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Após 100 dias de protestos e mais de 500 mortes, manifestantes no Irã prometem: 'Não vamos parar'

Protestos atuais têm uma característica única, pois envolvem pessoas de toda a sociedade e as mulheres estão assumindo um papel de liderança sob o slogan "Mulher, Vida, Liberdade"

27 dez 2022 - 13h57
(atualizado às 15h35)
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Protestos começaram na região curda do Irã e se espalharam por todo o país
Protestos começaram na região curda do Irã e se espalharam por todo o país
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Cem dias após o seu início, os protestos contra o governo de mais longa duração desde a revolução islâmica de 1979 causaram abalo no regime iraniana, mas a um custo alto para o povo.

Mais de 500 manifestantes, incluindo 69 crianças, foram mortos, de acordo com a Agência de Notícias de Ativistas de Direitos Humanos (HRANA). Dois manifestantes foram executados e pelo menos 26 outros enfrentam o mesmo destino, após o que a Anistia Internacional chama de "julgamentos simulados".

Embora manifestações de alcance nacional já tenham atingido o Irã antes — uma ocasião em 2017, que durou até o início de 2018, e outra vez em novembro de 2019 — os protestos atuais têm uma característica única, pois envolvem pessoas de toda a sociedade e as mulheres estão assumindo um papel de liderança sob o slogan "Mulher, Vida, Liberdade".

Algumas celebridades iranianas estão apoiando os protestos de forma incondicional, o que resultou em prisão ou exílio.

Taraneh Alidoosti, uma conhecida atriz iraniana, está detida na conhecida prisão de Evin depois de se manifestar contra a execução de um jovem manifestante.

Ela havia publicado antes uma foto sem o véu na cabeça (obrigatório pelas leis do país) em que segurava uma placa com o slogan dos protestos.

"Eu trabalhei com Taraneh em quatro filmes e agora ela está na prisão por seu legítimo apoio a seus compatriotas e sua oposição às sentenças injustas anunciadas", escreveu no Instagram o diretor Asghar Farhadi, que dirigiu Alidoosti em O Apartamento, produção que ganhou o Oscar de filme em língua estrangeira.

"Se mostrar tal apoio é um crime, então dezenas de milhões de pessoas nesta terra são criminosos", acrescentou Farhadi.

'Ameaças de morte'

Outra proeminente atriz iraniana que deixou o país, Pegah Ahangarani, disse à BBC Persa: "Ambos os lados se radicalizaram, o regime em sua repressão e as pessoas na indústria cinematográfica em sua resposta."

"O Irã não pode voltar à era pré-Mahsa Amini", referindo-se à iraniana curda cuja morte sob custódia da polícia da moralidade do Irã em 16 de setembro deu início aos protestos.

Hamid Farrokhnezhad, outro conhecido ator iraniano, mudou-se para os EUA no início deste mês e imediatamente chamou o líder supremo iraniano Ali Khamenei de "ditador", comparando-o a Franco, Stálin e Mussolini.

"Mulheres, Vida, Liberdade" virou lema dos protestos
"Mulheres, Vida, Liberdade" virou lema dos protestos
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Ali Karimi, um dos ex-jogadores de futebol mais famosos do Irã, que morava em Dubai, também apoiou os protestos. Ele disse que agentes da inteligência iraniana ameaçaram matá-lo, levando-o a se mudar para os Estados Unidos.

Karimi é hoje um dos críticos mais ferrenhos do regime iraniano em sua conta no Instagram, que tem mais de 14 milhões de seguidores.

Outro ícone do futebol iraniano, Ali Daei, teve sua joalheria e restaurante fechados pelo judiciário iraniano depois de manifestar seu apoio a uma greve nacional.

O que também distingue os protestos atuais dos anteriores é o uso cada vez mais frequente de coquetel molotov por parte dos manifestantes.

Os artefatos foram usados contra bases da milícia Basij e Hawza e em escolas religiosas para clérigos muçulmanos xiitas.

Turbantes arrancados

A Geração Z do Irã tem estado na vanguarda desses protestos, desafiando regras religiosas rígidas e estabelecendo novas tendências, como queimar o véu obrigatório para as mulheres.

Outra nova tendência entre os jovens manifestantes é a chamada "arrancada de turbante" — que consiste em se posicionar despercebido por trás de clérigos muçulmanos xiitas, arrancar seus turbantes e fugir.

Um menino de 16 anos, Arshia Emamgholizadeh, foi preso na cidade de Tabriz (noroeste do país), no mês passado, acusado de tirar o turbante de outra pessoa.

Ele foi detido por 10 dias antes de ser liberado. Dois dias depois, ele cometeu suicídio, algo que sua família atribui ao seu tratamento na prisão. Durante sua detenção, Arshia foi espancado com cassetetes e recebeu pílulas desconhecidas, disse uma fonte próxima à família à BBC Persa.

As autoridades iranianas não apenas reprimiram os manifestantes, mas também usaram os corpos dos mortos sob sua custódia como moeda de troca para silenciar as famílias das vítimas.

Temendo tal pressão, o irmão de um manifestante morto roubou o corpo de um necrotério, dirigindo pela cidade por horas, disse uma fonte à BBC Persa.

Mehran Samak, 27, foi baleado na cabeça na cidade de Bandar Anzali, no norte do país, por buzinar seu carro em comemoração à eliminação do Irã da Copa do Mundo em 29 de novembro.

Outra família diz ter encontrado sinais brutais de tortura em Hamed Salahshoor, de 23 anos, quando exumaram seu corpo após ele ter sido enterrado 30 quilômetros distante de sua cidade natal.

Execuções e tortura

Até agora, dois homens foram executados após serem condenados por acusações de segurança nacional vagamente relacionadas aos protestos, o que grupos de direitos humanos condenaram como erros grosseiros da justiça.

Muitos dos que estão no corredor da morte disseram que foram torturados.

A Rede de Direitos Humanos do Curdistão, uma organização não-governamental, disse que um rapper curdo-iraniano, Saman Yasin, que foi condenado à morte, tentou se matar na terça-feira. O grupo de direitos humanos disse anteriormente que Yasin foi torturado enquanto estava detido. A Suprema Corte do Irã manteve um recurso contra sua sentença de morte no sábado e ordenou que ele fosse julgado novamente.

Em um arquivo de áudio obtido pela BBC Persa, um fisiculturista amador de 26 anos, Sahand Noormohammadzadeh, alega que forças de segurança simularam por diversas vezes o momento de sua execução.

Noormohammadzadeh foi condenado à morte em novembro, depois de ter sido considerado culpado de "hostilidade contra Deus" (algo definido pela lei iraniana como "criar insegurança pública" com uma arma).

Ele foi acusado de bloquear o tráfego em uma rodovia derrubando grades durante um protesto em Teerã em 23 de setembro, o que ele negou.

A BBC Persa também obteve imagens de raio-x que mostram três costelas quebradas e seu pulmão perfurado de um radiologista preso.

Hamid Ghare-Hasanlou foi considerado culpado de "corrupção na Terra", um crime que acarreta pena de morte.

Uma fonte disse à Anistia Internacional que Ghare-Hasanlou foi submetido a tortura e maus-tratos para fornecer uma "confissão" forçada.

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