Atletas da antiga Alemanha Oriental, cuja saúde foi prejudicada por autoridades esportivas que administraram secretamente esteróides para melhorar o desempenho, poderão pedir indenização. O Parlamento alemão aprovou uma lei que institui um fundo de 2 milhões de euros destinado a compensar os danos.Uma campeã européia de lançamento de peso agora é homem, e outras mulheres apresentam pêlos no rosto e voz grave em consequência do uso diário sem conhecimento de hormônios - inclusive esteróides anabolizantes. Na última década, as vítimas também relataram a ocorrência de tumores sem causas aparentes e de mal formações congênitas graves nos filhos. Elas apresentaram ainda problemas hepáticos e depressão.
Os médicos da Alemanha Oriental diziam aos jovens atletas que as pílulas azuis que tomavam diariamente eram vitaminas, e a maioria das vítimas ingeria o medicamento sem questionar. A droga mais comumente utilizada foi o turinabol oral, esteróide anabolizante conhecido como "blitz azul" - algo como "ofensiva azul". Os efeitos típicos listados na nova lei incluem "crescimento de mamas nos homens, desenvolvimento de nódulos mamários em mulheres, e a masculinização da aparência de pessoas do sexo feminino - o que inclui o surgimento de voz grave, acne, aumento de pêlos no corpo, aumento do clitóris, calvície e redução da mama".
Organizações de vítimas estimam que 10 mil atletas alemães tenham sido dopados entre 1970 e 1989, ano da queda do Muro de Berlim. As vítimas mais freqüentes eram os competidores de esportes como natação, remo, atletismo e esqui.
O desempenho espetacular e as 570 medalhas olímpicas que as pílulas ajudaram a conquistar eram considerados como uma propaganda vital pelo governo da Alemanha Oriental. Essa atitude se manteve apesar dos questionamentos feitos pelo Ocidente, em meados da década de 80, sobre a saúde e o sexo de algumas atletas.
Há dois anos, o principal homem responsável por esse sucesso foi condenado por ajudar a causar graves danos à saúde de mais de 20 competidores. Manfred Ewald, chefe da equipe nacional de esportes da ex-Alemanha Oriental, e o médico da equipe, Manfred Hoeppner, não foram presos, mas receberam suspensão de 22 meses e de 18 meses, respectivamente.
Uma das principais vítimas foi Andreas Krieger que, com o nome de Heidi Krieger, venceu na categoria feminina o Campeonato Europeu de lançamento de peso em 1986, três anos após começar a tomar as pílulas azuis. Onze anos mais tarde, Krieger fez uma cirurgia para mudar de sexo e transformar-se em homem - compulsão pela qual ele responsabiliza os hormônios masculinos recebidos quando era uma jovem mulher.
A lei aprovada na semana passada destina 2 milhões de euros para um fundo que deve beneficiar mais de mil vítimas de doping. Os interessados em receber a compensação pelos danos devem registrar as queixas até março de 2003. De acordo com a lei, o dinheiro será destinado a quem "sofreu graves problemas de saúde por ter recebido sem ter conhecimento substâncias de doping enquanto eram atletas de destaque da ex-República Democrática da Alemanha".
A proposta de oferecer um pagamento padrão de 5 mil euros para cada vítima, formulada pelo partido de oposição União Democrata Cristã, foi rejeitada pelo Parlamento por receio de provocar custos incontroláveis. Muitas vítimas estavam bastante descontentes com a forma que foram usadas e abusadas por autoridades esportivas da antiga Alemanha Oriental. Esses atletas se consideravam ignorados pelo governo da Alemanha unificada.
Gustav-Adolf Schur, ciclista da ex-Alemanha Oriental que agora é deputado pelo antigo partido socialista, o PDS, votou contra a nova lei. Ele alegou que a legislação se restringe apenas às vítimas da antiga Alemanha Oriental. Schur alega que o doping também era praticado da Alemanha Ocidental e que a nova lei deveria abranger todo o país.
Outros parlamentares já anunciaram a intenção de alterar a lei na Corte Constitucional. "Os políticos estão tentando nos calar da forma mais rápida e barata possível", disse a ex-atleta Birgit Boese aos jornalistas.