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A sobrecarga invisível: mulheres resolutivas e a carga desproporcional de tarefas

Mulheres resolutivas são sobrecarregadas com tarefas invisíveis, historicamente relegadas a nós, por uma sociedade que reafirma estereótipos

26 dez 2023 - 11h20
(atualizado às 11h37)
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Imagem mostra uma mulher negra sentada em um sofá cinza e segurando uma almofada. Ela oha para baixo e aparenta triteza.
Imagem mostra uma mulher negra sentada em um sofá cinza e segurando uma almofada. Ela oha para baixo e aparenta triteza.
Foto: Alma Preta

Por: Lívia Teodoro*

Mulheres resolutivas enfrentam uma sobrecarga de tarefas que, muitas vezes, passa despercebida. A carga desproporcional de responsabilidades, historicamente atribuída a nós, torna-se um fardo invisível que afeta diretamente nossa saúde física e mental.

Mulheres estão exaustas devido à sobrecarga constante de tarefas, uma consequência direta da estrutura machista que relega a nós a função primordial de cuidar. Esta designação, muitas vezes, ultrapassa as barreiras do lar, estendendo-se a agendas familiares, cuidados com os filhos e tarefas burocráticas do cotidiano. A sociedade, moldada por estereótipos de gênero, impõe às mulheres uma carga adicional que não só é invisibilizada, mas também desvalorizada.

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As mulheres rotuladas como "resolutivas" frequentemente acumulam tarefas de outras pessoas, tornando-as alvo de uma sobrecarga ainda mais pesada. Tarefas domésticas, embora essenciais, são frequentemente desconsideradas como trabalho.

A criação de filhos, muitas vezes desempenhada por mães solos, é uma jornada árdua e frequentemente não reconhecida. Além disso, a organização da agenda da família e a gestão da alimentação, por exemplo, são responsabilidades que recaem desproporcionalmente sobre nós.

Uma pesquisa conduzida pelo Instituto Brasileiro de Economia, vinculado à Fundação Getúlio Vargas, revelou que mais de 11 milhões de mães no Brasil assumem a criação de seus filhos de forma independente. Nos últimos dez anos, o país testemunhou um acréscimo de 1,7 milhão de mães que assumiram a responsabilidade exclusiva pela criação dos filhos, sem a colaboração dos pais.

O estudo ainda evidencia que 90% das mulheres que se tornaram mães solos entre 2012 e 2022 são pretas ou pardas. Aproximadamente 15% dos domicílios brasileiros têm como chefes mães que enfrentam a jornada solo. Essa proporção é mais expressiva nas regiões Norte e Nordeste do país. E esses dados se tornam ainda mais preocupantes quando chegamos à informação de que 72,4% dessas mães residem apenas com seus filhos, sem contar com qualquer rede de apoio próxima.

Mães e donas de casa: o desafio invisível de manter o mundo girando

A sobrecarga de tarefas domésticas, embora crucial para o funcionamento da sociedade, permanece invisível e subestimada. Cuidar de uma casa é uma responsabilidade árdua, mas a sociedade muitas vezes relega esse trabalho a nós, tratando-o quase como uma obrigação feminina. O grande esforço de milhares de mulheres ao manterem lares funcionais é frequentemente esquecido, contribuindo para a invisibilidade do nosso trabalho e agravando a sobrecarga.

O fardo das mães ao cuidarem dos filhos também é substancial, seja para aquelas que se dedicam exclusivamente à maternidade ou para aquelas que enfrentam múltiplas jornadas para garantir uma criação responsável. Esse cenário torna a tarefa ainda mais desafiadora, enquanto a sociedade, na maioria das vezes, silencia sobre o peso dessa responsabilidade, contribuindo para a sobrecarga física e emocional.

Ainda há a gestão da agenda familiar que recai frequentemente sobre os ombros das mulheres. São vários exemplos: a marcação de visitas médicas para diversos membros da família, a organização de encontros, cardápios e a coordenação das tarefas necessárias para que esses eventos aconteçam. Esse papel de organizadora muitas vezes passa despercebido, tornando-se parte do cotidiano invisível e intenso vivenciado pelas mulheres.

Da mesma forma, a responsabilidade pela alimentação da família vai além do preparo de refeições — que já é extremamente trabalhoso — exigindo cuidado e atenção constantes para gerenciar a despensa, a validade do gás ou ainda a elaboração de cardápios sem desperdício. Essas tarefas, embora fundamentais, são subestimadas, ampliando ainda mais a carga de responsabilidades que recaem sobre as mulheres.

Equilíbrio vital: reconhecendo nossos limites e promovendo saúde mental

Escapar da armadilha de ser uma mulher resolutiva é um processo essencial para preservar não apenas a saúde mental, mas também para promover um equilíbrio saudável entre as demandas da vida cotidiana e o autocuidado. Reconhecer que é impossível abraçar todas as responsabilidades é o primeiro passo para evitar o desgaste mental.

A sobrecarga constante pode resultar em impactos negativos na saúde, tornando-se um obstáculo significativo para o gerenciamento da própria vida e das relações com família e amigos. Portanto, é super importante desafiar a noção de que ser imprescindível a todo momento é uma forma saudável de existir.

Além disso, é importante desconfiar das razões por detrás da compulsão de ser constantemente necessária na vida dos outros. Muitas vezes, a busca pela validação e a satisfação do ego podem alimentar essa necessidade de envolvimento em todas as demandas. É fundamental derrubar essa crença, reconhecendo que a verdadeira identidade não está vinculada à dependência dos outros. Soltar as amarras desse ciclo de submissão e assumir um papel mais equilibrado nas relações é essencial para um desenvolvimento pessoal saudável.

Também é importante citar o quanto é importante desenvolver a habilidade de delegar tarefas, como uma ferramenta valiosa nesse processo. Aprender a confiar em outros para realizar determinadas tarefas não apenas alivia a carga de responsabilidades, mas também permite uma otimização do tempo e cria um ambiente mais  saudável para mulheres resolutivas.

Mulheres negras, ao longo da história, foram violentamente associadas ao papel de cuidadoras, realizadoras de tarefas domésticas e submissas à servidão. As cicatrizes da escravização continuam a ter efeitos em nossa sociedade. Para além do impacto do machismo, que reforça esses padrões, o racismo alimenta esse estigma, impondo às mulheres negras uma carga adicional de discriminação. Desafiar e romper com esse ciclo torna-se um ato de resistência corajoso e necessário, uma afirmação de identidade que rompe com essas limitações históricas e constrói um caminho de liberdade.

Nós, mulheres resolutivas em busca de equilíbrio, estamos em uma jornada eterna de autodescoberta e resiliência. Ao reconhecer que não podemos abraçar todas as responsabilidades, abrimos caminho para uma transformação pessoal que transcende os estereótipos de gênero. Essa busca não é apenas pela preservação da nossa saúde mental, mas também uma luta para promover um modo de vida que valoriza o autocuidado e o entendimento de que nosso sucesso enquanto seres humanos não está atrelado a alimentar a dependência dos outros. 

À medida que nós, mulheres resolutivas, nos libertamos do ciclo de submissão e redefinimos nosso papel nas relações, criamos um ambiente mais sustentável e saudável para nós mesmas, e nos tornamos exemplo inspirador de resistência e autenticidade para aquelas que virão depois de nós.

Lívia Teodoro é mineira de 32 anos, é comunicadora, influenciadora e historiadora graduada pela UFMG. Faz parte do time de influenciadores da primeira edição da Teia de Criadores. Com formação em História da África e afro-brasileira, também é pós-graduanda em jornalismo digital. Discute pautas de gênero, raça e sexualidade de maneira didática e objetiva para ser acessível a todas as pessoas

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Alma Preta
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