Afinal, pode ou não pode usar o termo "sapatão"?
Ativistas têm buscado cada vez mais se apropriar e celebrar o termo usado por décadas como ofensa
Como se referir a pessoas da comunidade LGBTQIA+ é sempre uma dúvida, em especial para quem não faz parte da comunidade. Conforme as reflexões e debates socioculturais acontecem, os termos são adequados e também ressignificados. É o caso da palavra "sapatão" para falar sobre mulheres lésbicas.
Durante décadas, o termo "sapatão" foi usado para ofender. A artista plástica e escritora Marcela Tiboni explicou, em uma postagem, que o termo surgiu em meados do século XVII por conta da personagem Luiza Sapata, dos poemas de Gregório de Matos, e reforçado pelo uso de sapatos masculinos por mulheres lésbicas nos anos 70 por considerarem os saltos desconfortáveis.
A popularização veio na década seguinte com a música "Maria Sapatão" de Chacrinha, que reforçava estereótipos e colocava mulheres lésbicas no campo da piada e exclusão.
Marcela Tiboni, que é autora de três livros sobre maternidade lésbica, "MAMA: relato de maternidade homoafetiva", "Maternidades no Plural" e "Desmama: mãe ao lado de outra mãe", é uma das ativistas que têm ultilizado o termo em busca de se apropriar dele e ressignificá-lo.
"Agora nos apoderamos do termo, o usamos internamente entre LGBTs e, ao permitir que qualquer pessoa use o termo, tirando da palavra qualquer interpretação negativa, ele se torna nosso!!", afirmou a ativista em seu Instagram.
Marcela continua e explica: "No momento em que estas mulheres se apropriaram da palavra e passaram a usá-la de forma livre, leve e com orgulho, o opressor perdeu a posse do termo. Não fala mais sobre eles, fala sobre a gente. Tá tudo bem, pode usar a palavra sem medo de me ofender".
Enciclopédia Sapatão
Lançada em 2022, a Enciclopédia Sapatão é uma iniciativa da Casa 1, um Centro de Acolhida e Cultura LGBTQIAPN+ que tem como objetivo celebrar, preservar e evidenciar a vida, as memórias, as lutas e os trabalhos de lésbicas.
O projeto faz o perfil de personalidades, abordando as infinitas possibilidades de existir como lésbica e dando um espaço de destaque para essas vivências, sempre com um cuidado em pensar os recortes de raça, classe e outros marcadores importantes na constituição das identidades.
"A gente usa o termo sapatão como forma de afirmar a identidade brasileira na história do movimento LGBTQIAPN+. Poderíamos ter dado o nome de Enciclopédia Lésbica para o projeto, por exemplo. Mas a escolha editorial de seguir como sapatão reforça o desejo de que esse conceito não seja mais encarado como pejorativo. Queremos nos empoderar da palavra e colaborar com uma visão positiva dela e da comunidade lésbica brasileira", explica Brenda Amaral, coordenadora de comunicação da Casa 1 e uma das organizadoras da enciclopédia.