Andréa Werner: deputada, autista, mãe atípica e até expert em maquiagem
Ao Terra NÓS, parlamentar falou sobre trabalho, relação com o filho de 15 anos, diagnóstico recém-descoberto de autismo e "hobby" secreto
Em 2010, quando recebeu o diagnóstico de autismo do filho único, a jornalista mineira Andréa Werner sabia que sua vida nunca mais seria a mesma, mas não imaginava o quanto. Da mãe ávida por informações que pudessem melhorar a qualidade de vida de Theo, hoje com 15 anos, à deputada estadual de São Paulo eleita com 88.772 votos, ela se transformou numa espécie de porta-voz dos direitos das pessoas não só com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas com qualquer deficiência.
Sua trajetória pública começou com a criação do blog Lagarta Vira Pupa, cujo nome foi tirado de uma música do programa "Cocoricó" (TV Cultura), que Theo adorava. Entre um post e outro sobre suas experiências, Andréa foi tecendo uma rede de apoio e acolhimento com outros pais que acabou se transformando em convites para eventos, palestras e entrevistas para programas de TV.
Em 2016, Andréa lançou o livro "Lagarta vira pupa - A vida e os aprendizados ao lado de um lindo garotinho autista" (CR8 Editora), e no ano seguinte publicou o infantil "Meu amigo faz iiiii" (Pingue Pongue Educação).
Desde 2021 no comando do Instituto Lagarta Vira Pupa, formado por mães de crianças com deficiência e mulheres com deficiência, entre elas autistas, no mesmo ano anunciou sua filiação ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Antes de ser eleita, Andréa já havia tentado os postos de deputada federal e vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
À frente do Gabinete da Inclusão e da presidência da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência na Assembleia Legislativa de São Paulo, Andréa, aos 47 anos, vem comemorando as vitórias políticas - como a aprovação de uma lei que promove a inclusão escolar - e sua luta contra o capacitismo enquanto lida com as mudanças derivadas da adolescência do filho e as descobertas acerca de si mesma com um diagnóstico recente de autismo.
Crescida no seio de uma família evangélica, Andréa Werner afirma que não tem religião e se declara feminista. Entre tantas mudanças que vem passando em 2023, sente dificuldade em se autodefinir, mas se mostra incansável nos múltiplos papéis que ocupa e que vêm acumulando uma legião de admiradores. Em entrevista exclusiva ao Terra NÓS, ela conta um pouco sobre esse momento:
Em 2013, quando o blog Lagarta Vira Pupa começou a fazer sucesso, você disse em uma entrevista que se sentia aliviada por ter condições de pagar terapia e uma escola de qualidade para o seu filho e que autista pobre, infelizmente, só pode contar com apoio de ONGs. Foi essa percepção que começou a despertar em você a vontade de ser ativista e se dedicar à política?
Totalmente isso. Ao conhecer outras mães de autistas, percebi que a realidade do meu filho não era a realidade absoluta. Ouvi histórias de mães que estavam há dois anos numa fila de consulta com psiquiatra ou que só conseguiam levar os filhos para as terapias a cada 15 dias e em sessões de 15 minutos. Conheci muita gente sem acesso a diagnósticos, enquanto o tempo passava sem que pudessem dar qualidade de vida aos filhos. Histórias de crianças que recebiam "alta" quando chegavam à adolescência, como se o autismo fosse algo a ser curado. Todo esse desespeto e a falta de providências da parte do Estado mexeram comigo e foi a partir daí que iniciei meu ativismo.
O que está achando do trabalho político? Quais as maiores dores e as maiores delícias, digamos, até agora?
É uma delícia poder ajudar melhor as pessoas que eu acolhia antes como ativista, mas não tinha tantas ferramentas. Antes eu dependia da boa vontade de outras pessoas; hoje eu sou essa pessoa que pode ajudar. Tenho armas como poder protocolar um Projeto de Lei, encaminhar um ofício à uma prefeitura ou a Ministério Público. Minha maior dor é que infelizmente eu não consigo resolver o problema de todo mundo. É ridículo falar isso, mas não sei lidar com a sensação de que poderia fazer mais se tivesse mais parcerias na política, de outros deputados, por exemplo. É algo que me dói.
O que você espera com a implementação da Lei 17.798, o primeiro projeto do Gabinete da Inclusão?
A lei determina que no Estado de São Paulo as pessoas com Transtorno do Espectro Autista incluídas nas classes comuns do ensino regular têm direito a um acompanhante especializado. Essa é uma grande batalha com as escolas, pois muitas não permitem que acompanhantes de fora, que não sejam o professor auxiliar, entrem na instituição para auxiliar o autista, permitindo apenas a presença da mãe. Mas e as mães que trabalham, como fazem? Pela Lei 17.798 também fica proibida a recusa de matrícula de aluno com TEA ou qualquer outro tipo de deficiência, sob pena de multa de 3 a 20 salários mínimos.
É uma grande conquista, mas ainda estou negociando alguns pontos com o governador Tarcísio de Freitas, que impôs vetos que descaracterizaram o projeto.
E como você avalia até aqui a gestão Lula, principalmente em relação às pessoas com deficiência?
A situação para as pessoas com deficiência tem melhorado. Tenho um diálogo aberto com o Silvio Almeida [atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania], e estou participando da elaboração do Plano Viver sem Limite 2, que visa promover os direitos civis, abrangendo políticas públicas voltadas para pessoas com deficiência e suas famílias. Um dos primeiros decretos que o presidente Lula revogou foi a Lei 10.502, sobre educação especial, que segregava alunos com e sem deficiência. Então, não tenho muito o que reclamar.
Já sofreu ameaças de ou recebeu mensagens de ódio?
Ameaça de morte, não, mas já precisei registrar Boletim de Ocorrência contra mensagens de ódio por tocar em assuntos polêmicos, como o absurdo da venda de alvejantes para "curar autismo" que virou assunto há alguns anos. Durante as eleições do ano passado, marcadas pela polarização, também recebi mensagens agressivas via direct e precisei contratar um segurança para fazer a campanha. Ser mulher na política não é fácil.
Da época em que criou o blog Lagarta Vira Pupa até agora, dez anos se passaram e o autismo passou a ser um tema que vem sendo cada vez mais abordado e compartilhado. A que você atribui esse cenário?
Felizmente, há maior conscientização e conhecimento sobre o assunto. Pais de autistas passaram a se mobilizar e a construir redes de apoio e o fato de que figuras públicas como o Marcos Mion se dispuseram a compartilhar suas experiências também ajudou muito. Além disso, temos vários influencers autistas falando abertamente sobre o TEA no YouTube e nas redes sociais contribuindo para a autopercepção de muita gente, como o que aconteceu comigo, e para a normalização.
Como é a sua rotina hoje? E como ficou a rotina do Theo com o início da sua carreira política?
Olha, tá bem puxado. Moramos em Vinhedo, no interior paulista, e como tenho muitos compromissos na Alesp e na capital, contratei uma pessoa para levá-lo e buscá-lo na escola e nas terapias que faz na parte da tarde. Meu marido precisa ir para São Paulo três vezes por semana, então esse suporte se tornou necessário. Eu imaginava que nos fins de semana conseguiria suprir a minha ausência nos dias úteis, mas vivo ocupada com palestras, eventos e viagens a trabalho. Não tenho coragem de negar convites, aliás, preciso aprender a falar não. Meu marido reparou que, quando eu viajo, o Theo fica mais amuado e doeu meu coração ouvir isso. Afinal, foram dez anos trabalhando em casa, grudada com ele, e gosto de ajudá-lo a escovar os dentes e colocá-lo na cama. É difícil.
A adolescência do Theo tem sido tranquila?
Eu tinha muito medo dessa fase, sabia? Porque ouvia relatos de que muitos autistas se tornavam mais agressivos com a chegada da adolescência. O grau dele não é leve, é nível 2 e, para muitas coisas, 3. Ele não fala e só teve uma crise forte uma única fez. Ele chorou logo que a gente mudou para a nova casa, porque tudo estava uma grande bagunça, obra, poeira, barulho. Aquilo o incomodou demais. Mas, no geral, ele é tranquilo, um rapaz de 1,83 metros de altura muito doce que, sim, virou um adolescente. Antes vivia me beijando, era um grudinho, mexia no meu cabelo o tempo todo. Agora sou eu que que falo "dá um beijinho na mamãe", ele beija e logo dá aquela empurradinha, sabe? (risos). É um adolescente e quer o espaço dele.
Você desconfiava que tinha TEA? Tinha comportamentos que chamavam a atenção ou causavam estranheza durante a infância ou a adolescência?
Sempre soube desde criança que não era como as outras pessoas, mas tive uma infância feliz. A adolescência foi um pouco mais complicada, porque meus pensamentos e comportamentos destoavam dos demais. Tinha dificuldade em me adaptar às situações e de socializar, até hoje não consigo conversar olhando nos olhos do interlocutor, eu alterno entre o nariz e o olhos. Também fui diagnosticada com superdotação e altas habilidades e isso ajudou na questão do mascaramento.
Que sentimentos o diagnóstico despertou em você?
Para ser sincera, ainda estou digerindo tudo isso. O diagnóstico me permitiu entender muitos sofrimentos que enfrentei na adolescência e que, se tivesse conhecimento antes, teria criado estratégias para lidar melhor. Sofri muito com a dificuldade de leitura social, não entendia se as pessoas estavam falando sério ou brincando, se eram confiáveis ou não. Isso me colocou em diversas situações propensas à violência, por isso ressalto a importância do diagnóstico precoce na prevenção de vulnerabilidades, principalmente para as meninas, já que por questões culturais o autismo é mais difícil de identificar entre as mulheres.
Como você contou a notícia do seu diagnóstico para seu filho?
Foi de forma natural. Durante o período de obras aqui em casa, que como eu falei foi uma fase de muito incômodo para o Theo, eu simplesmente comentei: "Quanto barulho, né, filho? Mamãe é autista como você e também não gosta". Ele só respondeu "Iiiii", que é o jeito dele de dizer "sim". Acho que ele passou a se sentir menos sozinho dentro de casa nessa condição, mais compreendido.
Você tem algum hiperfoco no momento?
Muitos. E com treino aprendi a identificar quando estou entrando num momento de hiperfoco, pois sou capaz de ler e pesquisar o assunto em questão durante horas. Às vezes, esqueço até de comer e de fazer xixi quando estou hiperfocada. E o meu algoritmo do Instagram entrega os meus hiperfocos atuais: cachorrinhos, paisagens bonitas, principalmente de montanhas nevadas, e muitos, muitos vídeos de maquiagem. Tenho muito prazer em me maquiar, adoro experimentar produtos, e quando não consigo fazer em casa, me arrumo no carro, mesmo. Muita gente elogia minha aparência e acha que eu tenho um maquiador profissional me acompanhando nos eventos, mas eu mesma que faço tudo. Inclusive, o pessoal do gabinete brinca que quer que eu faça um tutorial quando sobrar um tempinho!
Você costuma usar o cordão de girassóis que identifica deficiências ocultas?
Às vezes, em audiências públicas e em situações em que acho mais importante pontuar o TEA. Hoje [19/10, data da entrevista] vou usar em um aeroporto pela primeira vez. Na minha opinião, é preciso regulamentar melhor a adoção do cordão de girassóis no país. Em alguns países, por exemplo, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é considerado uma deficiência, aqui não.
Mãe do Theo, coordenadora do Lagarta Vira Pupa, deputada estatual, ativista das pessoas com deficiência, autista. Quem, ou melhor, como é, simplesmente a mulher Andréa Werner? Você tem um hobby, por exemplo?
Não tenho um hobby específico, mas gosto de observar Charlie e Lola, meus cachorros, brincando. Ter mudado para o interior me permite ver o Theo brincando na piscina, feliz, e isso me deixa feliz também. Adoro ler e viajar e sou uma pessoa muito ligada à família, principalmente aos meus irmãos. Na verdade, tenho muita dificuldade de falar disso, de me definir. A cada dia venho tentando melhorar um pouco.