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Assassinato de Marielle: "Fomos forçados a transformar o luto em luta"

Marinete Silva e Antônio Franco, pais da vereadora Marielle Franco, avaliam que há expectativas de que o caso seja solucionado

14 mar 2023 - 11h56
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Imagem mostra familiares de Marielle Franco
Imagem mostra familiares de Marielle Franco
Foto: Mayara Donaria / Alma Preta

O dia 14 de março de 2018 era só mais um dia comum na vida da família Franco, no Rio de Janeiro. Reunidos à sala, Marinete, Luyara, Anielle e Antônio assistiam ao jogo entre Flamengo e Emelec, pela CONMEBOL Libertadores, quando, de repente, a programação foi interrompida pela notícia que ficou marcada como um dos episódios mais trágicos da política brasileira: o assassinato da vereadora e ativista Marielle Franco, de 38 anos, e de seu motorista Anderson Gomes, de 39 anos.

Desde então, há cinco anos, a data simboliza a luta por justiça e uma pergunta ainda ecoa na voz dos familiares: "Quem mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes?". Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, a mãe de Marielle Franco, Marinete Silva, define os últimos cinco anos como um período difícil com perguntas ainda sem respostas.

"Esses cinco anos têm sido bem difíceis. É um processo que traz muitas dores ainda, muitas perguntas sem resposta. É meia década e, apesar de toda complexidade que tem, a gente precisa de uma resposta de quem mandou matar Marielle. É uma coisa que tem nos angustiado bastante essa parte dos mandantes porque tem um mentor, tem uma história que foi planejada, então isso é uma preocupação e a gente tem que saber quem são essas pessoas e por quê", comenta Marinete.

Desde março de 2019, o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz estão presos apontados como o autor dos disparos e o motorista do carro usado no crime, respectivamente. Ambos devem ir à júri popular, ainda sem data marcada.

Apesar da prisão, ainda não há informações sobre a motivação do crime e quem mandou assassinar Marielle e Anderson, além de uma série de acusações sobre possíveis interferências na investigação do caso.

Com a mudança do governo Bolsonaro para o governo Lula, o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, se comprometeu em dar novos encaminhamentos para solucionar o caso. No início do mês, um novo grupo de promotores foi nomeado para integrar a nova força-tarefa criada para investigar os assassinatos de Marielle e Anderson Gomes.

"Nós estamos com esperança de saber quem são os mentores disso tudo para que a gente tenha essa resposta. A sociedade precisa saber. Não só a minha filha, mas todas as mães precisam saber por todos esses extermínios que tem aqui no Rio de Janeiro, tanto de crianças quanto de homens, mulheres, negros, brancos, que precisam ser desvendados", relata Marinete Silva.

À Alma Preta, Antônio Francisco, pai de Marielle, diz que, com o novo governo, vê a possibilidade de ter respostas do caso do que em comparação com o governo anterior e questiona: "Cinco anos de um crime sem solução. Para nós, isso é uma imensidão de tempo. Crime perfeito? Não existe crime perfeito, eu sempre ouvi isso. Será que o da minha filha vai ser? Espero que não".

Herança política

Mulher, negra, cria da favela da Maré, socióloga, gestora e ativista dos direitos humanos, a ligação de Marielle com a política começou antes mesmo dela se candidatar como vereadora para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 2016.

A mãe de Marielle, Marinete Silva, natural de João Pessoa (PB) e oriunda de uma família matriarcal, conta que a influência da filha é fruto do ativismo social das avós e das tias, que atuavam em pastorais sociais no Nordeste. À Alma Preta, Marinete recorda do dia em que Marielle disse que queria entrar para a política partidária.

"Quando a Marielle falou que ia se candidatar eu falei que não era a favor porque eu achava que ela já fazia um trabalho muito bonito como defensora, como mulher que trabalhou dentro dos Direitos Humanos por mais de dez anos, então eu achava que não precisava entrar diretamente para ser uma vereadora ou qualquer outro cargo parlamentar e continuar com o que ela já fazia", comenta.

Já Antônio se define como um pai que apoiava todas as decisões da filha, o que não foi diferente quando ela disse que iria se candidatar. "Eu sempre perguntava: 'é isso que você quer?', ela confirmava e eu falava: 'tô contigo', foi assim na entrada dela na política. Marinete realmente não queria — talvez por aquele pressentimento de mãe — mas eu falei: 'é isso que você quer? vai em frente que nós estamos te apoiando'.

Como a maioria das mulheres negras no Brasil, a carga da responsabilidade na vida de Marielle começou ainda muito cedo. Vinda de uma família humilde, aos 11 anos de idade trabalhou como estagiária em uma universidade, foi catequista durante dez anos por causa da sua formação católica e dava aulas às crianças da comunidade da Maré ao mesmo tempo em que ajudava na criação da irmã e atual ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, cinco anos mais nova. Aos 19 anos, Marielle se tornou mãe de Luyara Franco e casou, em 1998.

"A vida levou a gente a trazer Marielle para esse lugar de responsabilidade muito cedo. Ela nunca deu trabalho. Só deu trabalho para outras coisas porque ela gostava muito de baile, foi funkeira... deu um trabalhinho nisso", recorda Marinete, aos risos. "Mesmo assim ela sempre deu muito conta do que fazia e sempre foi muito responsável desde que ela entendeu que a vida dela seria diferente porque ela casa e tem filho muito cedo", completa.

A militância de Marielle nos direitos humanos começou após ingressar no pré-vestibular comunitário e perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré. A luta pelo povo da favela era uma das principais marcas de Marielle. Quando entrou no curso de Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), conseguiu vagas para moradores da Maré. Nos anos seguintes, Marielle foi convidada pelo amigo e, à época, deputado estadual Marcelo Freixo (PT-RJ) para integrar a Comissão de Direitos Humanos, onde defendia pautas feministas, da população negra e periférica e LGBTQIAP+.

Para Marinete, a eleição de Marielle representou um marco inédito e foi essencial para reestruturar a Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Marielle foi a 5ª vereadora mais votada do Rio de Janeiro, com pouco mais de 46 mil votos.

"Foi uma coisa inédita. Uma mulher negra, periférica, depois ela assume a bissexualidade e tudo isso fez com que a Marielle crescesse muito como pessoa, como mulher e com um ativismo muito grande para mudar a Câmara, aquele sistema patriarcal, com homens brancos, mudando desde os banheiros para que as mulheres trans que trabalhavam com ela tivessem acessibilidade quanto o enfrentamento dentro do próprio parlamento", analisa.

Sementes de Marielle

A cobrança por respostas e o luto se transformaram em lutas. Em 2020, familiares lançaram o Instituto Marielle Franco, organização sem fins lucrativos que tem como pilares a luta por justiça, a defesa da memória, a multiplicação do legado da Marielle e o fortalecimento das sementes da ativista.

Nos últimos anos, o Instituto tem realizado ações no intuito de potencializar mulheres negras, pessoas LGBTQIA+ e periféricas dentro das comunidades e no âmbito político. Uma das principais ações do Instituto é a Agenda Marielle Franco, um conjunto de práticas e compromissos políticos ligados à agenda antirracista, feminista, LGBTQIA+ e populares que nas eleições do ano passado contou com apoio de mais de 100 organizações.

O Instituto também conta com a plataforma "Não Seremos Interrompidas", uma plataforma que tem como objetivo pressionar o Estado e os partidos políticos na garantia de combater a violência política contra mulheres negras, cis e trans, eleitas.

"Não basta trazer essas mulheres para dentro desse contexto, é preciso saber quem cuida dessas mulheres depois que elas são eleitas. As sementes da Marielle precisam ser sementes de protagonismo, ser sementes concretas de mulheres que chegam para protagonizar, para estar dentro da política", explica Marinete, uma das fundadoras do Instituto.

O pai de Marielle, Antônio Francisco, destaca a importância em solucionar o caso Marielle para evitar outros casos de violência política. "Como ela foi um farol vibrante para muita gente pela atuação brilhante dela, esse crime sendo desvendado vai ser um obstáculo para que outros assassinatos contra essas pessoas sejam cometidos".

Na data em que o caso completa cinco anos sem respostas sobre o mandante dos assassinatos, o Instituto realiza o "Festival Justiça por Marielle e Anderson", na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. O evento irá contar com apresentações musicais de Luedji Luna, Azula, Baile Black Bom, Marcelo D2, Orquestra Maré do Amanhã, Criolo entre outros. Durante o festival, o Instituto também vai lançar o boletim "Direito à Segurança Pública na Maré 2022" e a exposição "A Voz de Marielle", da Oficina de Bordado.

Intervenções artísticas, ações simbólicas, debates, lives e apresentações também estão previstas para acontecer em diversos estados do Brasil, em países da América Latina e na Europa.

Para a mãe de Marielle, Marinete Silva, após o assassinato da filha, hoje, a família busca espalhar o legado de Marielle como uma representante das causas populares.

"A gente virou uma família que foi forçada a mudar de vida, forçada a transformar esse luto em uma luta constante, é viver esse luto com dignidade e a gente tem feito muito isso levando esse protagonismo da Marielle. A transformação é diária apesar da gente ter muitas dores e perguntas sem respostas", completa.

 "Nós incomodamos": o legado de Marielle para as mulheres negras na política

Alma Preta
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