elétrico a Marcopolo se engajou e trabalha com equipe de engenharia de mais de 700 pessoas dedicadas a encontrar soluções para a proposta de um veículo integral para a rota da descarbonização” afirmou Florence.
Painel 1 - Descarbonização e Economia Circular na Mobilidade Elétrica – Janaína Bering executiva da Fundep e moderadora do painel, contextualizou os dias atuais como um momento em que a transição energética deixou de ser uma tendência e se tornou necessidade urgente. “A descarbonização é o grande foco, as propulsões são apenas o meio”, declarou.
Carmem Araujo, engenheira de produção e líder de projetos da ICCT Brasil, apresentou estudo sobre emissões de GEE na avaliação do ciclo de vida de veículos leves no Brasil, e quais seriam as melhores rotas para a descarbonização. O trabalho, que incluiu avaliações nos Estados Unidos, União Europeia, China,Índia, e Indonésia, trouxe a percepção de que o Brasil possui outro tipo de combustível, maior utilização de biocombustíveis e uma matriz muito limpa.
como seriam as comparações de emissões no ciclo de vida para as condicionantes locais foi o próximo passo, que considerou o ciclo do combustível e do veículo movidos à bateria ou por sistemas de hidrogênio em todas as suas etapas, além de emissões da manutenção e da reciclagem, a partir dos veículos do mercado em 2020.
Segundo Carmem, na amostragem de três segmentos principais selecionados -- compactos, médios e SUVs compactos, que representavam 81% do mercado de vendas naquele ano, e considerada a análise de diversas combinações de combustíveis, o estudo concluiu que os BEVs (veículos elétricos à bateria) tiveram as menores emissões no ciclo de vida dentre todas as tecnologias e soluções analisadas, de 65% a 67% mais baixas que a dos ICEVs (combustão interna) flex médios com mix etanol gasolina atual enquanto os ICEVs exclusivamente a etanol, emitem 31% menos do ciclo de vida que a media de mercado de etanol-gasolina utilizando o mix atual.
“Isso significa que se amanhã não houver gasolina para os veículos flex, teremos redução de 31% nas emissões do ciclo de vida, o detalhe é que para obter esse ganho é necessário triplicar o volume de etanol disponível”, assinalou.
Márcia Loureiro, engenheira de produção e mecatrônica e gerente de Eletromobilidade da Vibra Energia, falou sobre descarbonização e economia circular na mobilidade elétrica. Ex-Petrobras Distribuidora e licenciada da empresa após a privatização, a Vibra adotou plataforma multi-energia em que a infraestrutura de recarga elétrica passou a ser obraço para a eletromobilidade.
“Essa é uma tendência mundial de mercado, e quem puxa a tendência para a eletrificação é a indústria automotiva”, afirmou Márcia. A engenheira destacou que muitas fabricantes já se posicionaram quanto aos seus targets de prazo para conversão total ou parcial do portfólio de eletrificados, numa clara opção quanto a mudança de rota tecnológica para o avanço da eletrificação. Apontou a necessidade da redução TCO (Total Cost ofOwnership), que considera hoje um dos principais obstáculos à adoção de veículos leves eletrificados, e acredita na redução do range de preço em curto prazo para leves e pesados, a depender da regulamentação.
No Painel Competições Estudantis, moderado por Renato Kazuo Murakami, gerente industrial da Kion South America e diretor-geral da competição Fórmula SAE Brasil,a modelagem e construção de protótipos elétricos de alta performance por universitários foi o tema.
Ana Flávia Soares e Vanessa Ribeiro, respectivamente estudantes de Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica representaram a equipe B’Energy Racing (Facens-Sorocaba-SP), participantes da Fórmula SAE na categoria Elétricos, apresentaram inovação e excelência em soluções tecnológicas aplicadas a projetos de bateria, motor, tração, inversores e transmissões desenvolvidos pela equipe para o melhor resultado do protótipo construído pela equipe para a competição, com ajuda de simulações.
“O desenvolvimento de projetos focados na Fórmula SAE exige muito da equipe e colaboradores, desde o estudo e aprofundamento de conhecimento até o desenvolvimento e fabricação de componentes para que tudo funcione corretamente. Muitos imprevistos podem surgir e a equipe aprende a trabalhar unida para que tudo corra conforme planejado”, disseram as estudantes.
O universitário João Pedro Bruni, que participa da Fórmula SAE em projetos nas categorias Combustão e Elétricos e Rafaela Rios Ribeiro, estudante de Engenharia de Automação e Controle no Centro Universitário da FEI (São Paulo-SP) representaram a equipe SAE FEI Racing Team (São Paulo-SP) da Fórmula SAE Brasil.
Eles mostraram protótipos elétricos projetados e construídos pelos alunos integrantes da equipe, com aplicação de novas tecnologias em sistemas inovadores para soluções de tração, montagem de powertrain, sistemas de freios e novo design de acumuladores, entre outras novas geometrias que favorecem o carro ideal, além de sistemas de segurança e refrigeração com o uso de softwares de engenharia.
Painel 2: Inovação nas Baterias para Eletromobilidade – Moderado por Raul Beck, RT de Sistemas de Energia na CPQD e coordenador do Comitê de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE Brasil, o painel abriu com Gustavo Tineli, especialista em Engenharia Automotiva do Grupo Moura, que falou de cenários da hibridização veicular no país. O engenheiro descreveu a trajetória da empresa 100% brasileira na dedicação de quatro anos aos veículos pesados e ressaltou a iniciativa, há dois anos, de trabalhar a eletromobilidade e a hibridização veicular para veículos de passeio.
“Desenvolvemos soluções para veículos de passeio em 12 e 48 volts e veículos híbridos. Nosso principal driver começa pela descarbonização com produção local como acelerador dessa evolução, consideramos muito importante e estratégico garantir conteúdo local, apoiado por engenharia tarifária extremamente competente“, afirmou.
Segundo Tineli a empresa está comprometida em projetos estruturantes, sejam na célula de baterias, carregadores ou certificações para soluções inovadoras em baterias. O engenheiro atribuiu a inovação no Grupo à estratégia que chama downstream, baseada no ecossistema e na relação direta com as demandas dos clientes: “Fazemos um technology pull, não um technology push, somos focados no cliente, nas demandas aqui no Brasil” frisou.
Fabio Orefice, consultor técnico da Siemens, destacou estudo e previsibilidade do envelhecimento das baterias em ciclos reais de utilização. Orefice mostrou os desafios da indústria automotiva em cinco principais trilhas digitais de desenvolvimento de baterias em demandas reais -- além de fenômenos que causam envelhecimento, como simular as diferentes condições e imputar no modelo.
“São vários ciclos de alta complexidade e estratégias diferentes simulados durante um ano, que geram no final mais duas simulações adicionais para o comparativo entre diferentes químicas, e baterias velhas e novas” explicou. O especialista falou também sobre os principais fenômenos mecânicos e eletroquímicos que causam degradação irreversíveis à bateria como o Lithium Plating, que tem efeito prejudicial à vida útil e segurança da bateria, e mostrou diversas condições de contorno de envelhecimento.
Maria de Fátima Rosolem, pesquisadora especialista no CPQD, trouxe ao painel a evolução tecnológica das baterias de lítio para mobilidade elétrica, cujas primeiras gerações foram desenvolvidas a partir de 1991 à base de óxido de cobalto. “Foi um longo caminho até a bateria de lítio atual, que é leve, ocupa pouco espaço, tem alta autonomia e elevada vida útil, ciclos curtos de carga e descarga, e é segura e de baixo impacto ambiental” ressaltou.
Ela enfatizou que tais características são excelentes para atender a vários mercados, principalmente de mobilidade elétrica. Fátima destacou ainda que, diferente de outras tecnologias, o lítio apresenta diversas famílias, o que admite o uso de vários tipos de materiais. A especialista apontou as principais questões que preocupam o mercado atual (mais autonomia, segurança e redução de custos), que se tornaram focos do desenvolvimento de baterias e disse que existem hoje várias frentes de baterias em desenvolvimento além do lítio, como a bateria de sódio-íon.
Em Palestra Técnica sobre eletrificação aeronáutica, o engenheiro Carlos Roberto da Silva, diretor de Tecnologia da Nidec Aerospace, joint venture da Embraer, falou sobre aviação sustentável e o futuro das aeronaves elétricas. Deu um panorama sobre emissões globais de gases de efeito estufa pela aviação, que em 2022 foi responsável por 2% das emissões globais de CO2 relacionadas com a energia.
Segundo o especialista as emissões de CO2 da aviação atingiram 80% do seu pico na pré-pandemia e a melhoria na intensidade energética não foi suficiente para equilibrar o crescimento da procura de energia nos últimos anos.
Destacou que os governos estão com foco em apoios fiscais, financiamentos, subvenções e políticas para desbloquear a emissão zero, e que a aviação internacional está comprometida em atingir essa meta até 2050, marco que considera viável e de potencial disruptivo na indústria da aviação tradicional.
O especialista reafirmou que o caminho da aviação para cumprir essa agenda passa por um combinado de diferentes estratégias e novas tecnologias, além de melhorias em setores significativos como a operação das grandes aeronaves, que não raro influenciam na emissão de CO2. Citou ainda o uso de biocombustíveis, o Sustainable Aviation Fuel (SAF), tecnologia que não requer mudança nos aviões atuais como outro componente fundamental para essa meta.
As montadoras apresentaram suas visões de futuros lançamentos no Painel 3 - Eletrificação no Brasil e Estratégia das montadoras Locais, moderado por Ricardo Bacellar, fundador da Bacelar Advisory Board Automotive Mobility. Márcio Afonso, diretor de Engenharia de Produtos e Inovação da GWM, falou sobre a estratégia da empresa chinesa, de fazer a melhor eficiência energética possível com os combustíveis disponíveis.
A montadora dá prioridade aos sistemas híbridos na maioria dos seus veículos, com sistemas de tração próximos às rodas para eliminar todas as perdas possíveis. Além disso, um sistema de inteligência artificial embarcado nos veículos gerencia as cargas e formas de regeneração da energia, amparado por bateria de grande capacidade capaz de captar a energia do motor e reduzir emissões de carbono.
Marcos Paiva, diretor geral de Qualidade, OPEX e EV da GM, disse que a adoção da política de emissão zero lançada nos Estados Unidos permeia todas as divisões da empresa. “Isso significa que nossos veículos vão ter muito mais sistemas de segurança e sistemas conectados, isso já é realidade. Acreditamos que o futuro da mobilidade é 100% elétrico, e que o veículo que proporciona realmente emissão zero é o veículo elétrico”, ressaltou.
Paiva destacou a vantagem brasileira com a matriz energética limpa, e reforçou a missão da GM de sempre estar conectada com o cliente o que – disse, torna o monitoramento constante do mercado importantíssimo.”Estamos prontos a abraçar todas as formas de tecnologia que forem necessárias para os nossos clientes”, finalizou.
“O que a gente tem pela frente agora, dado o problema ambiental pelas emissões de gases de efeito estufa e demanda pela descarbonização é muito maior do que tudo que já enfrentamos do ponto de vista tecnológico e de evolução de produto” disse João Irineu Medeiros, vice-presidente de Compliance de Produto da Stellantis América do Sul.
Na visão de Medeiros há que se avaliar essa questão a partir do início das cadeias envolvidas, da extração de materiais à fabricação e transporte até chegar ao usuário, momento em que o maior valor de emissões é gerado pelo uso, caso seja a combustão.
No objetivo da descarbonização Medeiros destacou a importância da eletrificação acessível no país e afirmou que o Brasil é uma região em que a combinação de biocombustíveis e diferentes níveis de eletrificação pode popularizar a mitigação de carbono, o que requer a geração de tecnologias combinadas de etanol.
“A acessibilidade passa a ser muito importante para preservação da cadeia já existente, que possibilita uma transição equilibrada do ponto de vista econômico, social e ambiental, esse é o objetivo da Stellantis” frisou. O executivo ressaltou ainda que essa opção não exclui o veículo elétrico, o híbrido plug-in, o mild hybrid e o flex, um mix que pode compor a frota.
“Temos 30% do mercado e carros que vão de segmentos de entrada aos mais caros, então vamos espalmar diferentes tecnologias ao longo do portfólio para alcançara descarbonização de 50% em 2030” afirmou.
Sobre o desafio para uma cadeia de fornecedores locais e produção nacional de veículos elétricos, João Irineu Medeiros afirmou que a necessidade de produção no país é imperativa nas questões sócio-econômicas, e requer investimentos vultosos.
“O desafio é que sabemos fazer carro e queremos continuar fazendo carro localmente” ressaltou. Medeiros alertou sobre o índice de localização atual de 95% que não será mais o mesmo com a migração para carros 100% elétricos, por causa da bateria e da eletrônica embarcada, hoje importadas, e também dos motores elétricos.
Tiago Sugahara, diretor e conselheiro da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) para veículos leves, fechou a programação falando de tendências do mercado e destacou a evolução da eletrificação no mundo segundo estudo recém publicado do Global EV Outlook.
Focado em veículos elétricos à bateria e híbrido plug-ins, o estudo aponta o emplacamento de mais de 1 milhão de veículos em 2017, número que dobrou em 2018 superando mais de 2 milhões de veículos emplacados em um único ano.
Trouxe dados de crescimento na pandemia, em que a porcentagem global de veículos eletrificados vendidos aumentou de 2% para mais de 4%, números que seguiram em escala ascendente em 2021 com 8%, em 2022 com 13% e no ano passado com a marca de 14 milhões de automóveis ou 18% do mercado mundial. “Enquanto isso a venda de motores a combustão no mundo vem caindo ano após ano”, afirmou o especialista.
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