O presidente peruano, Alberto Fujimori, anunciou, em uma inesperada mensagem televisiva à Nação durante a noite deste sábado, a convocação de novas eleições gerais no "prazo mais imediato possível" e nas quais decidiu não concorrer. Sua decisão foi anunciada em meio a uma profunda crise política iniciada com sua polêmica segunda reeleição, em maio passado, e agravada de maneira decisiva na quinta-feira passada, ao ser difundida uma gravação em vídeo que comprometia seu poderoso assessor presidencial, Vladimiro Montesinos, o que gerou o maior escândalo de corrupção no país em mais de uma década.No vídeo, é possível ver Montesinos entregar US$ 15 mil ao congressista opositor Alberto Kouri, que era da oposição e que poucos dias depois, inesperadamente, passou para as fileiras do oficialismo.
Após reconhecer que essa gravação provocou "um forte impacto na estabilidade do governo e do país", Fujimori anunciou, depois de 10 anos (dois mandatos) e 50 dias de seu terceiro governo, novas eleições nas quais decidiu não participar, cedendo lugar aqueles que se sintam capazes de disputar o cargo.
"Não quero constituir um fator de perturbação e, muito menos, de obstáculo para fortalecer o sistema democrático", declarou o presidente, acrescentando que, depois de "uma profunda reflexão", decidiu desativar o serviço de inteligência e convocar no prazo imediato possível eleições gerais.
O anúncio presidencial gerou de imediato manifestações de satisfação na Plaza Mayor de Lima, onde se localiza o Palácio do Governo e onde centenas de pessoas reuniram-se para corear frases do tipo "A ditadura caiu!" e "O povo unido jamais será vencido".
Depois de pronunciar seu surpreendente discurso ao país, Fujimori permaneceu no Palácio do Governo, onde o clima aparentemente era de normalidade, assim como nos quartéis e guarnições do país. Momentos antes uma fonte do Palácio havia negado categoricamente as versões que circulavam na capital peruana e que asseguravam que o presidente peruano estaria preso em uma base naval.
Até as primeiras horas de domingo, não se conhecia o paradeiro de Montesinos, um personagem que sempre atuou à sombra durante a administração Fujimori. Versões sobre sua possível saída do país não puderam ser confirmadas ou desmentidas.
O Serviço de Inteligência Nacional (SIN), do qual Montesinos era chefe de fato, foi desativado automaticamente, segundo o anúncio de Fujimori.
O SIN era um organismo que durante o governo Fujimori havia adquirido um excessivo poder e cujos braços chegavam a coantrolar as Forças Armadas, o Poder Judicial e quase todos os organismos do Estado, segundo analistas independentes e da oposição.
Em seu discurso, Fujimori não precisou a data das novas eleições, limitando-se a assinalar que elas devem ser realizadas no prazo mais imediato possível.
Sua mensagem deixou um vazio em relação a seu futuro imediato, já que não precisou o papel que desempenhará depois de sua crucial decisão. Os meios políticos estimam que Fujimori deverá iniciar uma negociação com os partidos de oposição.
Por outro lado, o ex-candidato presidencial e líder da oposição peruana, Alejandro Toledo, considerou que seis meses é um prazo razoável para a realização de novas eleições gerais em seu país e defendeu a escolha de um candidato único para disputar as novas eleições.
Em declarações à CNN em espanhol, falando em Washington, onde se encontra de visita, Toledo advertiu sobre a importância de não antecipar demasiadamente novas eleições e tampouco retardá-las.
"Acho que é preciso receber com muito cuidado (o anúncio de Fujimori), em meio a este clima de euforia e instabilidade. Se realizarmos as eleições muito rápido, não teremos tempo para implementar as medidas democratizadoras que permitam uma eleição limpa", declarou. "Por outro lado, se demorarmos muito, corremos o risco diante de muitos fatores que presidente Fujimori não controla. A mim parece que é preciso pressionar o tempo; que seis meses é bastante razoável, período durante o qual devemos implementar as medidas democratizadoras e conseqüentemente convocar novas eleições gerais, incluindo as do Congresso".
Toledo, que anunciou que suspenderá uma viagem pela França, Itália e Oriente Médio, para regressar imediatamente a Lima, mostrou-se cauteloso quanto à possibilidade de ser candidato para suceder Fujimori.
"À luz dos anúncios feitos pelo presidente devemos fazer todos os esforços para chegar a uma candidatura única. Quem é que lidera isso? Vai depender muito do consenso das forças políticas e da sociedade civil", afirmou. "É nossa responsabilidade ter uma candidatura única e que esse candidato a presidente tenha um mandato de transição que permita a reconstrução da democracia no Peru".
Sobre a decisão do presidente, Toledo acrescentou: "É saudável (...) O governo de Fujimori já estava inviável e fortemente minado pela presença de Vladimiro Montesinos (seu assessor), envolvido em muitas denúncias, algumas constatadas..."
A única ponte atualmente entre governo e oposição peruanos é o diálogo patrocinado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que procura fortalecer a democracia no país.
Dentro da gama de possibilidades no caso de que Fujimori decidir renunciar à presidência, seria a substituição de Fujimori pelo primeiro vice-presidente Francisco Tudela, considerado um personagem favorável ao diálogo com os setores da oposição.
Não se descarta que Fujimori possa manter-se na presidência e se designe um novo gabinete de consenso com um primeiro-ministro, cujo principal papel seria o de preparar as eleições que poderiam ser realizadas num prazo previsível de três a quatro meses.