Advogados explicam como funciona a aposentadoria para pessoas trans
Benefício vai além dos aspectos financeiros quando se trata de pessoas trans e envolve confrontar preconceitos
Pessoas trans podem enfrentar dificuldades e preconceitos no processo de aposentadoria no Brasil, mas a previdência permite aposentadoria de acordo com o gênero retificado.
O processo de aposentadoria, que deveria ser um direito acessível a todos, apresenta obstáculos específicos para pessoas trans no Brasil. "O grande desafio para pessoas trans em relação aos benefícios previdenciários é serem tratadas conforme a identidade de gênero com a qual se identificam", diz Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário e CEO da WB Cursos, em entrevista ao Terra NÓS.
A questão da aposentadoria vai além dos aspectos financeiros quando se trata dessa comunidade, segundo o advogado Carlos Lopes Campos Fernandes, especialista em Direito Previdenciário e Trabalhista e sócio majoritário do escritório CLC Fernandes Advogados. "Envolve confrontar a discriminação e o preconceito que podem impactar sua segurança e qualidade de vida", afirma.
Identidade de gênero
O sistema previdenciário brasileiro permite que pessoas trans se aposentem de acordo com o gênero retificado nos documentos oficiais. Isso significa que, caso a retificação tenha sido realizada, a pessoa será avaliada pelas regras aplicáveis ao gênero com o qual se identifica.
"Se é uma pessoa que nasceu biologicamente como homem, mas se identifica como mulher, a análise dos benefícios deve ser feita conforme as regras relacionadas à mulher", explica Washington Barbosa. "Não importa quando a retificação foi feita, o INSS deve considerar o gênero na data de entrada do requerimento."
Dessa forma, requisitos legais como o tempo de contribuição e idade mínima também são os mesmos para pessoas trans, segundo o advogado Carlos Fernandes. Mulheres (cis e trans) podem se aposentar com 62 anos de idade e pelo menos 15 anos de contribuição, enquanto homens (cis e trans) podem se aposentar com 65 anos de idade e pelo menos 20 anos de contribuição.
Documentação
A retificação de nome e gênero nos documentos pessoais é crucial para garantir que o processo de aposentadoria ocorra sem contratempos. Se a atualização não for feita, pode haver dificuldades na aprovação da aposentadoria e na comprovação do tempo de contribuição.
Conforme destaca Carlos Fernandes, "para fins de aposentadoria no INSS, recomenda-se que a pessoa trans faça a alteração prévia do prenome e gênero no registro civil e nos demais documentos públicos, como carteira de trabalho, CPF e RG."
Além disso, também é importante fazer a alteração nos registros da empresa, caso a pessoa trabalhe para uma. "De modo a deixar bem claro que você se identifica dessa forma há algum tempo e não deixar nenhuma margem para dúvida. 'Opa, não, ele só fez aqui no registro da carteira de identidade. Não fez no restante. Por quê?'", exemplifica Washington Barbosa.
E quando a transição de gênero ocorre após o início da vida laboral, o INSS deve considerar o tempo de contribuição anterior à retificação de gênero. "Todo o histórico de contribuições é mantido, independentemente do nome ou gênero anteriores. A pessoa trans tem o direito de acessar a aposentadoria sem perder os benefícios acumulados ao longo da vida laboral", afirma Carlos Fernandes.
Orientações
Os advogados previdenciários recomendam que, ao planejar a aposentadoria, a pessoa trans organize toda a documentação necessária e realize a retificação dos documentos, se necessário. "Isso ajuda a evitar qualquer suspeita de fraude por parte do INSS", afirma Washington.
"Regularize suas contribuições ao INSS e verifique periodicamente se todas as informações estão corretas no sistema da Previdência", aconselha Carlos Fernandes.
Também é importante que a pessoa trans esteja ciente de seus direitos e da possibilidade de contestar eventuais negativas do INSS. Caso a aposentadoria não seja concedida, é possível apresentar um recurso administrativo.
"E se o recurso administrativo for negado, a pessoa trans deverá buscar a garantia de seus direitos junto à Justiça", conclui Carlos.