Advogada cria plataforma gratuita com direitos sobre autismo após descobrir diagnóstico do filho
'Direito é qualidade de vida, não só para quem tem autismo, mas para toda a família', afirma Carla Borges Bertin, fundadora do Autismo Legal
Ter acesso à informação é um direito de todos. E a advogada Carla Borges Bertin levou isso ao pé da letra ao decidir criar o Autismo Legal. Porém, existe uma história de muitos anos antes do projeto se tornar realidade. Em 2014, Carla e o marido, José Carlos Bertin Júnior, começaram a reparar em algumas atitudes do filho caçula. "O Gabriel não falava nem cinco palavras que a gente entendesse, colocava a mãozinha no ouvido com sons fortes, alinhava carrinhos, gritava desesperadamente na hora de lavar a cabeça, era louco por números, não ligava se a gente saísse de perto, não procurava outras crianças", afirma a advogada.
O atraso de fala foi o que levou o casal a buscar um neuropediatra, que deu o diagnóstico de TEA. Carla e José estudaram sobre o assunto por um mês antes de decidirem o que fazer. "Gabriel começou com psicóloga e fonoaudióloga. Fizemos consultoria com alguém que nos ensinou muitas coisas sobre autismo e resolvemos que faríamos parte do desenvolvimento dele. Diminuímos a sala de jantar para fazer um quartinho de terapias e eu ficava de 3h a 4h fazendo estimulações e brincadeiras dirigidas com ele", lembra.
Um dia, quando a advogada estava na sala de espera da terapia, uma assistente social que passava por lá mencionou que ela poderia comprar um carro com isenção de IPI por causa do autismo, que é considerado uma deficiência. "Foi aí que acendeu essa 'luz' que Gabriel poderia ter direitos. Comecei a pesquisar no Google e achei muitas respostas que não levavam a nada. Era sempre assim: 'o autista tem direito a tal coisa, procure um advogado'. E aí eu pensei: 'e quem não tem dinheiro para pagar advogado?'. Direito a gente pede cada um em um lugar diferente, tem formulários, documentos. Como sempre trabalhei com contabilidade, estou acostumada com burocracia", explica.
Com 20 anos de experiência no Direito, Carla nunca havia trabalhado em nenhuma causa sobre deficiência e decidiu mergulhar de cabeça no tema. E mais do que isso: compartilhar conhecimento. "Um dia, conversando com o meu marido, tive uma ideia: 'o que você acha de a gente fazer um site explicando para os pais como eles conseguem exercer os direitos dos filhos? Mas com formulário, com links, etc. Tudo para aquelas pessoas que não têm como pagar um advogado?'". José, que tem uma empresa de sistemas, topou na hora. "E aí nasceu o Autismo Legal. O 'legal' vem de direitos, mas de bacana também. É muito legal ter filhos e o autismo não tira isso da maternidade ou paternidade", conta.
José programou o site e Carla produziu o conteúdo. Eles montaram páginas nas redes sociais, com lives e outros materiais sobre direitos referentes à planos de saúde e atendimento no SUS, benefícios sociais para famílias em situação de vulnerabilidade, entrada gratuita em parques de diversão, transportes e muito mais. "A essência do Autismo Legal é levar informação prática, de forma gratuita, para que os pais sejam os advogados dos próprios filhos. Não tinha ninguém que ensinasse isso a eles. Quem tinha dinheiro poderia pagar um advogado. Mas quem não tinha ficava batendo cabeça ou saia por aí dizendo que Direito é só no papel", enfatiza.
Saber que não precisam ficar esperando na fila de atendimento correndo risco de o filho ter uma crise ou que o aluno pode ter um assistente terapêutico em sala de aula para auxiliar o desenvolvimento traz qualidade de vida aos familiares, na visão de Carla Bertin: "O Direito é para todas as pessoas e é qualidade de vida, não só para quem tem autismo, mas para toda a família. Ela é diretamente impactada pelo diagnóstico e a gente consegue levar informação para quem precisa".
No Autismo Legal, pais têm acesso a um guia sobre o TEA, e brincadeiras dirigidas. Além disso, com auxílio de inteligência artificial, até o fim do mês, será lançado um módulo pago dentro do app para aqueles que querem um conteúdo específico para o filho. Famílias em situação de vulnerabilidade terão acesso livre. "Investimos tudo do nosso bolso. Essa plataforma tem um custo baixo de manutenção anual e os pais terão 30 dias de acesso gratuitamente. Quem puder pagar irá custear o sistema para quem não pode. São 40 profissionais envolvidos nesse projeto, de forma voluntária", conclui.