Um parágrafo sobre a saúde da mulher que reconhece seus direitos sobre o próprio corpo, tais como o uso de métodos contraceptivos ou a possibilidade de aborto, mas os sujeita às legislações nacionais e aos valores culturais, é o último e grande obstáculo do plano de ação de Johannesburgo.O parágrafo, aprovado já na Cúpula preparatória de Bali em maio, diz textualmente que "as legislações nacionais e os valores culturais e religiosos devem ser respeitados". A discussão sobre o texto terminou assim na Indonésia, mas já naquela ocasião o Canadá ressaltou que não tinha sido discutido suficientemente e garantiu que não concordava com essa frase, a qual deveria se acrescentar" de acordo com os direitos humanos e liberdades fundamentais".
O Canadá, outros países como México, Austrália, Nova Zelândia, Noruega, Suíça e os caribenhos somados a organizações humanitárias abriram o debate em Johannesburgo já que consideram que esta frase deixa o caminho livre para os maus tratos, esterilização, mutilações, agressões sexuais e outras violações dos "direitos reprodutores da mulher".
"Este parágrafo é uma volta ao passado. Faz as mulheres perderem o controle do seu próprio corpo. Se opõe a todos os direitos femininos, ignora os direitos humanos e põe acima os direitos culturais ou sociais", declarou à AFP Cecilia Lopez Montaño, ex-ministra colombiana de Agricultura, Meio Ambiente e Planejamento do governo de Ernesto Samper (1994-98).
"Nota-se que os homens dominaram esta conferência", denunciou. Nesta terça-feira, representantes de mulheres dos cinco continentes protestaram na frente da porta do centro de convenções de Johannesburgo onde está sendo realizada a reunião da ONU para que os países cheguem a um acordo sobre o ponto que bloqueia a negociação.
As manifestantes mostravam um cartaz que dizia: "A Cúpula do Desenvolvimento Sustentável negocia os direitos femininos". Unindo-se ao protesto, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Mary Robinson, foi taxativa ao dizer à AFP: "É importante que a sociedade civil pressione para que este parágrafo seja radicalmente modificado ou pelo menos termine se referindo aos direitos humanos universais. É terrível psra as mulheres, precisamos de outro tipo de texto em Johannesburgo."
Os Estados Unidos e o Vaticano são contra esta idéia de mudar o texto. Dois blocos importantes como a União Européia e o grupo dos países em desenvolvimento (G-77) estão completamente divididos. "No grupo dos 77, há um consensoo: o parágrafo não é aberto. A Venezuela, em particular, não teria nenhum problema, mas outros países como a Argentina são contra", explicou à AFP a ministra venezuelana do Meio Ambiente, Ana Elisa Osorio.
Segundo ela, a discussão do texto, além de envolver a questão do conteúdo, gera um probelma de forma já que o parágrafo está pronto e se for reaberto dará margem para que outros países que não estão de acordo com o Plano de Ação desejem retomar as discussões.
"Há muitas pressões religiosas no meio, mas deveríamos nos perguntar sobre o que na prática este texto pode provocar se pregar a palavra de Deus. Além de discriminar a mulher, enfraquece a paz", garante a salvadorenha Marta Benavides, da Organização Não-Governamental (ONG) WEDO.
Diante de uma centena de governantes dos cinco continentes e mostrando que a discussão já é tema de discussões presidenciais, o dirigente mexicano Vicente Fox se referiu a este ponto do bloqueio nesta terça-feira. "Queremos que no parágrafo 47 do plano de ação se acrescente a frase de acordo com todos os direitos humanos e liberdades fundamentais", declarou. As negociações sobre a questão continuavam nesta terça-feira no Centro de Convenções Sandton, a poucas horas do encerramento da Cúpula da Terra da ONU.