Advogado é impedido de defender cliente no tribunal do DF por usar trajes do candomblé: 'Direitos cerceados'
Gustavo Coutinho usava um terno branco e as guias da religião. Defesa teve que ser feita por outra advogada
Um advogado de 30 anos foi impedido de fazer a defesa de um cliente durante uma sessão da 7ª Turma Cível da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Isto porque Gustavo Coutinho usava vestes e guias do candomblé, religião de matriz africana.
O caso ocorreu na última quarta-feira, 28, Dia do Orgulho LGBTQIA+. Inclusive, o advogado iria fazer a sustentação oral de um processo de 2ª instância, em um caso de homofobia. Coutinho usava um terno branco, suas guias e seu eketé, uma espécie de chapéu. A vestimenta é obrigatória por três meses, no período chamado de resguardo, para iniciação na religião.
Ao Terra, ele afirmou que chegou a colocar a tradicional beca preta fornecida pelo tribunal, mas no momento em que pega o microfone para falar junto ao tribunal, é impedido. “O desembargador do processo pediu uma questão de ordem, porque nas palavras dele, eu estava desrespeitando a corte com as vestimentas”, relembra.
O desembargador em questão é Fabrício Fontoura Bezerra. Ainda segundo Coutinho, o magistrado teria dito que o advogado tem que estar com roupa formal, em respeito à liturgia da Corte. “[Falou] que era extremamente católico, mas não era preconceituoso com religião ou raça”, conta o advogado.
Além disso, o desembargador também comparou a situação com a de um advogado que estava fazendo a sustentação oral enquanto dirigia. Para não prejudicar seu cliente, a defesa foi feita por outra advogada que o acompanhava.
“Me senti tendo os meus direitos cerceados, uma vez que não pude exercer a minha advocacia. Foi colocado como se eu não tivesse declinado da palavra, mas não foi isso”, explica.
Logo após o fim da sessão, ele acionou a comissão de Prerrogativas da OAB/DF. Coutinho pretende enviar uma manifestação à Comissão Nacional da Justiça (CNJ) e ajuizar uma ação cabível.
Em consulta ao regimento interno do TJDFT, é possível ver que não há informações sobre cores ou símbolos proibidos durante as sessões. O documento só informa que os advogados “ocuparão a tribuna usando capa ou beca, além do traje civil completo”.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) afirmou que não irá se pronunciar.
Já o juiz Fabricio Fontoura Bezerra declarou ao Terra que o advogado trajava "apenas calça e camisa brancas, além de um turbante, portanto, sem o uso de terno e de gravata, ou de vestes talares", e na ocisão, o magistrado "lembrou a tradição da vestimenta e a existência regimental do uso da capa ou beca, além do traje civil completo, nos termos do art. 101 do RITJDFT".
"Além disso, destacou o respeito às religiões e ao eventual acolhimento de entendimento contrário pelo Colegiado, que naquela oportunidade ouviu atentamente as explicações dos envolvidos. No entanto, a 7ª Turma Cível decidiu, à unanimidade, pela necessidade do traje formal, em atenção à regra regimental", afirmou.
O desembargador também disse que foi assegurado ao advogado a oportunidade de apresentar naquela oportunidade um áudio a ser ouvido em sessão pelos desembargadores votantes, fato confirmado por Coutinho em entrevista. "Ou mesmo o adiamento do julgamento para depois do período em deve usar as vestimentas próprias da religião escolhida, porém, considerando que ainda deverá usá-la por três meses, declinou a sugestão e repassou a exercício da palavra à dra. Maria Victoria Hernandez Lerner".
O magistrado reforçou que, desse modo, foi observada a legislação aplicável à espécie, o contraditório, e a decisão do colegiado, que entendeu que não houve prejuízo ao exercício da advocacia ou do contraditório.