Os micos do primeiro carro elétrico a gente não esquece
Jornalista relata como foi a sua primeira vez a bordo de carros totalmente elétricos
Dei a partida e... nada.
Nenhum nhenhenhen, nenhum sacolejo do motor, nenhum barulho ou ruído que indicasse aos meus ouvidos que o motor entrara em funcionamento.
O carro permaneceu no mais desconcertante silêncio.
Fiquei meio sem saber o que fazer, mas notei que o painel acendera.
Se fosse a minha sofrida Doblò, meu diagnóstico viria rápido: problema no motor de arranque, claro.
Mas aquele não era o meu velho carro, e sim minha primeira experiência com uma das máquinas mais modernas já produzidas pela indústria automobilística: um Chevrolet Bolt EV, um dos carros elétricos já à venda no Brasil, e uma das estrelas do Electric Experience, evento dedicado à experimentação dos automóveis híbridos e elétricos, que está acontecendo no Motor Park Haras Tuiuti, a cerca de duas horas de São Paulo, até a próxima terça-feira, dia 15 de novembro (ingressos a R$ 80).
E isso explicava tudo: eu simplesmente não sabia que carros elétricos dão partida sem ruído algum, bem como se movimentam no mais completo silêncio.
Quer dizer: saber, eu sabia. Mas apenas na teoria.
Na prática, jamais havia dirigido um.
Era a minha primeira vez com um carro 100% elétrico.
E aquele patético início seria apenas a primeira de uma série de deliciosas descobertas.
A segunda veio logo depois, quando, finalmente, após consegui partir (não é que aquele motor estava mesmo ligado?), decidi parar e tirei o pé do acelerador.
O carro estancou na hora e sozinho.
Eu sequer precisei pisar no pedal de freio – caramba, como ele fez isso?
A resposta, eu só descobriria depois: os carros elétricos possuem um recurso que potencializa a recuperação de energia gerada pelos freios a fim de alimentar as baterias, e isso também praticamente anula a necessidade de tocar no pedal de freio.
“Pilotagem com um só pedal”, explicava, com todas as letras, o painel de instrumentos bem a minha frente - mais cômodo que isso, só mesmo se fosse um carro autônomo.
Quando o carro parou, de maneira tão eficiente quanto automática, veio – de novo – o silêncio total do motor.
Xi, morreu – pensei.
Até porque o painel continuava aceso.
Mas essa – eu também aprenderia depois – era a senha de que não havia nada de errado com o carro.
O problema era o motorista (ou seja, eu...), que ainda não estava habituado às sutilezas dos automóveis elétricos.
A começar pela mais gritante delas: o silêncio, já que motores elétricos não fazem ruído algum.
Quando em movimento, tudo o que você ouve é o zumbido gostoso da velocidade crescendo vertiginosamente, como os carrinhos de autorama.
Essa foi a terceira surpresa do dia, e veio logo que recoloquei o carro em movimento e pisei fundo no acelerador: o crescimento da velocidade foi instantâneo e vibrante.
Para quem não se chama Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Rubens Barrichello nem Felipe Massa, acelerar um carro elétrico com vocação mais esportiva (e no modo “Sport”, como permitem os comutadores de “estilo de pilotagem”, que a maioria dos automóveis do gênero possui) é a coisa mais próxima que pode haver de uma largada de Fórmula 1: 0 a 100 km/h em menos tempo do que você levou para ler este parágrafo!
Nos modelos mais potentes, a cabeça dos ocupantes chega a ser empurrada um tantinho para trás e as rodas quase ameaçam patinar, surpreendidas com aquela enxurrada de potência, despejada quase de uma vez só – nenhum carro com motor a combustão chega nem perto da aceleração de um elétrico.
É empolgante.
Ainda bem que a segurança é o segundo ponto mais forte da atual geração dos automóveis elétricos, depois – é claro - da tecnologia.
Tudo neles é digital, inteligente e na forma de botões, quase sempre virtual.
Até o freio de mão, o que me custou alguns minutos procurando uma alavanca que não existe mais em praticamente todos os modelos do gênero.
Em dos carros que também experimentei, o delicioso Peugeot e-208 GT (no Electric Experience, você pode andar quantas vezes quiser em qualquer um dos 28 modelos que estão à disposição dos visitantes, o que torna a experiência também uma comparação entre modelos), o painel de instrumentos não apenas era digital, como, também, em 3D: o velocímetros “saltava” para fora da tela, como forma de chamar a atenção do motorista para a performance esportiva do modelo, algo que a ausência do ronco forte de um motor pode, às vezes, mascarar.
Mais interessante que isso, só mesmo o recurso de “projetar” a velocidade no próprio para-brisa do veículo, a fim de atingir o mesmo objetivo nos motoristas, que existe tanto nos modelos da Volvo quanto da surpreendente fábrica chinesa BYD (de “Build Your Dreams” – “Construa seus sonhos”, em português), possivelmente a única marca do planeta que tem o slogan no próprio nome.
Mas isso não é uma exclusividade dos carros elétricos, porque já existe, também, em alguns automóveis com motores a combustão.
Já o silêncio, a fulminante aceleração e a ausência de trepidações, são.
Eu senti isso logo nos primeiros metros, quando tudo o que ouvia ao volante era o zumbido do vento passando pela carroceria e o atrito dos pneus no asfalto – ruídos que são quase imperceptíveis nos carros convencionais, porque o barulho do motor os anula, mas que se tornam até incômodos quando nada mais produz ruídos ao redor.
“As fábricas já estão preocupadas com isso, e investindo tanto em aerodinâmica quanto em bandas de rodagens mais silenciosas para os pneus dos carros elétricos”, me explicaria, depois, o organizador do evento, Cacá Clauset.
“O objetivo é que nada produza ruídos nos carros elétricos. Como se você estivesse dirigindo dentro de uma bolha silenciosa”, resumiu.
De fato, o silêncio e a performance foram as duas coisas que mais me impressionaram nos carros elétricos, especialmente porque são veículos bem mais pesados que os automóveis convencionais, por conta do arsenal de baterias que carregam debaixo do assoalho.
Em compensação, sobra espaço debaixo do capô – que, por isso mesmo, acho que tende a ser cada vez menor nos carros elétricos.
Na versão elétrica do Renault Kwid, por exemplo, atualmente o segundo elétrico mais barato do país (se é que dá para chamar de “barato” um carro que ainda custa o dobro da versão a combustão, “mas isso também deve começar a mudar em breve”, me tranquilizou um técnico no assunto), a sensação, ao abrir o capô, é que roubaram o motor – ficou só o buraco onde antes havia um propulsor convencional, já que o sistema elétrico ocupa bem menos espaço.
No futuro – quem sabe? -, isso até leve os projetistas a redefinirem o conceito geral dos automóveis, alterando a forma clássica de capô, cabine e porta-malas – capô grande pra que, se não existe motor?
Mas, talvez, ainda seja cedo demais para uma mudança tão radical, porque isso poderia deixar os motoristas mais tradicionais, como eu, ainda mais desconcertados frente aos modelos elétricos.
“É um caminho sem volta”, havia me garantido, minutos antes, o organizador do evento. “Quem compra um carro elétrico, não volta nunca mais para os convencionais”.
Eu divagava sobre isso com meus pensamentos, quando decidi estacionar o Chevrolet Bolt EV, ao final da minha primeira experiência com um carro 100% elétrico.
Instintivamente, soltei o cinto de segurança, abri a porta e já me preparava para ir embora, quando um detalhe chamou minha atenção, no painel de instrumentos: ele ainda estava aceso - sinal de que o motor do carro também ainda estava em funcionamento!
O mesmo desconcertante silêncio que me pregara uma peça na partida, me fez pagar mico na chegada.
Jamais vou esquecer o dia em que sai do carro e deixei o motor ligado.