"A minha sexualidade é um detalhe no meio disso", diz Armando Babaioff sobre sucesso internacional
Artista está em temporada no Brasil com o espetáculo "Tom na Fazenda" depois de reconhecimento estrondoso na França
A história de Armando Babaioff e do autor canadense Michel Marc Bouchard se cruzou há quase 10 anos, quando o ator deixava uma sessão de cinema de quase três horas do longa "Boyhood". Empolgado com o filme, Armando recebeu como indicação assistir "Tom na Fazenda", adaptado para as telonas pelo diretor prodígio Xavier Dolan.
Na trama, um jovem publicitário vai para uma fazenda para o velório do companheiro e por lá se depara com a mãe e irmão do rapaz, com quem passa a conviver em um enredo de horror e drama.
"Li o texto que peguei na internet e ali, no meu quarto, já comecei a imaginar quem faria o quê, quem ocuparia qual função, já comecei a produzir. O que me bateu de cara foi a temática e a maneira como o Michel Marc Bouchard se utiliza das palavras e das cenas para construir uma obra que fala de tantas coisas para além de uma discussão sobre homofobia", explicou animado o ator ao Terra NÓS.
"Homofobia foi algo que aconteceu no passado e que determina o presente dos personagens. 'Tom na Fazenda' fala de relacionamentos humanos dentro de um núcleo familiar, onde nem tudo é o que parece ser. Eu só fui ver o filme do Dolan três anos depois da peça ter estreado", relembra.
A versão de "Tom na Fazenda" que Armando produziu para os palcos estreou em 2017 e, de lá para cá, lotou teatros, acumulou prêmios, participou dos mais importantes festivais do mundo – incluindo o Festival d’Avignon em 2022, onde foi aplaudido por mais de 12 minutos e abriu as portas para uma temporada estendida na França – e, claro, acompanhou os debates sociopolíticos do país.
"Quando nós começamos a ensaiar, a Dilma ainda era presidente, sofre o impeachment, Michel Temer assume, eleições, polarização, Bolsonaro presidente. Essa revolução estava acontecendo e nós estávamos em cena", relembra o ator, trazendo também as censuras sofridas pela atriz Renata Carvalho, impedida de apresentar em várias cidades o espetáculo "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", onde Jesus voltava à terra no corpo de uma travesti, e pelo performer Wagner Schwartz, acusado de pedofilia e linchado virtualmente depois que um vídeo de uma apresentação feita no MAM, em São Paulo, em que aparecia nu foi tirado de contexto.
O próprio "Tom na Fazenda" sofreu censura em uma temporada em BH. "Isso tudo acontecendo e a gente em cartaz, absorvendo tudo isso, absorvendo discussões da sociedade. Na sala de ensaio eu achava que o tema central da peça era homofobia, mas com o passar das apresentações e do tempo eu olho e vejo o agronegócio, a exploração, o nosso histórico de colonização, esse lugar operado por homens, hoje eu olho pra peça e enxergo essa grande lona como uma representação simbólica do patriarcado", reflete ele, se referindo à cenografia do espetáculo.
Aos 42 anos, o recifense radicado no Rio de Janeiro é de uma geração inédita de galãs: os assumidamente LGBTQIAPN+. Em 2021, a imprensa começa a noticiar sua relação, de quase uma década, com o companheiro Victor Novaes. Desde então, o casal troca mensagens de carinho nas redes sociais.
Assim como Armando, outros astros não só se assumiram publicamente, como também levaram a orientação afetivo-sexual para seus projetos artísticos, como Bruno Fagundes e Reynaldo Gianecchini no espetáculo "A Herança", Macos Pigossi na produção do documentário "Corpolitico" e Alejandro Claveaux na série "Rensga Hits".
Para o ator, no entanto, as coisas não estão tão relacionadas. "Eu sou um artista. Mais do que querer retratar a minha realidade, eu busco nos meus projetos pessoais a minha verdade, a minha coerência, quem eu sou está aliado a essas escolhas, que passam por muito mais lugares do que a minha sexualidade, passam pela minha maneira de enxergar o mundo. A minha sexualidade é um detalhe no meio disso", resume.
"Claro que tudo passa por mim, pelo meu olhar, pelas minhas vivências pessoas que determinam quem eu sou, até mesmo como produtor, ator e tradutor, mas ela não me resume, pelo contrário, me liberta para fazer o que eu quiser. É sobre a construção da liberdade", complementa, partindo para uma análise geracional.
"Os tempos mudaram para todos, não só para mim, as referências que essa geração de jovens tem é infinitamente plural e mais livre perto das minhas referências. Eu sinto que os tempos mudaram para todos e, como artista e cronista do meu tempo, eu sinto que estou dialogando com o contemporâneo. E ver a realidade retratada, seja ela qual for, é bom para todos, é através da identificação que percebemos que não estamos sozinhos no mundo", explica, contextualizando a importancia da representatividade e do pertencimento.
Para 2023, os planos são seguir com a temporada no teatro FAAP, em São Paulo, às quartas e quintas até o final de setembro, ao mesmo tempo em que realiza uma turnê pelo Norte e Nordeste do Brasil nos finais de semana – além de se preparar para começar o ano de 2024 na Europa.
"Estamos com uma agenda começando em janeiro e que vai até maio, serão 47 apresentações espalhadas nesses quatro meses por toda França, a Suíça e a Bélgica. Vamos nos apresentar em Paris de novo, no teatro do Musée du Quai Branly. Em junho teremos folga e julho estamos estudando se faremos Portugal e Alemanha. E em agosto estaremos representando o teatro brasileiro no maior festival de teatro do mundo, o Festival de Edimburgo na Escócia, o que nos abrirá portas para o mercado de língua inglesa. Pelo menos nos próximos três anos estarei dedicado ao teatro", arremata o ator.